Mesa-redonda no Insper debateu o legado do vencedor do Nobel de Economia de 1995, que faleceu em maio, aos 85 anos
O norte-americano Robert Lucas é reconhecido como um dos economistas mais influentes do século 20. Laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1995, foi um dos principais proponentes da hipótese de expectativas racionais — a ideia de que os agentes econômicos formam suas expectativas de maneira racional, usando todas as informações disponíveis. Essa hipótese teve um impacto profundo na macroeconomia, levando a uma convergência entre a macro e microeconomia e a uma mudança fundamental na forma como se pensa a política econômica. Lucas faleceu em maio, aos 85 anos.
No dia 14 de setembro, o Insper prestou tributo ao economista promovendo uma mesa-redonda, sob o título “Revolução Metodológica em Macroeconomia: Uma homenagem a Robert Lucas”. O evento, que buscou explorar as contribuições marcantes de Lucas para a macroeconomia moderna e seu impacto na política econômica contemporânea, contou com a presença dos professores Marco Bonomo, Marcos Lisboa, Pedro Garcia Duarte e Rodrigo R. Soares. Cada um dos participantes ofereceu insights valiosos durante o debate.
Rodrigo R. Soares, vice-presidente acadêmico do Insper e professor titular da Cátedra Fundação Lemann, começou o bate-papo destacando a importância de Lucas. O objetivo do evento era fornecer uma visão do legado de Lucas, abordando suas contribuições em diversos campos da economia e das finanças.
“Robert Lucas foi professor na Universidade de Chicago desde 1975. Embora tenha passado cerca de 10 anos antes disso lecionando na Universidade Carnegie Mellon, a maior parte de suas contribuições foi realizada em Chicago. Lucas recebeu o Prêmio Nobel em 1995 por suas contribuições à macroeconomia, notadamente pelo desenvolvimento e pela aplicação da teoria das expectativas racionais nesse campo. Ele é amplamente identificado com essa ideia, que causou uma revolução na macroeconomia ao longo dos últimos 50 anos”, sintetizou Soares.
Marcos Lisboa descreveu diversos aspectos do trabalho de Lucas. Enfatizou que o economista norte-americano não apenas aprofundou a análise econômica, mas também levantou debates sobre questões complexas. Lisboa ressaltou a disposição de Lucas em explorar os problemas sem se apressar em encontrar respostas prontas.
“O impressionante em Lucas não é somente a profundidade na análise dos conceitos, na interpretação da modelagem, na sofisticação de explicar fenômenos peculiares, mas também sua disposição em levantar questões desafiadoras. Ele não tinha resposta para tudo e dizia: ‘Como a taxa de retorno pode ser tão alta na Índia, em comparação com os Estados Unidos, e mesmo assim o capital não fluir dos Estados Unidos para a Índia?’. Ele tinha essa abertura para os problemas”, observou Lisboa. “Isso contrasta com a tendência geral no Brasil, onde os economistas, muitas vezes, adotam uma postura de saber tudo. Mas Lucas não. Ele falava: ‘Me desculpe, mas tem um problema aqui que não entendo. Alguém me ajuda a explicar esse negócio?’. Essa capacidade de olhar para o mundo, para se maravilhar diante dos problemas, sem ter uma resposta pronta, esse era um talento único de Lucas.”
Pedro Garcia Duarte, professor associado no Insper, comentou que Lucas questionou os modelos macroeconométricos agregados e enfatizou a importância das expectativas racionais, argumentando que políticas macroeconômicas antecipadas pelos agentes poderiam ser ineficazes devido às reações desses agentes econômicos. Essas ideias causaram debates intensos sobre a eficácia das políticas econômicas e contribuíram para a identificação da Escola de Chicago como um centro de pensamento econômico liberal, contraposto ao keynesiano.
“A hipótese de expectativas racionais, inicialmente desenvolvida por John Muth nos anos 1960 para análises setoriais, foi revolucionada por Robert Lucas, que a aplicou à macroeconomia. Lucas modificou o conceito de equilíbrio econômico, tornando-o fundamental na macroeconomia. Posteriormente, no final dos anos 1970, pesquisas mostraram que a ineficácia da política econômica, frequentemente associada às expectativas racionais, estava mais ligada à hipótese de market clearing, que envolve preços flexíveis e equilíbrio nos mercados”, disse Duarte. “Isso permitiu que tanto os economistas keynesianos quanto os antikeynesianos utilizassem a hipótese de expectativas racionais em seus modelos macroeconômicos.”
Marco Bonomo, professor titular de Economia do Insper, lembrou que antes de Lucas economistas como Milton Friedman (1912-2006) e Edmund Phelps (1933-) já haviam dado passos importantes em direção à consideração de agentes otimizadores nas análises econômicas. Bonomo mencionou a importância de entender que, desde Friedman e Phelps, era conhecido que o trade-off entre desemprego e inflação era temporário, o que muitas vezes era mal compreendido. Bonomo destacou que Lucas não estava envolvido em embates ideológicos, mas enfatizava a importância de avanços metodológicos e críticas construtivas na pesquisa econômica.
“Na evolução do keynesianismo, houve uma mudança significativa a partir do momento em que os modelos de equilíbrio geral eram considerados não rigorosos. No entanto, Michael Woodford desempenhou um papel crucial em 2003, com seu livro amplamente chamado de “A Bíblia”[Interest and Prices: Foundations of a theory of monetary policy], ao estabelecer uma âncora rigorosa nos modelos de equilíbrio geral. Isso resultou em maior convergência na macroeconomia contemporânea, embora desafios persistentes ainda permaneçam”, comentou Bonomo.
O professor Soares encerrou enfatizando a importância do legado de Lucas para a ciência econômica. “A abordagem diferenciada de Lucas envolvia persistência no método, rigor lógico e a disposição de questionar o que era considerado óbvio, levando a importantes avanços na metodologia econômica”, afirmou. “Seu legado é uma contribuição notável para a ciência econômica, focando na importância da formulação rigorosa de perguntas e no desenvolvimento de arcabouços teóricos abrangentes para entender a realidade econômica.”