Curso de curta duração do Insper apresenta estratégias e soluções para realizar as obras de infraestrutura necessárias em tais áreas por meio da inserção da comunidade no processo
Bruno Toranzo
As metas estabelecidas pelo governo federal no novo Marco Legal do Saneamento (2020) de levar água potável e segura a 99% dos brasileiros e fornecer coleta e tratamento de esgoto a 90% da população do país até 2033 passam necessariamente pela realização das obras de infraestrutura nas favelas. De acordo com o instituto Data Favela, há 13 mil desses conglomerados Brasil afora, onde vivem 17 milhões de pessoas, via de regra em condições precaríssimas. Em todo o território nacional são 35 milhões de brasileiros sem água potável em suas casas e apenas pouco mais da metade da população dispõe do serviço de coleta de esgoto, sendo que somente 43% do esgoto coletado recebe tratamento. As favelas são responsáveis por grande parte desse déficit.
Esse cenário desafiador foi o mote para a montagem de um novo curso, Saneamento em Favelas – Estratégias e Soluções de Intervenção, que será realizado nos dias 14, 15 e 16 de setembro. O curso é promovido pelo Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper em parceria com a consultoria de gestão socioambiental Diagonal e com o Instituto Galo da Manhã.
“Há três particularidades — social, física e institucional — nesses territórios vulneráveis que precisam ser consideradas a fim de que se possam atingir as metas de universalização do saneamento básico. Os profissionais envolvidos devem conhecer muito bem o contexto para que possam atuar nas favelas”, afirma a engenheira civil Deise Coelho, especialista em saneamento, que lidera a coordenação do curso, no qual também lecionará.
De acordo com essa perspectiva, para definir de que forma as intervenções serão conduzidas nas comunidades, o primeiro aspecto a ser considerado é o social, que diz respeito a como a população se organiza e suas características socioeconômicas. “O esgoto começa na casa das pessoas. Por isso, precisamos inserir a população ao longo de todo o processo de intervenção, já que dependemos desse engajamento para viabilizar a passagem do sistema”, destaca Deise, que é diretora da empresa Condominium, que faz parte do Grupo Diagonal. Os moradores, explica ela, precisam se conectar ao sistema de esgoto que será viabilizado, no entanto, muitas vezes não têm sequer vaso sanitário no banheiro de suas casas. “A pergunta é como viabilizar essa obra, inclusive financeiramente, para que a moradia se ligue ao sistema de esgoto”, observa a engenheira.
O segundo aspecto, o físico, abrange as características das favelas – a topografia, as vielas, as calçadas –, além do tipo de ocupação. Elas, naturalmente, demandam uma estratégia própria para construção da infraestrutura necessária.
Por fim, o aspecto institucional e jurídico deve responder a questões como se é possível intervir com obra em uma área sem regularização fundiária, o valor da tarifa de esgoto e quem vai operar o sistema.
O curso destacará a metodologia do Sistema Condominial, criada pelo engenheiro José Carlos Melo, hoje consultor do Banco Mundial e um dos docentes do curso promovido pelo Insper. Esse método considera o conhecimento do contexto e a participação popular como condições essenciais para o desenho de soluções de saneamento. “A intervenção técnica para realização das obras somente é possível se houver a participação ou o engajamento da sociedade. Por meio dessa metodologia, é possível atender qualquer pessoa ou qualquer domicílio em qualquer lugar, pois identifica as condições dessa realidade e dialoga com todos os entes atuantes no local”, esclarece Deise.
Segundo a especialista, há um “desafio cultural” em relação ao esgoto por causa do entendimento de que, uma vez afastado da residência, após as instalações domésticas do sistema, o problema está resolvido. “Na realidade, o afastar da moradia traz da mesma forma uma série de problemas de saúde pública, como dengue, zika e chikungunya, fora as condições insalubres do ambiente local, com as crianças pisando no esgoto a céu aberto; é preciso, portanto, estar atento a isso também”, sublinha Deise.
O propósito do curso é permitir aos participantes olhar para essa realidade e suas nuances, a fim de identificar estratégias viáveis que levem a soluções, considerando as metas de universalização do serviço. “Mesmo estando entre as maiores economias do mundo, o Brasil convive com um déficit inadmissível em saneamento básico, com a população exposta a toda espécie de risco. As cidades como entendemos hoje nasceram e cresceram por meio da reforma sanitária na Revolução Industrial, o que demonstra como estamos atrasados”, pontua Safira De La Sala, coordenadora-adjunta do Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper e assistente de coordenação do curso.
Safira comenta que não falta interesse da iniciativa privada na área de saneamento, impulsionado nos últimos anos pelo Novo Marco Legal, que estimulou os investimentos por meio de projetos de concessão e de parcerias entre os setores público e privado em diversos estados.
Um estudo da consultoria EY e da ABDIB (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base) revelou que o saneamento básico é a área de infraestrutura com maior potencial de atrair novos investimentos no país. Nos primeiros seis meses deste ano, 56% dos executivos entrevistados indicaram um aumento nas intenções de investimento em saneamento básico nos próximos três anos. O levantamento, chamado de Barômetro da Infraestrutura, é realizado a cada seis meses, considerando a opinião de gestores, investidores e especialistas que apoiam a estruturação de projetos de infraestrutura. O saneamento básico lidera as intenções de investimento há quatro semestres.
“A universalização é o grande objetivo do Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Para atingi-lo, as empresas prestadoras do serviço, públicas ou privadas, terão que enfrentar o desafio de atuar em favelas, que têm uma dinâmica muito distinta das áreas regulares. Nosso curso apresentará métodos de trabalho específicos para essas situações”, finaliza Safira.
Inscreva-se aqui no curso Saneamento em Favelas – Estratégias e Soluções de Intervenção.