O programa do governo federal prevê investimentos voltados para o agronegócio, mas a experiência passada mostra a necessidade de planejamento sólido e boa governança para transformar projetos em realidade
Marcos Abdalla Campos, assistente de pesquisa do Insper Agro Global
Fernanda Kesrouani Lemos, pesquisadora do Insper Agro Global e do Metricis
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi relançado em agosto de 2023 pelo governo federal. Um dos símbolos das gestões anteriores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ex-presidente Dilma Roussef, o programa tem como objetivo promover o crescimento econômico por meio de investimentos em infraestrutura, principalmente os que visam melhorar a qualidade de vida da população.
Para a nova edição do PAC foram destinados recursos no total de R$ 1,7 trilhão, sendo R$ 371 bilhões em investimentos públicos do Orçamento da União até 2026. O restante, aproximadamente 70% do valor total, virá de concessões, parcerias público-privadas federais e de empresas estatais. O programa foi estruturado em torno de conceitos de sustentabilidade. Além disso, o governo federal tem empreendido esforços na promoção internacional, estruturando o programa em 9 áreas centrais de investimento: transporte eficiente e sustentável; infraestrutura social inclusiva; cidades sustentáveis e resilientes; água para todos; inclusão digital e conectividade; transição e segurança energética; inovação para indústria de defesa; educação, ciência e tecnologia; saúde. As áreas selecionadas guardam direta relação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e apresentam certo vínculo com o agronegócio e com a produção de alimentos. Pode-se dizer que esta é a primeira vez que o governo sinalizou de forma mais direta a destinação de recursos para o setor.
A primeira iniciativa ligada diretamente com o agronegócio engloba a logística: o governo, por meio do Ministério da Pecuária e Agricultura (Mapa), anunciou recursos para a construção, a manutenção e a recuperação de estradas vicinais e para ferrovias. Exemplos da ampliação da malha ferroviária são a Transnordestina, que liga o porto de Pecém, no Ceará, até o interior de Piauí, e a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que vai conectar o futuro porto de Ilhéus, no litoral baiano, a Figueirópolis, em Tocantins. Além disso, contemplou a ampliação de portos. Esses investimentos, que estão sob o guarda-chuva do Ministério dos Transportes, vão permitir reduzir gargalos produtivos relacionados ao escoamento da produção agropecuária. Avanços logísticos em rotas de exportação, na região Norte, devem reduzir custos em comparação com grandes países produtores e exportadores que competem com o Brasil, como os Estados Unidos. A competitividade internacional proporciona maior abertura de mercados e a manutenção de grandes parceiros, como a China.
A segunda iniciativa de destaque é a destinação de R$ 1 bilhão para a pesquisa agropecuária. O recurso contempla investimentos em novos prédios, laboratórios, equipamentos para universidades e centros de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Embora esses investimentos tenham sido anunciados como algo inovador e pioneiro no novo PAC, eles sempre existiram, sejam por meio de programas públicos ou privados. A Embrapa, por exemplo, recebe anualmente recursos do governo, além de ter sido contemplada no PAC de 2008, que gerou R$ 210 milhões para a empresa durante os três anos de vigência. Da mesma forma, o novo programa promete uma geração de recursos extraordinários para a instituição durante sua execução. Em contrapartida, no período de 2015 a 2022 (sem PAC), os investimentos da Embrapa em relação aos anos do PAC deixaram de ser relevantes, atingindo valores baixos de R$ 294 milhões no acumulado dos 8 anos, e pouco representativos, cerca de 1% do seu orçamento total. Dessa forma, o programa parece deixar de ser apenas uma jogada de marketing do governo para se aproximar do setor, sinalizando a disposição de efetivamente ajudá-lo.
Uma medida “inovadora” que o governo incluiu no novo plano foi a criação de mecanismos de financiamento de recuperação de áreas degradadas. Esta iniciativa ocorrerá por meio da criação de um fundo gerenciado pelo BNDES, respaldado por títulos Fiagro e com financiamento global (ou internacional). Tais investimentos enfatizam iniciativas como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e o estabelecimento de garantias específicas para beneficiários do fundo. No entanto, assim como a linha do Programa ABC, a governança desses recursos pode não transparecer a origem. Desta forma, uma melhoria em recuperação de pastagens ou conversão para integração lavoura-pecuária (ILP) pode ocorrer, mas ser decorrente de uma movimentação natural de mercado ou incentivos privados.
Independentemente da sinalização de existência de linhas diretas para o agronegócio, há outros investimentos que estão presentes no PAC que impactam indiretamente o setor. Entre eles destaca-se o recurso destinado à qualificação de mão de obra, por meio da educação. Outra iniciativa é a expansão e implementação dos sinais 4G e 5G, que trazem maior conectividade e digitalização ao campo, bem como o incentivo à segurança e à transição energética, com investimentos em projetos e empreendimentos de usinas de etanol de segunda geração, que fomentam a produção de commodities como milho e cana-de-açúcar.
Neste sentido, o novo PAC engloba investimentos interessantes para o agronegócio brasileiro que podem melhorar a infraestrutura nacional, com reflexos positivos em ganhos de produtividade, sustentabilidade e competitividade internacional. Além dos benefícios econômicos diretos, espera-se que esses investimentos tragam melhorias na qualidade de vida da população rural e desenvolvimento regional.
No entanto, os PACs passados nos trouxeram evidências claras de que nem sempre o governo cumpre suas promessas, de forma que existe uma grande distância entre o que é orçado e de fato empenhado, e dentro do que foi empenhado há diversas obras que ainda se encontram paralisadas ou atrasadas. Desta forma, para que o novo PAC não seja apenas mais uma promessa para o setor agropecuário e para o Brasil, é necessário que os projetos sejam executados com planejamento e governança, visando resultados que vão além dos objetivos de curto prazo, como geração de empregos e crescimento da economia.