Conheça a trajetória de Vera Oliveira, aluna do Mestrado Profissional em Políticas Públicas do Insper e nomeada uma das principais lideranças jovens pelo Fórum Econômico Mundial
Bárbara Nór
No começo de abril, Vera Oliveira, fundadora e diretora executiva do Instituto C e aluna do Mestrado Profissional em Políticas Públicas (MPP) do Insper, foi uma das 80 pessoas nomeadas Young Global Leaders, iniciativa do Fórum Econômico Mundial que elege as principais jovens lideranças no mundo que são destaques em suas áreas a partir de uma lista de indicados por especialistas.
A nomeação é resultado de anos de trabalho à frente do Instituto C, fundação voltada para criar uma rede de apoio para famílias com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Fundada em 2011, a ONG acumula premiações em rankings como o dos Melhores ONGs há sete anos e, só no ano passado, atendeu a 1.236 famílias. Mas, durante muito tempo, trabalhar no terceiro setor não estava nos planos de Vera.
Formada em Relações Públicas, ela começou a carreira trabalhando com pesquisa de mercado. Mas, já naquele momento, ela conta que começou a sentir que algo não estava bem. “Passou a me incomodar o fato de sentir que estava dedicando grande parte do dia a um trabalho que não trazia tanto significado”, diz. “Eu me perguntava se estava contribuindo tanto quanto podia para que o mundo fosse um pouco melhor, mas não sabia muito bem como fazer isso.”
Ajudar os outros sempre havia sido, de certa forma, a sua vocação. “No começo da faculdade eu dava aula de computação em um contraturno escolar, e sempre participei de arrecadação de cesta básica”, diz. “Depois também trabalhei com crianças em um abrigo, em um projeto para que elas escrevessem a própria história”. De alguma forma, tudo isso tinha ficado de lado na escolha profissional.
Por um lado, lembra Vera, ela tinha um “certo preconceito” contra ONGs e não via o terceiro setor como uma possibilidade profissional. “Apesar da minha experiência com trabalho voluntário, eu tinha a sensação de que as ONGs faziam um trabalho muito de curto prazo e com um viés assistencialista, que não gerava de fato uma transformação na vida das pessoas atendidas.”
É por isso que, quando ela começou a se sentir em dúvida sobre a carreira, sua ideia era fundar um negócio social. Foi assim que começou a conversar com todos que conhecia sobre sua vontade de contribuir com algo maior e passou a pesquisar mais sobre o assunto. “Comecei a me aprofundar e a entender que eu tinha um viés errado do terceiro setor.” Foi nesse meio tempo também que a mãe de sua cunhada, que trabalhava em uma agência de publicidade, a apresentou para um dos clientes da agência, a Associação Saúde Criança (hoje Instituto Dara), organização que prestava assistência a famílias em situação de vulnerabilidade e com crianças portadoras de doenças crônicas na cidade do Rio de Janeiro.
De cara, a ideia interessou à Vera. “Nesse modelo, as famílias dessas crianças eram atendidas de forma global. Não só as crianças ficavam menos doentes, mas a renda da família aumentava muito depois do atendimento”, conta. “Era uma nova perspectiva de vida para as famílias, e eu queria muito entender como isso funcionava.”
Foi então que Vera decidiu ir ao Rio para conhecer o projeto de perto. O que ela não esperava era que, quando chegasse lá, já fosse ser apresentada como quem iria fundar uma franquia social do Saúde Criança em São Paulo. “Quando cheguei, a Dra. Vera Cordeiro [médica e fundadora do Instituto] começou a me apresentar para todo mundo como se eu já tivesse tudo definido”, lembra. “Me levaram para uma sala e começaram a me falar o que eu tinha que fazer: uma assembleia de fundação, definir o estatuto e começar a arrecadar fundos…”
Embora estivesse apaixonada pela ideia, Vera não tinha intenção de já sair do emprego em pesquisa de mercado e começar o projeto. “Eu não tinha a menor ideia de como fazer isso, só tinha ido conhecer”, diz. Mas, no dia seguinte, de volta ao trabalho, ela recebeu uma ligação do chefe dizendo que estava de saída da empresa. “Na hora me deu um clique e falei: “Eu também, vou realizar o meu sonho”.
Assim que tomou a decisão, Vera se viu de repente com uma série de desafios: ela tinha que conseguir um hospital para ser parceiro do instituto e encaminhar as famílias que seriam atendidas, alugar a estrutura e estabelecer um conselho. A captação de recursos também era outra preocupação — mas, ela conta, a agência de publicidade que já representava a instituição no Rio já tinha se comprometido a ajudar com isso.
Aos poucos, as coisas foram se acertando: ela fechou uma parceria com a Santa Casa e, depois de alguns meses de sufoco por falta de patrocínio, conseguiu um aporte de 200 mil reais de uma família interessada no projeto. “Eu tinha começado a aplicar para receber recursos e, por meio do Instituto Azzi, que faz ponte entre famílias doadoras e organizações da sociedade civil que tenham a ver com a missão dessas famílias, achei uma família que se interessou”, diz. “Foi assim que a organização pôde acontecer.”
Hoje, ela conta, a ONG se expandiu e deixou de atender somente famílias com crianças portadoras de doenças crônicas. “Passamos a atender famílias com vulnerabilidades de forma geral, sempre oferecendo conhecimento e acesso para que elas possam frequentar todos os serviços públicos que são de direito delas”, diz.
A ideia é que essas famílias possam ganhar autonomia para viver de forma independente. “A gente trabalha muito a questão da autoestima, e depois falamos de geração de rendas, dos benefícios de transferência de renda que ela pode receber, oportunidades de trabalho e garantir que todos os filhos estejam frequentando a escola”, diz. “É um trabalho que acaba acontecendo no longo prazo, porque, de fato, gera uma transformação nas famílias.” Em 2021, a instituição abriu o segundo polo de atendimento na Zona Norte e, depois, a primeira unidade no Guarujá, no Perequê.
“No momento, queremos ampliar o escopo de atuação via parcerias com o governo, organizações locais ou por meio de financiamento do próprio instituto”, diz Vera. “Temos uma lista de espera bem relevante, infelizmente, nos dois polos, e precisamos fazer uma priorização de acordo com a vulnerabilidade da família.”
Com a preocupação justamente de poder escalar iniciativas como o Instituto C, Vera passou a buscar por mais ferramentas e conhecimento. “Eu já sei como é começar uma organização social, fazer uma boa gestão, acessar diferentes pontos de recurso”, diz. “Mas como fazer com que isso chegue a mais pessoas ainda não sei exatamente, e isso está totalmente permeado com as políticas públicas”.
Foi para entender como funcionam e como são desenhadas as políticas públicas que ela buscou o Mestrado Profissional em Políticas Públicas no Insper, onde acaba de concluir o primeiro trimestre. “Eu admirava muito a grade de professores, e me chamou a atenção o fato de que você pode definir o tema de sua dissertação depois de iniciar o mestrado, em vez de já ter que chegar com algo pronto”, diz.
Para ela, o saldo os primeiros meses do curso é positivo. “A gente está tendo a visão do que é políticas públicas a partir de várias possibilidades, primeiro tendo um olhar global, para depois entrar nas especificidades”, conta. “As informações são passadas de um jeito muito acolhedor e muito bem pensado, e já estou ansiosa para o que vem pela frente.”
E, claro, a recente nomeação para o Young Global Leaders também veio para ajudar Vera a expandir ainda mais sua atuação. A seleção durou um ano e todo o processo foi sigiloso. “Foi um processo um pouco solitário”, diz. “Eu via a lista das pessoas que já tinham participado e pensava, ‘coitada, eu sou um nada perto dessas pessoas’”.
No entanto, a nomeação veio e, durante os próximos três anos, Vera fará parte de um programa de liderança global que tem como objetivo ajudar os participantes a se capacitarem e criarem pontes para criar mudanças no mundo. O primeiro encontro, em maio, será em Genebra, na Suíça. Para ela, é a chance de usar os contatos e experiências que terá por meio do programa para descobrir novas formas de atuar no mundo. “Acho que isso, assim como o mestrado, vai me ajudar a potencializar o trabalho para que chegue a outras pessoas — e a abrir novas possibilidades que ainda nem sei nomear.”