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Para onde vai o mercado das criptos?

O baque de falências e processos — além do fim do excesso de liquidez na economia — pressiona o mundo das criptomoedas. Há quem aponte o fim de um grande esquema de pirâmide; mas há quem aposte em sua rápida adoção pelos serviços tradicionais

O baque de falências e processos — além do fim do excesso de liquidez na economia — pressiona o mundo das criptomoedas. Há quem aponte o fim de um grande esquema de pirâmide; mas há quem aposte em sua rápida adoção pelos serviços tradicionais

 

David A. Cohen

 

Os tempos não estão nada alvissareiros para o mercado das criptomoedas. Primeiro, o fim do crédito ultrabarato nos Estados Unidos (incrementado pelos auxílios financeiros durante a pandemia) reduziu drasticamente o fluxo de investimentos nas moedas digitais. Na sequência, percebeu-se que várias empresas não tinham a segurança que alardeavam.

“Quando ocorreu a corrida por saques, muitas firmas não tinham dinheiro para honrar os depósitos”, diz Raul Ikeda, coordenador do curso de Engenharia de Computação do Insper e estudioso do fenômeno dos criptoativos. “Num modelo de exchange (uma espécie de bolsa de valores independente), elas teriam que ter os ativos para honrar os saques.”

Não foi o que aconteceu, e as consequências disso estão se fazendo sentir. No espaço de menos de um mês, entre meados de julho e de agosto, os fundadores das corretoras Celsius, Alex Mashinsky, e FTX, Sam Bankman-Fried (conhecido como SBF), foram enviados à prisão.

Um mês antes, em junho, a Securities and Exchange Commission (SEC, o órgão que regula os mercados de capitais nos Estados Unidos) entrou com processos contra outras duas plataformas de cripto, a Coinbase e a Binance (a maior do mundo), acusando-as de vender ativos não devidamente registrados ao público. Em março, agentes federais fizeram uma busca na casa de Jesse Powell, fundador da Kraken, a segunda maior bolsa de criptomoedas dos Estados Unidos.

Os colapsos e os escândalos retroalimentam as dúvidas sobre os criptoativos. Neste cenário, a criptomoeda original e mais forte, o bitcoin, perdeu mais de 85% do volume negociado desde seu pico, no final de 2020. “Conforme o volume cai as manipulações se tornam mais fáceis, mas em algum ponto os manipuladores também vão ter de sair”, escreveu o investidor e analista Nassim Nicholas Taeb, conhecido pelos livros A Lógica do Cisne Negro e Antifrágil. “É assim que as pirâmides abertas implodem.”

Chamar as operações com criptomoedas de esquema de pirâmide talvez seja um exagero, mas os 18% de ganhos ao mês oferecidos pela Celsius, que no seu auge chegou a controlar 25 bilhões de dólares em criptoativos, lembram o caso de Bernie Madoff, preso em dezembro de 2008 (e falecido em 2021) por ter criado o maior esquema de pirâmide de que se tem notícia, no valor de quase 65 bilhões de dólares.

“A situação da Celsius se complicou quando ela passou a atuar como agente financeiro de crédito”, afirma Ikeda. “Enquanto ela agiu como corretora, os riscos eram menores. Quando passou a prometer retorno financeiro para quem deixasse os ativos em sua custódia…”

Ainda assim, não é tão simples qualificar as operações como apenas uma espécie de golpe. “No caso de Madoff, era uma pirâmide clássica”, diz Ikeda. “No caso da Celsius e da FTX não era tão claro ser um golpe. Elas captavam dinheiro e supostamente investiam em novos projetos de risco.”

 

Uma onda de processos e prisões

Mashinsky foi preso sob a acusação de fraudar os clientes e mentir sobre seu modelo de negócios.Algo parecido levou SBF a ser colocado em prisão domiciliar em dezembro, um mês após o colapso de sua empresa. Descobriu-se então que ele usava o dinheiro dos depósitos na FTX para comprar imóveis, fazer doações políticas e bancar iniciativas de caridade. Ficou detido em casa, após pagar uma fiança de 250 milhões de dólares.

Mas SBF aparentemente violou os termos da fiança. Em conversas com a imprensa e com o autor de um livro sobre ele cujo lançamento deverá coincidir com o início do julgamento, no próximo dia 2 de outubro, SBF estaria tentando manchar a imagem de uma das principais testemunhas da acusação, Caroline Ellison, uma ex-executiva da FTX e ex-namorada de SBF que confessou ser culpada de fraude e fez um acordo de cooperação com os promotores.

No último dia 11 de agosto, uma sexta-feira, um juiz federal acatou a reclamação da promotoria e ordenou que SBF fosse enviado à prisão.

A FTX era a segunda maior plataforma de negócios de criptomoedas no mundo e sua implosão chacoalhou o mercado como um todo. Mas está longe de ser o único caso suspeito.

O mercado de criptoativos “é muito descentralizado e bastante heterogêneo”, resume Ikeda. Não é algo que tenha acontecido por acaso, a desconfiança em relação a um controle central está na origem desse mercado. “O problema é que as autoridades, em especial as americanas, gostariam de ver neste mercado a mesma transparência que existe com os bancos.”

A batalha para enquadrar as firmas de criptomoedas em suas normas já dura anos. Segundo a SEC, os ativos digitais têm a mesma natureza que os títulos e as ações negociados em bolsas de valores. Em junho, o órgão governamental elevou a pressão sobre essas firmas: abriu processos contra duas das maiores corretoras de criptomoedas do país, a Coinbase e a Binance. A acusação é que elas vendem ao público ativos não registrados.

Em julho, as corretoras obtiveram uma vitória. Uma juíza federal do distrito de Nova York considerou que a Ripple, criadora da criptomoeda XRP, não violou as leis de venda de ativos ao vendê-la em mercados públicos. A disputa se desenrola desde o final de 2020, mas provavelmente ainda vai demorar um tanto para acabar. Primeiro, porque a SEC declarou que vai recorrer da decisão. Mas também porque a mesma juíza considerou que a Ripple violou a lei ao vender a XRP para investidores institucionais. Ou seja: há uma enorme zona cinzenta habitada por diversas plataformas com variadas atividades.

 

O caminho da cripto centralizada

“É preciso separar um pouco as naturezas dos negócios”, avalia Ikeda, do Insper. “Nesse guarda-chuva dos criptoativos há várias empresas de segmentos bem diferentes.”

Criptoativos, por definição, são aqueles que utilizam uma blockchain — o sistema que prescinde de uma autoridade central para funcionar a contento. Aí se misturam as firmas de investimentos (que compram e vendem moedas, ou que funcionam como carteiras digitais, de forma similar a bancos) e a classe de utilidades.

“Os tokens de utilidade têm um propósito”, afirma Ikeda. “Não são moedas, são um recibo que representa alguma coisa.” Eles podem substituir um documento de carro, a carteira de identidade, títulos de posse.

É um avanço tão interessante em segurança e redução de burocracia que há diversas iniciativas para adotá-lo até por sistemas que requerem uma autoridade fiscalizadora central. “Aí entra a blockchain centralizada”, diz Ikeda.

“Para os tokens de utilidade, a cripto centralizada é ótima”, opina o professor. “Permite digitalizar serviços, torna os processos mais rápidos e menos custosos. Uma blockchain do governo pode transformar o modelo de serviços atual.”

 

As estrelas caem

Se é promissor o mercado de utilidades oferecidas por blockchain, é a parte financeira que tem dominado o mundo cripto. “A fronteira é muito delicada, por trás da valorização de um ativo pode existir alguma ação real em qualquer lugar do mundo. Mas as informações não chegam”, diz Ikeda. Quer dizer, “não dá para classificar tudo como golpe”; mas é muito difícil separar o joio do trigo.

Que o digam as grandes estrelas das artes e dos esportes que se envolveram com o mundo cripto. A supermodelo brasileira Gisele Bündchen, por exemplo. Ela e seu então marido, o astro do futebol americano (agora aposentado) Tom Brady, estão sendo processados por um grupo de clientes da FTX atrás de compensação de celebridades que endossaram as atividades da corretora.

Em entrevista à revista Vanity Fair, em março, Gisele disse ter “confiado na onda” das criptomoedas e ter sido pega de surpresa pelos problemas da corretora. É uma explicação verossímil, dado que o casal, de acordo com reportagem do jornal The New York Times, recebeu a maior parte dos 48 milhões de dólares da campanha que fez para a FTX (30 milhões para ele, 18 milhões para ela) em ações da FTX, que agora não valem nada.

Brady fez mais do que aparecer em um comercial. Ele era uma espécie de “embaixador” da marca. Em 2021, promovia a FTX como “a mais confiável” das instituições no mundo cripto. Estava longe, porém, de ser o único famoso a se envolver com as corretoras de moedas digitais. No mesmo processo que corre contra ele estão também indiciados o comediante Larry David e a jogadora de tênis Naomi Osaka.

Paris Hilton, Snoop Dogg, Reese Witherspoon, Matt Damon, Kim Kardashian, Lindsay Lohan, Shaquille O’Neal e várias outras personalidades do mundo das artes abraçaram as empresas de criptomoedas: investiram em projetos, fizeram propaganda, ajudaram a popularizar este mercado.

Em outubro passado, a SEC cobrou de Kim Kardashian 1,26 milhão de dólares por não ter sido suficientemente clara em suas informações públicas quando endossou a moeda EthereumMax. Em maio último, Shaquille O’Neal foi indiciado por ter promovido a FTX.

 

O que cai volta a subir?

É arriscado dizer, como o analista Nassim Taleb, que este mercado vá implodir e praticamente desaparecer. A bitcoin, por exemplo, já passou por períodos de baixa apenas para depois ressurgir. Dólar mais valorizado e juros razoáveis (nos Estados Unidos) tendem a retirar fôlego de mercados alternativos, mas esta situação não vai durar para sempre.

E ainda há quem aposte em diversos tipos de uso para moedas digitais. A PayPal lançou no início de agosto uma stablecoin (criptomoeda atrelada ao dólar, o que em tese a torna mais estável), a primeira grande companhia de pagamentos a abraçar o mundo cripto.

No Brasil, o banco digital Nubank lançou em março a criptomoeda Nucoin, um token de fidelidade com que presenteia clientes por fidelidade e dá direito a descontos em produtos e serviços. A iniciativa é quase uma demonstração prática da volatilidade desses mercados. Sua cotação subiu mais de 2.000% na segunda semana de agosto, o que levou à suspensão das negociações com a moeda, e um dia depois o valor caiu mais de 40%.

Além disso, há a briga dos governo em geral (e dos Estados Unidos em particular) para impor alguma regulamentação a este mercado. O poder das autoridades é limitado. Mesmo uma proibição do governo americano não fecharia corretoras — apenas restringiria um tanto o seu mercado. Uma negociação que trouxesse mais garantias aos investidores, por outro lado, poderia fazer o montante de investimentos subir muito.

Além de regular, os governos já estão em grande medida convencidos de que devem atuar no mundo cripto. “Há um grande caminho para oferecer os benefícios do mundo da blockchain com o respaldo do governo”, diz Ikeda. “A bola da vez por aqui é o real digital, que tem lançamento previsto para março de 2024.”

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