A advogada e procuradora Laura Mendes Amando de Barros fala sobre sua trajetória profissional e sua paixão pela docência
Nascida em uma família de advogados, Laura Mendes Amando de Barros nunca teve muitas dúvidas sobre a carreira que seguiria quando crescesse. Ainda assim, por insistência do pai, que tinha a preocupação de que a filha escolhesse sua profissão apenas por influência familiar, ela fez vários testes vocacionais. Os resultados confirmaram que Laura realmente queria estudar Direito.
Ao terminar o Ensino Médio, ela deixou sua cidade natal, Botucatu, no interior de São Paulo, para fazer a graduação em Direito na PUC de São Paulo. Inclinou-se para o Direito Público, particularmente o Direito Administrativo. Depois de se formar, passou no concurso para a Procuradoria Geral do Município de São Paulo e, anos depois, tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo de controladora-geral da cidade.
Paralelamente, investiu na carreira acadêmica. Fez o mestrado e o doutorado em Direito do Estado, ambos na Universidade de São Paulo (USP), e deu aulas em diversas instituições. No Insper, onde atua na área de educação executiva, é docente-líder do curso Compliance e Governança no Setor Público, que está com inscrições abertas — as aulas começam em 18 de março. É também uma das professoras do curso Mulheres nas Eleições Municipais, com aulas a partir de 15 de abril.
Apesar dos afazeres como procuradora do município, não abre mão da atividade de docente. “A troca com os alunos é de uma riqueza que nenhuma sala de administração do país é capaz de fornecer”, afirma. A seguir, a professora Laura descreve sua trajetória profissional e dá mais detalhes sobre sua atuação no Insper.
Sou de Botucatu, no interior de São Paulo. Fiz todo o Ensino Fundamental e Médio na minha cidade natal. Sai de lá para estudar Direito na PUC de São Paulo e acabei ficando na cidade.
Venho de uma família de advogados. Meu pai, meu avô, minha irmã e vários primos são advogados. Minha família tem um escritório de advocacia em Botucatu há mais de 80 anos. No início, meu pai queria me dissuadir da ideia de fazer Direito, pois ele tinha a preocupação de que eu pudesse estar sendo influenciada pelo ambiente familiar e que talvez essa não fosse a minha verdadeira vocação.
Mas eu sempre quis e me identifiquei com a área. Na adolescência, fiz uma série de testes vocacionais, conversei com psicólogos e outros profissionais da área. No final, chegou-se à conclusão de que o Direito era realmente o meu caminho.
Após terminar minha graduação na PUC, dei aulas de Direito Civil na própria faculdade por quatro anos, como assistente, e em outras instituições. Eu advoguei muito pouco. Nessa época, me apaixonei pelo Direito Público. Comecei a me preparar para prestar concursos públicos. Minha meta era a Procuradoria Geral do Município de São Paulo. Todos os outros concursos, fossem federais, fossem para a magistratura, provavelmente exigiriam que eu me mudasse da cidade, algo que eu não desejava. Desde que me mudei para São Paulo, sinto que realmente me encontrei. Voltar para Botucatu e trabalhar no escritório da família, embora fosse uma ideia sedutora, foi ficando cada vez mais distante. Morar e trabalhar em São Paulo sempre foi um sonho e posso dizer que a experiência tem sido maravilhosa.
Em 2003, passei no concurso da Procuradoria Geral do Município de São Paulo, mas tomei posse somente em 2005. Desde então, passei pela assessoria de diversos órgãos. Logo que entrei, trabalhei na então Secretaria de Participação e Parceria, responsável por todos os grupos em situação de vulnerabilidade, como negros, mulheres, crianças, adolescentes e idosos. Havia uma grande interface com a sociedade civil, mas, na época, a tecnologia, inclusive a jurídica, para o processamento dessas questões ainda era muito incipiente. Isso me instigou bastante e me levou inclusive a definir o tema do meu mestrado na Universidade de São Paulo, que tratou justamente da questão da participação nos conselhos deliberativos. Hoje atuo no Departamento de Procedimentos Disciplinares, responsável por processar servidores envolvidos em denúncias ou acusações, podendo aplicar penalidades que variam de advertência até exoneração do cargo.
Em 2017, fui nomeada controladora-geral do município de São Paulo. Foram oito meses intensos, com momentos de tensão e desgaste, mas também de muito aprendizado. Tenho a honra de dizer que, em quase 11 anos de existência da Controladoria-Geral do município, fui a primeira e até agora única mulher a ocupar a chefia, algo que me enche de orgulho e que gosto de destacar no meu currículo. Sou grata pela experiência, pois tive a chance de conhecer os bastidores da administração municipal sob diferentes perspectivas. Comecei a ver quão importante é o relacionamento com a mídia, com a sociedade civil e, especificamente, com a sociedade civil paulistana, que já está mais madura, bem organizada e tem a capacidade de cobrar seus direitos e seu lugar de fala.
Minha história com o Insper começou por uma feliz coincidência. Uma colega muito querida, Lucia Del Picchia, também procuradora do município, dava aulas no Insper em um curso que tinha uma disciplina de compliance. Na época, eu era a controladora-geral do município, e Lucia me convidou para uma participação especial nesse curso. Pouco depois, minha amiga se mudou para a Inglaterra com o marido para estudar. Ela me indicou para substituí-la no curso. Era o ano de 2017 e, desde então, as coisas foram acontecendo naturalmente e meu envolvimento com o Insper foi crescendo.
Hoje, dou aulas no Insper em cursos de educação executiva. Entre eles, está o curso Compliance e Governança no Setor Público, que ministramos já há vários anos. Além disso, participo de alguns outros cursos in company, customizados para empresas ou secretarias de órgãos públicos. Neste ano, também vou participar de um curso voltado para mulheres na política.
O curso Compliance e Governança no Setor Público vem amadurecendo a cada edição. Temos o cuidado de revisitá-lo constantemente, trazendo novas abordagens e informações. Um dado que nos deixa muito satisfeitos é a alta taxa de retorno de participantes de diferentes órgãos públicos. Isso indica que eles saem satisfeitos e recomendam o curso a seus colegas.
A grande maioria dos alunos é composta por servidores públicos e agentes públicos em geral. O curso também é aberto a advogados privados, especialmente os que militam nas áreas de improbidade administrativa, direito eleitoral e áreas correlatas.
O curso Compliance e Governança no Setor Público fornece conteúdo para quem deseja se manter atualizado sobre as últimas novidades e tendências em compliance. Acredito que esse curso continuará a ser relevante e muito procurado. Mesmo quem já o tenha feito precisará revisitar algumas questões, pois tudo está mudando rapidamente. A sociedade em que vivemos é marcada pela instabilidade, inclusive institucional, e o compliance é uma ferramenta essencial para navegar nesse cenário de mudanças.
A iniciativa privada está à frente do setor público no desenvolvimento de sistemas instrumentais de compliance e programas de integridade. Isso se deve, em parte, às exigências do mercado, que requer cada vez mais empresas comprometidas com a ética e a transparência. O ritmo do setor privado é mais ágil, e as empresas que não se adaptarem às novas demandas podem ficar fora do jogo.
A administração pública, por sua vez, desde a Constituição de 1988, tem a obrigação de promover a integridade, cujo conteúdo vem evoluindo de forma significativa nos últimos tempos. O cenário institucional brasileiro apresenta uma série de desafios que demanda constante atualização. Um exemplo clássico é a questão dos acordos de leniência — a cada decisão do Supremo Tribunal Federal, precisamos rever e atualizar o conteúdo programático do curso.
Faço parte também do corpo docente do curso Mulheres nas Eleições Municipais, no qual me dedico ao tema das prestações de contas. Pela minha experiência com fiscalização, controle e avaliação de gastos públicos, abordo questões como legitimidade de despesas, controle social e outras relacionadas ao tema.
O curso é importante para ajudar as mulheres a ampliarem sua presença na política. A legislação atual oferece algumas garantias, como cotas para candidatas mulheres e a obrigatoriedade de destinação de recursos dos fundos eleitoral e partidário para suas campanhas. Mas é essencial qualificar as mulheres para que estejam preparadas para os desafios do jogo político, pois todas as brechas serão aproveitadas para tentar afastá-las do processo. Capacitar futuras gestoras é crucial para que, ao assumirem os cargos, as mulheres estejam preparadas para ocupar seu lugar com força e efetividade, utilizando todo o seu potencial.
Sou muito feliz com minha profissão e me sinto realizada com o que faço e onde estou. Mas, claro, tenho mil sonhos, mil projetos. Quero fazer um pós-doc em breve. Na carreira acadêmica, quando não estamos estudando para algo específico, surge um vazio, uma angústia. Quero poder me dedicar mais à vida acadêmica, às aulas. É uma atividade que me preenche demais. A troca com os alunos é de uma riqueza que nenhuma sala de administração do país é capaz de fornecer. Gosto também de participar de bancas de avaliação de trabalhos de alunos de mestrado e doutorado. Neste ano tenho várias bancas agendadas e quero continuar nesse caminho.
Além disso, gosto muito de escrever [é autora dos livros Participação democrática e fomento nos conselhos deliberativos (2017) e Compliance e controle social do setor público: auditorias democráticas (2019)]. Atualmente, escrevo artigos sobre questões pontuais da atualidade. Há uma coluna no Estadão para a qual colaboro com regularidade e outra coluna no site do Consultor Jurídico. Acho importante nos posicionarmos, sempre com a preocupação de trazer um ponto de vista técnico. Acredito que devemos tentar contribuir para um debate equilibrado, que possa agregar valor à arena pública e ajudar na busca de soluções para os desafios que enfrentamos hoje.