Em um movimento de mudança de carreira, a professora do Insper encontrou uma atividade que trouxe desafios tal qual o tênis teria oferecido um dia
Leandro Steiw
A professora e pesquisadora Carolina Melo assumiu recentemente a coordenação do Mestrado em Políticas Públicas (MPP) do Insper. Junto à nova posição profissional, vieram desafios que se equiparam aos interesses que demonstrou pelo tênis na infância e na adolescência. Ela chegou a competir pela Universidade do Norte da Flórida, nos Estados Unidos. Do esporte, tirou grandes lições para a carreira fora das quadras.
Em 2022, Carolina tornou-se professora de dedicação exclusiva do Insper, na área de políticas públicas. Ela conta que os primeiros meses foram bem desafiadores. “Aos poucos, fui ganhando mais confiança no meu trabalho e me permitindo curtir o dia a dia”, diz. “É muito recompensador compartilhar com os alunos um pouco do que pude aprender nos últimos anos. Espero conseguir ser para eles um pouco do que meus professores e mentores — incríveis — foram e ainda são para mim.”
Deste então, quando não está na sala de aula, Carolina concentra-se na pesquisa e nas atividades de gestão do MPP. Sobra tempo, entretanto, para horas de qualidade com a família e os amigos mais próximos e para os exercícios físicos. A prática constante do tênis ficou no passado, por motivos que ela mesma narra, mas manteve a paixão pelos esportes. “Sempre invento algum novo desafio esportivo para me manter ativa”, afirma. “No ano passado, treinei para correr a São Silvestre. Neste ano, decidi treinar para correr uma meia-maratona no final do ano. Vamos ver como vou me sair.”
Carolina terminou o Ensino Médio em São Paulo, em 2004, e foi jogar tênis no time da Universidade do Norte da Flórida. Naquela época, entre uma dúvida e outra, o esporte era prioridade. Uma menina quatro anos mais velha, conhecida do clube no qual ambas jogavam em São Paulo, conseguiu uma bolsa para jogar tênis em uma universidade dos Estados Unidos. Além disso, o seu técnico previa que, do jeito que treinava, Carolina poderia trilhar o mesmo caminho.
Não era tanto a mudança de ares que mexia com a alagoana de Maceió. O pai, engenheiro civil, trocava periodicamente de cidade e levou a família de Maceió para Recife (Pernambuco), Belo Horizonte (Minas Gerais) e Rio de Janeiro até se estabelecer na capital paulista. Carolina tinha 9 anos e fez quase toda a escola em São Paulo. A última metade da década de 1990 marcou os anos de ouro do tênis no Brasil, com a ascensão do catarinense Gustavo Kuerten a partir do primeiro título do torneio de Roland Garros, na França.
Ela recorda: “Jogar tênis em uma universidade norte-americana virou o meu objetivo. Aos 17 anos, no final da escola, nem me inscrevi para o vestibular no Brasil e fiz apenas as preparações para aplicar para as universidades. A admissão é via esporte, nesse caso. No fim do ano, não tinha feito vestibular, nem tinha resposta das universidades, mas acabei aceita no ano seguinte. Nos Estados Unidos, onde pude estar completamente sozinha e numa situação em que me pagavam para jogar tênis, ganhei autonomia e confiança. Esse foi o grande aprendizado de fazer universidade como atleta. No último ano em que joguei tênis universitário, percebi como a competição na quadra me ensinou que, se eu executasse a estratégia conforme eu planejara e desse o meu melhor, tanto ganhar quanto perder valeriam por uma vitória”.
A segurança em si própria foi um achado que se sobrepôs ao desejo de continuar a jogar tênis. “Depois de uma temporada em que ganhei a grande maioria dos meus jogos da conferência, quis parar de jogar tênis”, diz. “Parece que eu só precisava daquela sensação de que eu mandava na minha cabeça.” A decisão e a formatura em Administração de Empresas, em 2008, coincidiram com a crise financeira que cortou empregos e deixou o mundo em recessão econômica. Na volta ao Brasil, trabalhou com importação e exportação na indústria, mas sentiu falta de um objetivo maior para seu trabalho.
Levou um tempo até o jogo virar. “Sempre tive vontade de trabalhar com desenvolvimento social”, afirma. “Não sabia muito a respeito e não tinha ninguém para conversar sobre isso, porque nenhum familiar fizera algo parecido. Eu era, basicamente, uma perdida que havia jogado tênis na maior parte da vida e não tinha um grande direcionamento profissional. Nessa busca, descobri o mestrado em Administração Pública, com foco em práticas de desenvolvimento sustentável. No meio do caminho, conheci o Vini, que hoje é meu marido. Os dois tinham vontade de fazer algo parecido. Nós passamos na seleção para a Universidade Colúmbia, em Nova York, e fomos para lá.”
No mestrado, os interesses de Carolina foram ficando cada vez mais relacionados à avaliação de políticas públicas, por meio de métodos de microeconometria aplicada. “Encontrei algo que amava muito fazer, porque o trabalho era quase um sofrimento desde que eu abandonara o tênis”, diz. “Lá, o meu livro de cabeceira era um título de Econometria. Eu curtia muito a matéria, estudava bastante, tirei uma das melhores notas da turma e acabei me tornando monitora do professor, o que parecia um sonho para mim.”
Carolina participou de projetos de políticas públicas nos Estados Unidos e em Moçambique, antes de voltar ao Brasil para trabalhar como diretora de pesquisa em uma startup que se chamava MGov (hoje, Movva) e fazer o doutorado em Economia dos Negócios no Insper. Na escola, integrou as equipes do Insper Metricis e do Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância (CPAPI).
Por quase uma década e meia, bolas e raquetes ficaram guardadas nas caixas de mudanças. “Na pandemia, eu me arrisquei a bater uma bola”, conta. “Voltei a ser sócia do clube em que treinava quando criança e até joguei uns interclubes de novo. Foi gostoso, mas tenho uma relação com o tênis complicada. Eu era uma menininha muito séria, muito dedicada, então existe uma relação que mexe com diversos sentimentos. São muitas dores e amores num lugar só. Sem treinar direito, a sensação é de ladeira abaixo, porque você nunca vai jogar tão bem quanto jogava antes.”
Como Carolina mesma explica, o tênis é um esporte de precisão, no qual a maior parte dos resultados depende do esforço individual. Durante o jogo, não dá para atribuir os próprios erros — e os acertos, evidentemente — aos outros. “Das infinitas analogias que faço com o tênis, aprendi que, se eu trabalhar duro e confiar que os meus conhecimentos vão me permitir implementar o que sei fazer, não importará só o resultado”, diz. “Ganhando ou perdendo, dar o meu máximo é a única forma que tenho de aprender como corrigir a rota de um trabalho e como melhorar o resultado.”
Conheça um pouco mais sobre as atividades de Carolina Melo fora da sala de aula
“Adoro ler biografias, sou fascinada por conhecer a personalidade das pessoas e como elas se tornam quem se tornam. Gosto de histórias da vida real. A que mais me marcou e me emocionou foi a autobiografia do Andre Agassi (tenista norte-americano que liderou o ranking masculino por 101 semanas e ganhou 60 títulos de simples, sendo oito de Grand Slam). Eu acho que é o ranking número 1 de todas. Nem citaria uma segunda, por todos os sentimentos que me despertaram ao ler o livro. Achei engraçada, chorei… Quando li esse livro, eu estava morando em Moçambique, no meio do mestrado, e trabalhando na ONU. Então, estava sozinha, numa fase de reflexão bem profunda. Fazia alguma atividade física e depois ia ler. Curiosamente, sempre alguma coisa sobre tênis. E, naquele momento, era o livro que me fazia rever várias coisas e me conectar com outras tantas que eu estava vivendo.
Gosto também de ler livros divertidos relacionados ao trabalho. Acabei de comprar um que chama “Random acts of medicine: The hidden forces that sway doctors, impact patients, and shape our health”, de Anupam B. Jena e Christopher Worsham — indicação de um colega, o Lucas Correia (obrigada, Lucas!). O primeiro autor, conhecido por Dr. Bapu Jena, é o host do podcast Freakonomics MD, no qual se discute como as ferramentas de microeconometria aplicada podem contribuir para avanços na medicina e na saúde pública. Jena discute vários artigos interessantes com seus convidados. Ele tem um perfil bem único: é Ph.D. em Economia e médico (M.D.) pela Universidade de Chicago e professor de políticas de cuidados de saúde na Escola de Medicina de Harvard. Aprendo muita coisa escutando o podcast e estou superansiosa para começar a ler o livro.”
“Eu era muito próxima do meu avô paterno, Fernando Gomes. Em vários momentos em que tenho que tomar uma decisão — e ultimamente momentos-chave dos anos recentes da minha carreira —, queria conversar com o meu avô. Me pego pensando o que ele falaria, e daí vêm os meus melhores insights. Ele era uma pessoa muito dura, de um ambiente completamente diferente do meu, eu diria assim, mas acho que foi a primeira pessoa que confiou em mim, que confiou na minha capacidade para qualquer coisa. Isso me marcou profundamente. Uma imagem que tenho da única partida a que o meu avô assistiu na vida: eu estava jogando no clube contra uma menina que todos tinham certeza de que ganharia de mim. Perdi o primeiro set — acho que de 6/3. Me lembro dele escondido atrás de uma árvore. Foi meio que o olhar dele, do tipo ‘vai que dá!’. Me transformei, ganhei o segundo e o terceiro set com facilidade. Não é basicamente nesse jogo que eu penso, mas em como ele me passava confiança.”
“O Gustavo Kuerten (tenista catarinense que liderou o ranking por 43 semanas e conquistou 20 títulos individuais, sendo três de Grand Slam) era o meu grande ídolo, sem dúvida. Eu estava começando a jogar torneios de tênis bem na fase em que ele ganhou o primeiro título em Roland Garros, em 1997. Na escola, com 10, 11 anos de idade, eu aproveitava o recreio para ligar do orelhão, a cobrar, para a minha mãe, só para saber quanto estava o jogo do Guga.”
“O MPP é um programa muito especial para mim. Ele tem uma ‘carinha’ muito parecida com o mestrado que fiz, na Universidade Colúmbia. Mas, no Insper, os alunos têm a oportunidade de aprender com professores que conhecem profundamente os problemas públicos brasileiros e estão no centro do debate de políticas públicas com base em evidências no país. Eu acho isso fascinante. Meu plano é continuar trilhando o caminho traçado por Sandro Cabral, ex-coordenador do MPP, consolidando o programa como um mestrado de excelência no campo de públicas no Brasil e no mundo.”