Estudo aponta os benefícios do parcelamento do cartão de crédito para os que estão na base da pirâmide econômica
Pobreza e desigualdade afetam cerca de 183 milhões de pessoas na América Latina. De acordo com relatório divulgado pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) em novembro de 2023, 11,4% dessa população — equivalente a 72 milhões de pessoas — podem cair para a categoria de pobreza extrema, condição na qual há privação das necessidades humanas mais básicas como comida, água tratada e abrigo.
Governos procuram mitigar o problema da pobreza com programas de transferência de renda. No entanto, é preciso também considerar o papel de organizações financeiras na redução dessa desigualdade e mensurar como o setor privado busca promover a inclusão da população de baixa renda no mercado por meio do acesso ao crédito.
Estudo do Centro de Sustentabilidade e Negócios e do Núcleo de Marketing Analítico do Insper evidencia que o acesso ao crédito pode ser ferramenta de inclusão financeira e de mercado para essa população. Organizado pelos professores Farah Diba Abrantes-Braga e Júlio Trecenti, e coordenado pelos professores Priscila Claro e Danny Claro, o relatório “Acesso a crédito e bem-estar na base da pirâmide” apresenta uma análise das transações financeiras feitas por mais de 80 mil consumidores de baixa renda ao longo de 60 meses e indica que o uso do parcelamento no cartão de crédito tem uma relação positiva com o consumo, desde que usado até um ponto ótimo — limite em que o consumidor pode começar a se prejudicar com o uso do parcelamento.
Achados preliminares do estudo mostram que 91% das movimentações feitas por esses consumidores são voltadas para despesas não discricionárias (ou seja, obrigatórias), sendo 47% para alimentação. 95% dos consumidores fazem as compras parceladas, mas mantêm uma média de quase 3 parcelas. Desse grupo analisado que tem média de 38 anos de idade, 73% são mulheres, 48% são microempreendedores, 91% têm apenas o ensino fundamental. A renda anual é próxima dos 16 mil reais.
“Nos últimos 10 anos temos observado um grande aumento da oferta de crédito para a população de baixa renda. Decidimos então ver como esse fenômeno das organizações financeiras impacta a sociedade. As restrições econômicas afetam o bem-estar do indivíduo, mas alguns estudos já indicam que pode haver benefícios quando a população tem acesso ao crédito”, diz Farah Diba em evento de lançamento da pesquisa, realizado no dia 6 de março. “O cartão, bem utilizado, pode servir para o planejamento financeiro. Se a população de baixa renda tem acesso ao crédito, isso vai reduzir sua vulnerabilidade.”
Os pesquisadores investigaram o uso do parcelamento do cartão de crédito sem juros, modalidade em alta especialmente durante a pandemia da covid-19, e o uso do crédito rotativo, que oferece o benefício de financiar o pagamento da fatura parcialmente, porém com altas taxas de juros. “Quando rodamos nosso modelo econométrico, encontramos efeito positivo significante na compra parcelada do cartão de crédito. Porém, ao fazer uma análise não linear, identificamos que o parcelamento tem um limite. Isso quer dizer que o parcelamento não é para sempre e há um momento que ele pode começar a prejudicar o consumidor”, conclui Farah Diba.
Os benefícios na compra parcelada apontados pelo estudo trazem à tona o debate sobre como deve ser feito o uso desse crédito e como a iniciativa privada pode contribuir no aumento do poder de consumo da população.
Para Caroline Afonso, gerente de ESG e Impacto Social do Nubank, quebrar barreiras entre as instituições e a população — como a criação de contas sem cobrança de taxas e crédito em cartões sem anuidade — trouxe muitas pessoas para a formalidade, com novas maneiras de administrar seus orçamentos familiares e criando possibilidades de fazer uma reserva ou até um investimento.
“Dados de estudos como esse relatório do Insper trazem uma boa amostra de como podemos trabalhar com esse público. O modo como essas pessoas se entendem com o dinheiro nos dão uma direção de como podemos contribuir para o melhor uso desse recurso pela população”, diz Caroline. No entanto, ela alerta que a educação financeira é fundamental nesse processo. “Não é possível falar de acesso a crédito e inclusão sem considerar a educação financeira. Por isso temos uma preocupação em orientar a população em como fazer uso desse recurso. Temos blogs e perfis nas redes sociais ensinando a fazer a declaração de imposto de renda ou a como pagar as contas sem atrasá-las. Nos últimos 6 anos foram mais de 300 milhões de pessoas que acessaram o nosso conteúdo buscando informações sobre como lidar com o dinheiro.”
A educação e a inclusão financeira estão também alinhadas com o empreendedorismo e o impacto social, de modo que isso mude a vida das pessoas e o seu entorno. Segundo Caroline, é comum que a população de baixa renda, quando começa a empreender, misture a conta pessoal com as movimentações de seu microempreendimento. Por isso, o papel dos bancos é orientar e mostrar as diferenças e benefícios entre contas de pessoa física e de pessoa jurídica. “E as empresas investidoras, que colocam recursos em bancos, querem aplicar em negócios inovadores, seguros e de longo prazo. Os investimentos não serão feitos em bancos que querem estrangular seus clientes com juros do rotativo no primeiro mês. Empresas que estão interessadas na inclusão da população são as mais interessantes para o investidor”, complementa Helena Masullo, responsável por ESG na Constellation Asset Management.
Danny Claro, coordenador do Núcleo de Marketing Analítico, destaca que a pesquisa apontou que 47% do consumo no cartão de crédito é em alimento e que 73% dessas pessoas são mulheres. Desse modo, é possível especular, dado o contexto brasileiro, que essas compras de alimentos podem ser compras de insumos. Ou seja, as microempreendedoras estão usando esse crédito para movimentar o seu pequeno negócio. “Quando consideramos que o ponto ótimo de crédito para essa população da base da pirâmide é de mil reais, quer dizer que temos mulheres nessa base que aprenderam a usar esse crédito com uma renda anual pequena. E quanto mais elas usam esse crédito, mais elas aprendem a usar o crédito. Isso é a força da mulher”, afirma o pesquisador.
Leia o estudo: Acesso a crédito e bem-estar na base da pirâmide