A maioria das empresas agora lança mão de pesquisas de satisfação ou mensagens que ninguém pediu. Elas estão transformando uma ferramenta valiosa numa prática de irritar os clientes
David A. Cohen
A maioria das empresas está interessada em conhecer seus clientes. Trata-se de um objetivo bastante positivo, crucial para o bom atendimento e, portanto, para a saúde dos negócios. Mas de uns tempos para cá esse desejo tem se manifestado de formas um tanto exageradas. Eis alguns exemplos:
⇒ Você faz compras numa farmácia e, no caixa, depara com um aparelho para definir, numa escala de 1 a 5, o quão satisfeito ficou com a experiência. Isso pode deixar alguém confuso. Digamos que a atendente tenha sido solícita, mas o preço do remédio estava um pouco acima do que você esperava; ou que a fila no caixa estava grande; que a loja não tinha todos os produtos da sua lista. Enfim, são variáveis demais para resumir num único número.
⇒ Você ligou para reclamar de um serviço. Depois de um certo tempo de argumentação com um robô, finalmente um atendente humano marca a visita de um técnico. E lhe pede para ficar na linha, para responder se o seu problema foi satisfatoriamente resolvido. O que isso quer dizer? Sim, a visita do técnico foi marcada. Mas ele virá? Se vier, vai solucionar o problema rapidamente? Por outro lado, nós a essa altura já sabemos que uma resposta negativa pode prejudicar o empregado que atendeu a reclamação. Então, a pergunta já vem acompanhada de um sentimento de culpa.
= Quando o técnico do exemplo acima vem e realiza o conserto, você pensa: “agora, sim, eu poderia responder a pesquisa”. Na saída, no entanto, ele alerta: “se o problema voltar, tome aqui o meu cartão e ligue diretamente para mim, antes de reclamar com a empresa”. O motivo disso é que uma reclamação vai ter impacto na avaliação do técnico.
“As pesquisas podem ser uma forma legítima de coletar e buscar entender pontos para melhora da empresa”, diz Silvio Laban Neto, doutor em administração com especialização em marketing e diretor de Educação Executiva e Pós-Graduação Lato Sensu do Insper. “Mas a dose que você utiliza faz a diferença entre o remédio e o veneno.”
Em grande parte, o exagero é compreensível. “Algo a considerar é que a digitalização, acelerada pela pandemia da covid-19, fez com as companhias tivessem muito mais acesso a tecnologia e dados dos consumidores”, afirma Laban Neto. “Mas, quando você vai para o mundo físico, não há as mesmas oportunidades de captura de dados. Daí as empresas tentarem encontrar maneiras de capturar as informações a que suas rivais (ou elas mesmas, em outro canal) teriam acesso no mundo digital.”
Há vários problemas com essa busca ansiosa por informações. O primeiro deles é que ela pode ser contraproducente. “Num mundo em que as decisões de negócios são mais e mais tomadas com base em dados, é fácil cair na tentação de feedback extremo, tentando coletar o máximo de dados possível”, diz Robert Glazer, um especialista em aquisição de clientes, em artigo no site da revista Forbes.
“Mas pedir opiniões demais pode ter efeitos deletérios, como o declínio da taxa de respostas ou pesquisas com menor qualidade”, continua. “Ironicamente, você pode acabar tendo menos dados com valor diluído.”
Num estudo de 2017, a empresa de pesquisas de satisfação americana Customer Thermometer tratou de verificar (por meio de uma pesquisa) a disposição dos consumidores em responder pesquisas. Um quarto deles disse que não gostava de receber pedidos para participar de pesquisa após uma compra; quase metade rejeitava pedidos de feedback num site; e mais de 40% não gostava de responder pesquisas em troca de participar de alguma promoção.
Em seu site, a empresa provoca: “Parece que uma taxa de resposta de 1% a 2%, antes considerada desastrosa, é agora o patamar desejado para as pesquisas, o que tipicamente significa que 99% das pessoas procuradas não querem gastar seu tempo com elas, não consideram que elas valham a pena e provavelmente prefeririam não ser incomodadas pelo contato das empresas”.
Segundo Thomas J. Leeper, professor de metodologia da London School of Economics and Political Science, as taxas de respostas das pesquisas caíram, nos Estados Unidos e em boa parte do Ocidente, de perto de 100% em seu início para abaixo de 10% hoje. As pesquisas por telefone encontram não apenas as recusas em responder como também as recusas em sequer atender a chamada. De acordo com a Pew Research, a mais conhecida organização apartidária de pesquisas do país, oito em cada dez americanos não costuma atender o telefone se a chamada vier de um número desconhecido.
Não são só as empresas. A própria Pew tem sofrido uma queda vertiginosa em sua taxa de respostas: dos 36% no final do milênio passado para 9% na última década.
Logicamente, pesquisas mais extensas e profundas sofrem mais. Segundo a Medallia, uma empresa de pesquisas de consumidores, a cada minuto extra de tempo requerido dos respondentes a taxa de abandono sobre entre 2 e 4 pontos percentuais.
“É por isso que se disseminou tanto o Net Promoter Score”, aponta Laban Neto. O NPS, como ficou conhecido, é um índice criado em 2002 por Frederick Reichheld, um executivo da consultoria Bain & Co. “Com a noção de que ninguém queria responder mais do que uma questão, a equipe dele testou uma série de perguntas para ver quais tinham melhor correlação com o comportamento do cliente”, diz o professor do Insper.
Chegaram a uma que você certamente já conhece: em uma escala de 0 a 10, pede-se que você estipule o quanto recomendaria a empresa para um amigo. O NPS varia de -100 a +100, como resultado de uma conta simples: a porcentagem de clientes que cravam 9 ou 10 (os promotores da sua marca) menos a porcentagem de clientes que dão notas entre 0 e 6 (os detratores). As notas 7 e 8 não contam, são dos clientes considerados neutros.
Como Reichheld explica em seu livro A Pergunta Definitiva, de 2006, em 11 de 14 estudos essa foi a pergunta com maior capacidade de prever se os clientes voltariam a comprar da empresa, se a indicariam para outras pessoas e, em geral, se tomariam atitudes que contribuiriam para o crescimento da companhia. Além disso, a pergunta tinha alto potencial de inspirar os gestores da empresa em todos os níveis.
Claro, é uma solução de compromisso, válida no contexto de enorme dificuldade de conseguir que as pessoas respondam uma pesquisa mais extensa. Em seu livro, Reichheld recomenda uma segunda pergunta: “você aceita ser contatado para fornecer mais informações?”
Pesquisas piores
O problema é que até a pesquisa de uma única pergunta está se mostrando invasiva. Já em meados da década passada, o próprio Reichheld declarou em entrevista à revista Bloomberg que sua criação havia se metamorfoseado em um Frankenstein, com um infindável ciclo de pesquisas de satisfação “curtas” logo após uma consulta ao dentista, o aluguel de um carro ou mesmo a compra de uma salada no mercado. “O exagero de pesquisas acaba com seu propósito”, disse.
O primeiro grande problema do abuso das pesquisas é que, com a queda exacerbada na taxa de respostas, elas se tornam menos e menos confiáveis. Conforme apontou o Wall Street Journal em um artigo sobre o assunto no ano passado, uma pesquisa só funciona se as pessoas que a respondem forem representativas da população em geral. “Quando as taxas de resposta caem, as pessoas que se recusam a responder podem ter algo em comum, enviesando os resultados.” Este foi um dos motivos para o maior fracasso recente dos institutos de pesquisa — não terem conseguido antecipar a votação expressiva de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas de 2016.
Como explica John Boyle, um executivo americano com 40 anos de experiência em pesquisas: “Você pode ter uma amostra da população perfeitamente montada, mas se a maioria é de não respondentes, você não sabe em que eles se diferenciam dos respondentes; o resultado geral da pesquisa pode estar contaminado pela dependência exagerada nos tipos de pessoa que são mais propensos a responder pesquisas”.
Um segundo problema é o que fazer com os resultados da pesquisa. Embora haja exemplos positivos, como o relatado na DPaschoal, em geral as pesquisas têm frequência insatisfatória, são longas demais e não estão atreladas a resultados mensuráveis, afirma Guy Arnold, um consultor britânico para construção de reputação de marca. “Tratar os dados, o pessoal não tem sabido muito”, concorda Laban Neto.
Além da perda de eficácia, o excesso de pesquisas pode ser inclusive prejudicial à empresa. “Há muitas evidências de que o próprio processo de conduzir pesquisas de satisfação do consumidor leva a um decréscimo de satisfação”, afirma um relatório da Customer Thermometer.
“Como o custo de impactar as pessoas caiu muito, as empresas começaram a usar a mídia digital como se fosse uma mídia de massa”, diz Laban Neto. “Várias estimativas indicam que, ao usar a massificação, sua taxa de respostas cai para em torno de 3%. Então, se você quer 100 lides, precisa mandar 3.000 mensagens.”
Esse abuso acaba mudando a própria natureza das pesquisas — e da comunicação em geral das empresas com seus clientes. “O contato digital tem ferramentas com potencial elevadíssimo, no entanto muitas organizações acabam estabelecendo monólogos”, afirma Laban Neto. “Estão tratando a mídia digital como se fosse mídia de massa.”
É provável que isso aconteça porque a tentação é grande demais. Os custos de enviar mensagens para os clientes caíram muito e alguém que já comprou de você é muito mais propenso a voltar a fazer negócio. Segundo a Econsultancy, uma plataforma britânica para a comunidade de marketing e e-commerce, a chance de vender um produto para alguém que já é cliente fica na faixa dos 60% a 70%, enquanto para um visitante novo a probabilidade cai para algo entre 5% e 20%.
Mas as empresas fariam um favor a si mesmas se seguissem algumas premissas básicas, afirmou Robert Glazer em seu artigo na Forbes: restringir o número de pesquisas (pedindo contatos a cada três meses, por exemplo); ser honestas quanto ao tempo requerido para responder (em vez de anunciar que a enquete “só tomará dois minutos”); e investir em formas de medir o sucesso da relação com o cliente.
O conceito primordial, conforme aconselha David Meerman Scott, um estrategista de marketing e autor do livro The New Rules of Marketing and PR (As novas regras de marketing e relações públicas), é que as empresas “deveriam dar mais do que tomam”. Ou seja: deveriam investir em conteúdo valioso para seus consumidores. “Por que não enviar o link de um vídeo mostrando como as pessoas usam o produto que seu clientes acabou de comprar? Aí então peça opinião”, exemplifica. Outra opção é enviar o link de um blog que discuta questões comuns dos consumidores deste produto.
Em resposta à provocação de Scott em seu artigo, o guru de negócios Seth Godin respondeu: “Meu hábito é colocar meu nome e telefone ao final das pesquisas. Até agora, nenhuma companhia jamais me contatou.”