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Núcleo Celso Pinto de Jornalismo

Informação de qualidade reforça o desafio do jornalismo de finanças

O segundo episódio da série de podcast “As Fontes e o Meio”, do Centro Celso Pinto do Insper, debateu como a imprensa pode se destacar em meio a opiniões não embasadas
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O segundo episódio da série de podcast “As Fontes e o Meio”, do Centro Celso Pinto do Insper, debateu como a imprensa pode se destacar em meio a opiniões não embasadas

 

Leandro Steiw

 

A cobertura do setor de bancos e finanças pela imprensa defronta-se com novos desafios e oportunidades. Mesmo na chamada era da informação, impulsionada pelos meios digitais, o tema segue complexo para a maioria da população. Esse cenário foi debatido no segundo episódio da série de podcast (também disponível em videocast) “As Fontes e o Meio”, produzida pelo Centro Celso Pinto de Estudos de Jornalismo Econômico do Insper, em parceria com a plataforma Por Quê? Economês e Financês em Bom Português, da BEĨ Editora e BEĨ Educação.

Instigados pelo apresentador Carlos Eduardo Lins da Silva, coordenador do Centro Celso Pinto e professor do Programa Avançado em Comunicação e Jornalismo do Insper, os convidados apontaram os principais problemas na cobertura jornalística do setor. Também avaliaram as ameaças que os novos formadores de opinião, nem sempre com formação adequada, trazem à informação de qualidade.

Para Talita Moreira, editora de finanças do jornal Valor Econômico e mestre em jornalismo pela Universitat de Barcelona, na Espanha, essa é um temática técnica que causa receio a muitos leitores — mesmo aos jornalistas —, portanto a preocupação imediata deve ser a didática. “Este é o grande desafio: descrever conceitos e encadear os fatos de uma forma que seja compreensível para quem não é do meio, mas também apresentando todos os lados para não se tornar superficial”, afirmou.

Assim como Talita, o economista Geraldo Carbone, sócio-fundador da consultoria GXtrat, que foi presidente do BankBoston e vice-presidente do Itaú, disse que sempre se sentiu confortável na relação entre jornalistas e fonte. “Tive o cuidado de ter uma assessoria de imprensa muito boa e uma pessoa em quem eu confiava cegamente, que entendia o papel de zelar pelo banco e zelar pela verdade”, contou. “Às vezes, existe conflito, porque boa parte dos assessores de imprensa vem da imprensa, criando certa dubiedade. Tive poucos problemas ao longo da vida profissional, que normalmente ocorreram por conta de que a fonte do jornalista era boa, mas tinha segundas intenções. Não foi uma questão com os jornalistas em si.”

Roberto Dumas, professor do Insper e ex-executivo de instituições financeiras, com mais de 30 anos de experiência no mercado financeiro, compartilhou com Carbone a percepção de que há jornalistas sem o devido preparo no segmento. Parte dessa consideração vem do fato de que certa opinião dogmática parece prevalecer sobre a informação, distorcendo o trabalho do jornalismo sério e prestando um desserviço à sociedade.

“Apesar de a informação estar correta no veículo de comunicação, existe muita opinião não fundamentada que se transforma em outras mil opiniões”, disse Dumas, mestre em Economia pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e mestre em Economia Chinesa pela Universidade de Fudan, na China. “Há aqueles que têm uma opinião por inocência, desconhecimento ou desonestidade intelectual. A evolução da internet acaba suscitando cada vez mais falta de conhecimento, por incrível que pareça. Por mais que se tente explicar um assunto, o preconceito e a ideologia de quem ouve prejudica a disseminação da informação correta.”

 

Histórias e números

Segundo Talita, tornou-se frequente ver reportagens de jornal que são mal interpretadas e cujo conteúdo é espalhado equivocadamente na internet. “Às vezes, escreve-se algo que está tecnicamente correto e, em outros lugares, sai a informação deturpada, deixando você perdido naquele meio”, afirmou. “No jornalismo de finanças, temos que nos apoiar de preferência em números, mas devemos principalmente contar histórias, não só despejar um monte de dados. O jornalismo deve fazer o esforço adicional de ser claro e didático, não ser maçante numa matéria da qual nem todo mundo gosta. Isso exige formação adequada do jornalista.”

Números usados sem contexto — o vício do “numerismo” nas editorias de economia, mencionado por Lins da Silva — seriam, de certa forma, uma defesa do jornalista que não entendeu o conceito ou a teoria que está por trás do dado, na opinião de Carbone. Nessas oportunidades, costuma-se publicar grandes quantidades de números na mesma reportagem para causar a impressão de tarefa cumprida. “Muitas vezes, os números não são corretos ou são analisados de forma incorreta, então continuo acreditando que o debate jornalístico é fundamentalmente baseado em ideias”, disse Carbone. “Os números são uma ilustração da ideia, uma maneira de melhorar o entendimento, mas nunca substituem o bom debate, a boa descrição e a boa conceituação daquele tema.”

Em uma conversa sobre qualidade da informação, foi inevitável comentar o papel do jornalismo diante do fenômeno dos influenciadores da internet. Carbone definiu o momento como “um capítulo triste da história da humanidade”. “O influenciador é alguém que faz a cabeça do outro e não tem o menor compromisso com a verdade”, afirmou. “O compromisso dele é ganhar like e monetizar. E ele faz isso falando o que as pessoas querem ouvir. A partir do momento que consegue audiência, aparecem patrocinadores.”

Talita observou que certos influenciadores de finanças tratam de investimentos pessoais, podem direcionar as pessoas para negócios que os beneficiam e não revelam por quem são patrocinados. “Quando o influenciador passa de um número de seguidores, certamente tem alguém por trás, o que é complicado do lado ético”, disse a jornalista. Outro problema grave é que muitos deles copiam o material jornalístico, reproduzindo como suas as reportagens produzidas por veículos de comunicação.

Uma autocrítica feita por Talita rendeu um comentário apropriado de Carbone. Ela acredita que os jornais e jornalistas tradicionais ainda não encontraram a fórmula para ocupar o espaço explorado pelos influenciadores, algo já debatido no evento Jornalistas e influenciadores no mercado de capitais, do Centro Celso Pinto. “O bom jornalista tem compromisso com a verdade, a sua fonte e o seu leitor”, afirmou Carbone. “Alguns talvez até tenham boa intenção, mas o influenciador tem compromisso em falar aquilo que o público gosta de ouvir. Por isso, os jornalistas não conseguem ocupar esse espaço. Porque é um espaço que parte de uma perspectiva diferente. Os influenciadores hoje influenciam muito mais do que os jornalistas, os políticos, os governantes. Isso não é bom, porque influenciar pessoas é algo relevante para a sociedade.”

Para o jornalismo de economia, é uma disputa fácil de mensurar: 277 influenciadores no mercado financeiro têm mais leitores do que os 10 principais veículos de comunicação juntos, conforme pesquisa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD). Lins da Silva lembrou outra encruzilhada da informação de qualidade: os sites e portais de internet dedicados à economia que são propriedade de instituições financeiras.

 

Liberdade e independência

No mundo todo, diversos bancos e corretoras investem em canais próprios na internet com grande sucesso de audiência. Por um lado, amplia-se o público que consome notícias de finanças, cresce o interesse em investimentos pessoais e, consequentemente, geram-se dinheiro e empregos para o setor financeiro. “A maioria desses sites tem gente muito séria, jornalistas que fizeram carreira em veículos tradicionais e comprometidos com os princípios jornalísticos”, disse Talita. “Mas, se um dia esse jornalista se deparar com a notícia desse patrocinador, qual a liberdade que vai ter de cobrir? Os jornais tradicionais têm uma variedade de anunciantes, mas eles não são os donos do veículo.”

Para Carbone, uma governança sólida para esse órgão de imprensa cujo investidor é uma empresa do setor financeiro, que mostre e garanta independência, pode mitigar a tentação à informação incorreta ou encoberta. “Mas ainda não consigo entender exatamente quais são as motivações de algumas instituições financeiras quererem ter o seu próprio canal de notícias, em vez de alimentar todos”, disse. “Sempre desconfio que, por trás dessa boa intenção, possa haver algum interesse específico.”

A imprensa é indispensável no desafio permanente de melhor informar as pessoas, concordaram os convidados do videocast. Diante dos dilemas do jornalismo especializado, Carbone aconselhou: “A imprensa não deveria capitular. Quer dizer, se parte da imprensa vira site, quase vira influencer, temos que tomar cuidado. A imprensa precisa continuar sendo imprensa. O papel dela continua sendo fundamental como sempre foi”.

 

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