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Ideias e soluções para promover a justiça climática nas periferias das cidades

Laboratório Arq.Futuro reuniu representantes de movimentos comunitários para trocar experiências e discutir as desigualdades socioambientais

Laboratório Arq.Futuro reuniu representantes de movimentos comunitários para trocar experiências e discutir as desigualdades socioambientais

 

Leandro Steiw

 

O Núcleo Mulheres e Territórios do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper realizou presencialmente, no dia 7 de maio, o painel “Esse clima está confortável para você? Justiça climática nas periferias de São Paulo”. A ideia era promover a conscientização sobre as desigualdades socioambientais e explorar soluções para tornar a cidade mais sustentável e inclusiva.

Participaram do evento a pedagoga Cristiane Gomes Lima, mutirante do Conjunto Habitacional Paulo Freire, na Cidade Tiradentes, e coordenadora Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) Leste 1; a cientista social Gabriela Alves, cofundadora e diretora do Perifa Sustentável; o geógrafo Rian de Queiroz, morador do conjunto de favelas da Maré, na capital do Rio de Janeiro, e pesquisador e coordenador de projetos socioambientais na ONG Redes da Maré; Sabrina Santos, bacharel em Políticas Públicas e pesquisadora do Observatório De Olho na Quebrada da Unas Heliópolis e Região; e o arquiteto e urbanista Vitor Stalmann, que lidera a luta pelos patrimônios culturais do Morro Grande. Eles trocaram experiências sobre iniciativas que envolveram as comunidades de áreas vulnerabilizadas nas quais atuam e apresentaram alguns resultados de programas em prol da resiliência climática e da justiça social. A mediação foi da ativista e empreendedora social Kamila Camilo, fundadora da Creators Academy.

Para Juliana Mitkiewicz, coordenadora do Núcleo Mulheres e Territórios, o grande diferencial do Laboratório é unir diferentes profissionais — como arquitetos, urbanistas, advogados, engenheiros, médicos etc. — a representantes dos território vulnerabilizados para trabalharem juntos, discutindo perspectivas relacionadas à melhoria da qualidade de vida nas cidades. Isso, sempre tendo como suporte dados e evidências baseados em pesquisas. “Não dá para falar de dados e evidências, multidisciplinaridade e transversalidade sem trazer pessoas e territórios para a discussão. O núcleo tem como objetivo olhar pela perspectiva da lente coletiva das mulheres, que são pioneiras nas discussões dos espaços urbanos, para tratar de questões urbanas a partir de territórios, especialmente favelas e comunidades de baixa renda”, explicou Juliana.

Uma dessas questões, incontornável aliás, é justamente a justiça climática. Para Kamila Camilo, uma das razões pelas quais é preciso falar sobre o tema é porque as pessoas precisam estar no centro das decisões, e os territórios são parte da identidade das pessoas. “A pesquisa Na Raiz do Brasil, feita pelo Instituto Morada Comum, mostra que mais de 70% dos brasileiros se entendem a partir do território”, afirmou Kamila. “O lugar onde vivemos diz muito sobre o que acreditamos e pelo que nos movemos.”

 

Vida com dignidade

A primeira experiência narrada no painel foi apresentada por Cristiane Gomes Lima. No conjunto habitacional da Zona Leste paulistana, relatou Cristiane, foram instalados 38 painéis solares fotovoltaicos para geração de energia elétrica. A eletricidade é usada nos equipamentos condominiais, principalmente na bomba elétrica que abastece o reservatório de água. Desde o ano passado, a conta de consumo caiu, em média, de cerca de 4.000 reais para 291 reais por mês. “Entendemos que esse é um acesso fundamental para que as pessoas vivam com dignidade”, disse Cristiane. “Depois que conquistamos a moradia, precisamos avançar. A gente não quer só casa, a gente quer tudo que a casa permita ter.”

Cristiane esclareceu que as contas de luz, água e gás costumam consumir boa parte do orçamento das famílias. Para envolver todas as famílias nesse movimento, foi feito um censo para descobrir o que as pessoas já dispunham de bens (eletrodomésticos, por exemplo) e o que pretendiam comprar no futuro. Esse mapeamento foi importante para definir os objetivos da comunidade. “Temos telhado suficiente para fazer para todas as famílias, mas ainda não temos recurso”, afirmou Cristiane. “E hoje conseguimos captar mais energia do que a gente usa. Além da economia, temos o engajamento das famílias não só moradoras como também do movimento, para que, no prazo mais breve possível, consigamos que todos os outros projetos tenham.”

A cientista social Gabriela Alves, do Perifa Sustentável, disse que o instituto luta pela construção de projetos que visem à mobilização da juventude em prol de uma nova agenda climática, sustentável e racial em seus territórios. “Falar de clima é falar sobre ancestralidade, não é falar algo novo”, afirmou Gabriela. “Fazer essa conexão geracional é fundamental.” Esse princípio está expresso no projeto Muçurana, que debate as consequências da chegada do metrô na Brasilândia, na capital paulista, prevista para no máximo dois anos. Nas conversas com outras comunidades, verificou-se a ocorrência de aceleração de verticalização, especulação imobiliária e migração de moradores para outras regiões por incapacidade de sustentar os novos valores de aluguéis.

Segundo Gabriela, o que era um direito constitucional de ir e vir pode desembocar em uma nova migração. “Nós comemoramos os equipamentos que chegam, porém queremos saber como esses direitos vão ser entregues”, ressaltou ela. A próxima etapa do Muçurana é instalar uma estação meteorológica para medir as ilhas de calor antes e depois da chegada do metrô. “Eventos como os do Rio Grande do Sul serão cada vez mais frequentes porque não pensamos, ao construir uma cidade, como a gente respeitaria a própria diversidade e a questão do verde e como integraria o desenvolvimento a partir do concreto.”

Diante da argumentação de Gabriela, Kamila Camilo reforçou que não é possível falar em justiça climática sem participação social. “O que chamamos de desenvolvimento urbano passou por um entendimento de que a natureza precisava ser destruída porque era um problema”, observou Kamila. “As árvores e os rios eram um problema. E agora a natureza está pedindo o lugar dela de volta. Então, se a natureza vai pedir o lugar dela de volta, cabe a cada um de nós aprender a conviver em simbiose e reivindicar o nosso lugar como natureza.”

O geógrafo Rian de Queiroz, da ONG Redes da Maré, apresentou o projeto Respira Maré, parte da investigação sobre os problemas respiratórios das pessoas da comunidade e dos apagões de energia elétrica na favela. Segundo Rian, um ponto importante é que as estações meteorológicas do Rio, que fornecem dados para as políticas públicas, estavam afastadas da Maré e acabam não visualizando as características e as dinâmicas do local. Por meio do Respira Maré, buscou-se produzir dados que retratassem a dinâmica na escala microclimática da favela, diagnosticando a qualidade do ar e as eventuais ilhas de calor que poderiam existir na Maré.

“O que mais chamava a atenção para a gente era cruzar esses dados com os impactos na saúde dos moradores”, ressaltou Queiroz. Usando aparelhos medidores de qualidade do ar, os agentes ambientais do projeto coletaram informações sobre temperatura, gases e materiais particulados presentes em cinco pontos diferentes da Maré. Os primeiros resultados indicaram que determinada parte do complexo esquentava 2°C a mais do que outras e não resfriava à noite. Coincidentemente ou não, era onde acontecia o maior número de quedas de energia. As diferenças eram causadas por motivos diversos, como os materiais utilizados nas construções, o acabamento das moradias, a largura das ruas e a proximidade a locais nos quais os moradores queimam o lixo.

 

Bairros educadores

A pesquisadora Sabrina Santos contou a experiência do Observatório De Olho na Quebrada, da maior favela de São Paulo. “O objetivo institucional da Unas é transformar todos esses territórios em bairros educadores, fazendo essa integração entre a escola e os equipamentos públicos disponibilizados”, sublinhou Sabrina. “E o objetivo do Observatório transpassa também esse bairro. Hoje, somos um coletivo juvenil de pesquisa, com pessoas de 15 a 24 anos. Todo o nosso trabalho perpassa a juventude e perpassa o olhar geracional dentro dessas pesquisas.”

Entre os assuntos pesquisados pelo De Olho na Quebrada estão as questões climáticas: remoção forçada de famílias e fechamento de instituições por conta de contaminação por gases tóxicos, ausência de dados oficiais sobre o risco de enchentes em Heliópolis e o mapeamento das ilhas de calor na favela. Com dispositivos de baixo custo, por exemplo, os pesquisadores mediram as situações de calor ou de frio extremos dentro das casas. “Medimos a diferença entre uma casa que foi autoconstruída e outra feita pelo poder público e como isso dialoga com o território que está em processo vertiginoso de verticalização”, contou Sabrina. “As nossas pesquisas buscam como mitigar esse processo climático e também como adaptar o território a essas ondas que vão vir.”

O arquiteto e urbanista Vitor Stalmann recordou que o movimento do Parque Morro Grande é um coletivo que, há 18 anos, começou com um grupo de moradores que tentava criar um cinema e uma capela. Durante as discussões, cresceu a ideia de transformar uma pedreira que funcionava na região em um parque urbano e iniciaram-se as articulações com órgãos governamentais. Nem mesmo a construção de uma estação do metrô no centro da área desanimou os moradores. “Falamos que o parque é como um abraço, porque está em volta do metrô”, afirmou Stalmann.

O plano avançou para a fase de identificação cadastral das propriedades que estão dentro dessa área, o registro da memória oral e documental dos moradores e trabalhos de educação ambiental nas escolas da região. “A memória vem sendo um ponto de partida muito grande, porque é através do afeto que a gente começa a se reconhecer dentro do território — e, se reconhecendo, a gente começa a se tratar melhor nesse território”, pontuou Stalmann. “Temos que fazer com que as pessoas entendam o que queremos proteger por meio do parque. Vimos que algumas ações dentro da sala de aula têm um impacto muito maior. Quando percebemos que os alunos começaram a se mobilizar e conscientizar algumas pessoas, começou a ser algo mais verdadeiro.”

Encerrando o painel, Kamila Camilo defendeu que cada pessoa, ao identificar esses territórios, se organize em sociedade para que haja mais áreas verdes. “Precisamos lembrar que a gente é natureza e que, se pudermos planejar a cidade para as pessoas e para a natureza, a vida de todo mundo será melhor”, disse ela. “Todas as práticas compartilhadas aqui são de certa forma replicáveis. E espero que consigamos, como sociedade, mobilizar mais recursos e promover justiça climática a partir da voz de cada um de vocês.”

 

Participantes do evento "Esse clima está confortável para você?", no Insper, em maio de 2024
Participantes do evento no Insper

 

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