Três estudantes do 8º semestre da graduação em Engenharia de Computação trabalharam em uma solução com aplicações concretas para o programa aeroespacial brasileiro
Tiago Cordeiro
A engenharia espacial brasileira esbarra em uma dificuldade estrutural: existem tecnologias relevantes que o país não produz e precisa importar. “Os países desenvolvidos fornecem componentes importantes para a etapa de desenvolvimento, mas não os compartilham para uso comercial, e com isso muitos avanços ficam estagnados”, explica Rafael Corsi, professor adjunto do Insper, com experiência no setor: ele já desenvolveu sistemas embarcados para teste das câmeras de um satélite europeu, o Plato, e atuou na especificação e na prototipagem de cubesats e de outros dispositivos críticos voltados para o espaço.
O professor mantém contato próximo com Saulo Finco, doutor em engenharia elétrica, microeletrônica e optoeletrônica e coordenador de desenvolvimento de projetos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Finco atua no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), unidade de pesquisa ligada ao ministério que tem como missão gerar, aplicar e disseminar conhecimentos em tecnologia da informação.
No primeiro semestre deste ano, Corsi orientou um Projeto Final de Engenharia (PFE) dedicado a contribuir com o CTI. Mais especificamente, em uma CPU RISC-V de uso aeroespacial. A arquitetura RISC-V (sigla para Reduced Instruction Set Computer – Five) tem ganhado espaço como uma alternativa inovadora e de código aberto. Representa uma revolução para a indústria de semicondutores, em grande parte porque é escalável e suporta diferentes níveis de complexidade.
Atualmente a arquitetura RISC mais importante é a Arm, de propriedade da empresa britânica de tecnologia Arm Ltd. A proposta é alcançar maior autonomia — por isso mesmo, em fevereiro, o Brasil se tornou membro premier da aliança RISC-V International, que tem Google, IBM e Qualcomm como participantes fundadores.
O objetivo do PFE era ambicioso: contribuir para o desenvolvimento da primeira CPU do gênero, de desenvolvimento brasileiro, para um futuro satélite nacional. O trabalho foi conduzido em conexão direta com Finco, e os estudantes já tiveram a oportunidade de apresentar resultados prévios pessoalmente ao cliente, em Campinas.
“A experiência de orientar alunos do Insper foi gratificante e produtiva para nós do CTI”, diz o coordenador. “O relacionamento foi frequente, com conteúdo técnico denso. O desafio proposto foi alcançado com sucesso pela equipe do Insper e os resultados serão aproveitados nos projetos internos do CTI”.
O desempenho do grupo superou as expectativas, ele aponta. “Houve o desenvolvimento do objeto proposto, o IP Core de um processador RISC-V, bem como de uma metodologia de projeto flexível baseado em ferramentas open source. Frutos desse trabalho já estão sendo colhidos nas atividades de pesquisa da nossa divisão.”
O professor Corsi pretende conduzir um novo PFE no segundo semestre, focado em ampliar os resultados dos esforços. O CTI está ciente desse esforço. “Espero ter novas turmas interessadas nesse tópico de desenvolvimento, adicionando novas funcionalidades ao trabalho realizado com muita qualidade e eficiência”, diz Finco.
Os estudantes Tiago Vitorino Seixas, Luciano Felix Dias e Giancarlo Vanoni Ruggiero, todos com 22 anos e alunos do 8º semestre da graduação em Engenharia de Computação, se dedicaram a desenvolver a parte lógica da CPU, considerando as especificidades do funcionamento de um satélite, incluindo o vácuo e a radiação.
“O processador é complexo. Trabalhamos no desenvolvimento do ambiente de testes e em um core básico funcional. Apesar de todos os desafios, conseguimos entregar”, diz Seixas. “Eu queria trabalhar com computação aplicada no PFE e fiquei satisfeito. Pudemos trazer soluções que aprendemos na faculdade e que o cliente não conhecia”, afirma Dias. “Tivemos que aprender como uma CPU RISC-V funciona e precisamos definir em que aspectos focaríamos nossos esforços”, reforça Ruggiero.
O começo da comunicação foi difícil, aponta o professor Rafael Corsi: “Por um lado, os alunos usando uma linguagem mais ligada a engenharia da computação, enquanto os pesquisadores do CIT focados em criação de componentes eletrônicos com uma linguagem mais de microeletrônica. Ao fim, foi um processo muito rico para todos os envolvidos”.