Com uma sócia, a médica radiologista Lara Paiva fundou a Hifa Care, uma clínica virtual que oferece atendimento inclusivo e multidisciplinar em diversas especialidades
Bárbara Nór
Constrangimento, sensação de julgamento e falta de liberdade para falar. Essas são algumas das experiências que Lara Sá de Paiva, ex-aluna de MBA do Insper, percebeu que são compartilhadas pelo público LGBTQIAP+ quando procuram atendimento médico.
Ela mesma é médica radiologista e conta que percebia isso tanto no dia a dia quanto conversando com amigos. “Trocando com meu grupo de amigos, todos têm uma história de desconforto junto ao setor de saúde para contar”, diz. Ao mesmo tempo, ela ouvia de sua hoje sócia Cristina Khabbaz, médica ginecologista que trabalha com o público LGBTQIAP+ no SUS, relatos de que pacientes de todos os níveis sociais buscavam atendimento no setor público por entender que apenas ali encontrariam um tratamento adequado. Ou seja: faltavam opções no mercado para atender essas pessoas.
Foi aí que veio um insight: criar uma rede que garantisse apoio e acolhimento para pessoas LGBTQIAP+. “Fui discutindo com a Cristina a ideia de fazer algo acessível, onde essa população não se sentisse julgada ao falar com o profissional de saúde”, afirma Lara. Assim, em abril deste ano, elas fundaram a Hifa Care, uma clínica 100% virtual que oferece atendimento multidisciplinar em diversas especialidades, com consultas via WhatsApp e videochamadas e com profissionais qualificados.
O nome, explica Lara, se inspirou na hifa, um filamento de fungos que se unem para formar redes de apoio nutritivas — justamente o que elas queriam criar para combater a forma pejorativa que pessoas LGBTQIAP+ são vistas em muito ambientes, o que, no limite, pode prejudicar a própria saúde desse público. Um exemplo são diagnósticos enviesados por causa de preconceitos por parte dos próprios profissionais. Por outro lado, quando constrangidos, pacientes podem deixar de relatar certos sintomas e ter o tratamento comprometido. Da mesma forma, eles podem deixar de buscar atendimento por medo do julgamento.
Em uma pesquisa feita pela Hifa Care com 386 pessoas, por exemplo, 96% das pessoas trans já buscaram na internet qual hormônio usar sem passar por atendimento médico, arriscando a própria saúde. A mesma pesquisa revelou que 73% dos entrevistados já sofreram algum tipo de preconceito no setor de saúde, e apenas 4% têm acesso a serviços especializados.
Embora qualquer pessoa possa acessar diretamente os serviços da HIFA, a ideia é atingir as organizações com uma solução mais robusta. “Montamos um pacote para que as empresas trabalhem diversidade e inclusão ao longo de 12 meses”, diz Lara. “Além dos programas de saúde lésbica, gay e trans com atendimento multidisciplinar, ofereceremos programas e palestras para os colaboradores”.
Isso porque não adianta só garantir o acesso ao tratamento mais inclusivo. É preciso trabalhar a conscientização para toda a empresa para amadurecer, de fato, as políticas de diversidade e inclusão.
A vontade de empreender, aliás, veio depois do MBA de Gestão em Saúde que Lara fez no Insper entre 2017 e 2019 por entender que, no futuro próximo, a inteligência artificial pode substituir profissionais de diagnóstico por imagem, área em que ela especializou. “Fui fazer o MBA como plano B, mas o curso realmente ampliou a minha mente”, diz. “Nós, médicos, passamos 6 anos estudando, depois mais 4 anos de especialização, e acabamos ficando em um pensamento muito fechado e restrito.”
Segundo ela, o MBA do Insper fez com que ela percebesse que tinha muito mais opções além da atuação tradicional como médica. “O médico pode ser gestor de saúde, empreendedor do ramo, investidor”, diz. “Acho que a faculdade de medicina peca nesse sentido, porque não estimula o médico a pensar fora da caixa”, afirma.
Um dos aspectos de que ela mais gostou, conta, foram as discussões de cases e a troca com uma série de outros profissionais relevantes no mercado. “O curso me despertou a curiosidade para pensar em novas coisas, como nas dores de um profissional médico ou do paciente”, diz. Não à toa, Lara decidiu empreender pela primeira vez já em 2019 com a Savers, uma plataforma de educação financeira para médicos, tanto para a vida pessoal quanto para gerir clínicas. O negócio acabou fechando em 2023 por dificuldades de migrar para o digital na pandemia.
“Por muito tempo, me culpei por não ter dado certo, mas hoje vejo que foi através dessa empresa que cheguei aonde estou hoje, abrindo um negócio mais maduro e sem cometer os mesmos erros”, diz Lara. “Se eu tivesse ficado só na medicina, não teria elaborado minha carreira com tanta satisfação. Hoje gosto muito do que faço.”