[{"jcr:title":"Das células no microscópio ao mundo da Economia e Direito"},{"targetId":"id-share-1","text":"Confira mais em:","tooltipText":"Link copiado com sucesso."},{"jcr:title":"Das células no microscópio ao mundo da Economia e Direito","jcr:description":"A professora Luciana Yeung chegou a cursar um ano de Biologia antes de encontrar o rumo em sua carreira"},{"subtitle":"A professora Luciana Yeung chegou a cursar um ano de Biologia antes de encontrar o rumo em sua carreira","author":"Ernesto Yoshida","title":"Das células no microscópio ao mundo da Economia e Direito","content":"A professora Luciana Yeung chegou a cursar um ano de Biologia antes de encontrar o rumo em sua carreira     Filha de imigrantes chineses de Hong Kong, então uma colônia britânica, Yeung Luk Tai chegou ao Brasil aos 3 anos de idade e adotou o novo nome dado pelos pais para facilitar sua adaptação à nova terra: [Luciana Yeung](https://www.insper.edu.br/pesquisa-e-conhecimento/docentes-pesquisadores/luciana-yeung/) . A família se fixou em Brasília, onde Luciana fez o ensino fundamental e médio. Ela deixou a capital federal para estudar em Campinas, no interior paulista, ao ser aprovada no curso de Biologia da Unicamp. “O curso era excelente, mas percebi que estava lá por hobby e não pretendia trabalhar na área”, conta Luciana. A ficha caiu durante uma aula em que o professor pediu aos alunos que observassem um determinado material no microscópio. “Enquanto procurava por células, percebi que estava mais interessada no mundo que estava fervilhando lá fora.” Foi assim que, depois de um ano na faculdade, Luciana decidiu largar o curso de Biologia e prestar vestibular novamente, dessa vez para Economia. Luciana acabou fazendo a graduação na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (1996). Depois, emendou dois mestrados na Universidade de Wisconsin- Madison, nos Estados Unidos: um em Relações Trabalhistas (2001) e outro em Economia Aplicada (2002). Voltou ao Brasil e fez o doutorado em Economia na Fundação Getulio Vargas (2010). Antes, em 2002, começou a trabalhar no Insper, onde hoje leciona em cursos de graduação, pós-graduação (incluindo o [Mestrado Profissional em Políticas Públicas](https://www.insper.edu.br/pos-graduacao/mestrado/politicas-publicas/) ) e educação executiva. Como pesquisadora, dedica-se à Análise Econômica do Direito, aplicando métodos econômicos a questões jurídicas. Sua pesquisa se concentra principalmente em decisões judiciais e políticas públicas. A seguir, conheça mais sobre a trajetória da professora Luciana Yeung.   *** A chegada ao Brasil Nasci em Hong Kong, na época uma colônia britânica, e vim para o Brasil aos 3 anos de idade. Fui criada aqui e me considero brasileira. Meu pai, que era avesso a riscos, desejava deixar Hong Kong e, após pesquisas e contatos com chineses no Brasil, solicitou o processo formal de imigração, nos anos 1970. Acupunturista, ele manteve sua clínica, iniciada em Hong Kong, no Brasil, onde trabalhou até o fim de sua vida. Nossa família se estabeleceu em Brasília, onde passei minha infância e adolescência. Somos quatro irmãos: eu e minha irmã mais nova nascemos em Hong Kong, e meus dois irmãos mais novos nasceram em Brasília. Meu nome em chinês é Yeung Luk Tai. Para facilitar nossa adaptação ao Brasil, meus pais nos deram nomes em português. Meus irmãos acabaram retomando seus nomes originais, mas, no meu caso, o nome em português “pegou” porque gostei dele e o adotei desde então.   Da Biologia à Economia No Brasil, é comum que os jovens precisem escolher sua carreira cedo, sem muita interação ou conhecimento real das profissões. No meu caso, a escolha foi por tentativa e erro. No primeiro vestibular, como treineira, me inscrevi em quatro cursos distintos. Quando fiz o vestibular para valer, optei por Biologia. Fui aprovada na Unicamp e me mudei para Campinas. O curso era excelente, mas percebi que estava lá por hobby e não pretendia trabalhar na área. Sempre fui muito interessada em ciências sociais. Desde os 13 anos, influenciada pelo meu pai, eu lia jornais, revistas e assistia a noticiários. Lembro-me do momento em que cheguei à conclusão de que a Biologia não era para mim: estava em uma aula no laboratório, com um microscópio. Enquanto procurava por células, percebi que estava mais interessada no mundo que estava fervilhando lá fora. Naquela tarde, contei à minha colega de república que voltaria a estudar para o vestibular. Meu objetivo era cursar algo relacionado a ciências sociais, especialmente Economia. Fiz o vestibular novamente e fui aprovada na Unicamp e na USP. Optei pela USP, pois também tinha o sonho de morar em São Paulo.   Dois mestrados em Wisconsin Desde o primeiro dia na faculdade, eu sabia que meus estudos não terminariam na graduação. Fazer mestrado e doutorado era um objetivo presente na minha família, e também um sonho do meu pai, que não teve essa oportunidade. Na faculdade, comecei a estagiar com o professor Hélio Zylberstajn, que fez doutorado em relações trabalhistas na Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos. Ele escreveu cartas de recomendação para mim, e fui para Wisconsin fazer mestrado em relações industriais, uma área interdisciplinar que envolve economia, administração e sociologia. Concluí o curso e defendi uma dissertação, mas percebi que queria algo mais focado em economia pura. Após o mestrado em relações trabalhistas, emendei outro em economia, também em Wisconsin. Inicialmente, a ideia era seguir para o doutorado, mas eu era muito jovem e sentia saudades do Brasil. Um doutorado nos Estados Unidos poderia demorar mais quatro, cinco ou até seis anos.   Ingresso no Insper Depois de quatro anos nos Estados Unidos, decidi retornar ao Brasil. Logo em seguida, comecei a trabalhar no Insper, em 2002, como assistente de coordenação na graduação de Economia e Administração. Era um trabalho mais administrativo, mas, ao mesmo tempo, comecei a dar aulas como professora horista. Com o tempo, percebi que seguiria a carreira acadêmica. Nessa época, decidi fazer o doutorado. Já não tinha mais a chance de voltar aos Estados Unidos, pois estava com a vida consolidada aqui. Resolvi fazer o doutorado na FGV, uma das poucas escolas com professores que trabalhavam diretamente na interseção entre Economia e Direito, uma área pela qual eu tinha começado a me interessar durante meu segundo mestrado em Wisconsin. Na FGV, fui orientada pelo professor Paulo Furquim de Azevedo, que hoje também está no Insper e era uma das pessoas que atuavam nessa interface entre Economia e Direito.   Análise Econômica do Direito No Brasil, os cursos de Economia têm disciplinas de Direito, mas muitas vezes sem uma interação real com a Economia. A graduação de Economia do Insper se destaca nesse aspecto, inspirando-se na Law Economics dos Estados Unidos para criar a disciplina Análise Econômica do Direito. As coisas para mim aconteceram meio por acaso. O professor que dava essa disciplina no Insper foi transferido para outra unidade e a vaga ficou em aberto. Alguém lembrou que, em Wisconsin, eu havia estudado Economia Institucional, uma área que estuda leis, Estado e política e interage um pouco com o Direito. Eu entendia de Economia Institucional, não exatamente de Direito e Economia, mas acabei assumindo a disciplina. Tive que estudar bastante para dar essa aula, e isso aconteceu pouco antes de eu começar meu doutorado. No Brasil, há muito mais profissionais do Direito interessados em Economia do que o contrário. Sou uma das poucas economistas que se aventuraram a aprender Direito e o juridiquês. Foi uma oportunidade que surgiu e eu estava no lugar certo, na hora certa.   Formulação de políticas públicas A Análise Econômica do Direito é uma disciplina fundamental para aqueles que desejam trabalhar com economia no setor público. Seu foco está na análise das decisões judiciais, na organização do Judiciário e nos impactos dessas decisões na economia. A disciplina também aborda o mundo das políticas públicas, oferecendo uma visão abrangente do planejamento, desenho, mensuração e avaliação de políticas públicas. É um curso prático, mas com uma base teórica sólida em Economia Institucional, que estuda os fundamentos da formação do Estado e sua interação com os agentes econômicos. Os economistas institucionalistas foram os primeiros a discutir o conceito de qualidade institucional e a comparar políticas em termos de eficácia e eficiência. Saber avaliar a qualidade das políticas, desenhar políticas eficazes e que minimizem custos para a sociedade é fundamental. Portanto, essa disciplina é importante tanto para a análise do Judiciário quanto para a formulação e implementação de políticas públicas.   A terapia das aulas Recentemente, refleti sobre por que tantas pessoas amam dar aula. Acho que é porque, ao ensinar, focamos totalmente no conteúdo, esquecendo qualquer problema externo. Isso para mim é terapia. Passar duas horas concentrada em algo que não sejam meus problemas é uma experiência que me deixa feliz. Além disso, há o aspecto físico: falar, se movimentar, isso libera adrenalina. O benefício físico e mental de dar aula é muito positivo. Para quem gosta de pessoas e de interação, dar aula é ótimo. Durante a pandemia, senti muita falta dessa interação. Estava desesperada para voltar e fui uma das primeiras a retornar para as atividades presenciais, porque a falta de interação com alunos e colegas era extremamente difícil para mim.   Linhas de pesquisa Grande parte das minhas pesquisas atuais envolve o Judiciário, com ênfase nas decisões judiciais. Nos últimos cinco a dez anos, a pesquisa sobre decisões judiciais no Brasil tem se beneficiado da digitalização e da disponibilidade pública das decisões, com exceção de alguns casos em segredo de justiça. Com alguém que saiba programação, é possível acessar as bases dos tribunais, ler as decisões judiciais e filtrar os assuntos de interesse. No Brasil, há milhões de decisões públicas disponíveis para pesquisa, um verdadeiro oceano de dados a serem trabalhados, minerados e transformados. Minha pesquisa foca em diversos aspectos das decisões judiciais, desde quebras de contrato e como o Judiciário decide, até a relação entre agências reguladoras e o Judiciário. Outra área interessante é a dos fatores que afetam as decisões dos juízes. Existe uma literatura internacional robusta sobre como gênero, raça, formação, escola, etnia e viés ideológico impactam a maneira como juízes decidem. Usando econometria, é possível identificar algumas tendências nas decisões judiciais. Há muita coisa que dá para estudar nesse sentido.   A paixão pela escrita Gosto muito de escrever, é algo que realmente me agrada [ela divide com Paulo Furquim de Azevedo uma coluna sobre [Direito e Economia](https://veja.abril.com.br/coluna/direito-e-economia#google_vignette) na versão online da revista Veja Negócios ]. Claro que há um esforço envolvido, mas, quando escrevo, não vejo o tempo passar. A escolha dos temas da coluna vem dos meus 15, 20 anos de interação com o mundo do direito. Percebo que muitas pessoas têm uma compreensão equivocada sobre economia, especialmente na relação com o direito e as políticas públicas. Aproveito esse espaço para desmistificar a ideia de que a economia trata apenas de dinheiro e abordar como a ciência econômica se relaciona com outras áreas. Busco abordar compreensões que juristas, advogados e o público em geral têm sobre economia, desmistificando conceitos e fazendo recomendações de autores menos conhecidos, mas impactantes. Foco menos no específico do economista e mais nas áreas menos conhecidas da relação entre economia e direito, buscando despertar interesse e provocar reflexões nos leitores.   Livro no prelo Tenho um grande projeto que, se tudo correr bem, vai se concretizar neste ano: publicar um livro sobre a Justiça brasileira. Apaixonei-me pelo tema do Judiciário e planejei escrever um livro a respeito, com uma perspectiva econômica. Agora, o livro está na editora, no prelo, e acredito que será lançado ainda em 2024. O nome do livro é O Judiciário Brasileiro: Uma Análise Empírica e Econômica . Ele aborda diversos aspectos da Justiça brasileira e dos diferentes ramos do Judiciário, sempre com um olhar empírico, utilizando dados e estudos, e uma perspectiva econômica. Esse era um sonho, e acho que vai se realizar."}]