A arquiteta Laura Janka fala sobre a atuação do Núcleo Arquitetura e Cidade, coordenado por ela, e detalha parceria do Insper com o Masp para a realização de um projeto de placemaking
Tiago Cordeiro
A maioria dos espaços vivenciados cotidianamente pelas populações das cidades está muito distante de ser uma expressão de processos integradores e de responsabilidade com o meio socioambiental. Diante das evidências do quanto a atenção e o cuidado com áreas públicas urbanas se refletem no bem-estar das pessoas, os desafios se impõem: Como democratizar o acesso aos lugares de vida e de qualidade? Como transformar a cidade que já está construída?
Em dezembro de 2021, a arquiteta Laura Janka se uniu ao Laboratório Arq. Futuro de Cidades do Insper para liderar o Núcleo Arquitetura e Cidade com o objetivo de apresentar respostas a essas perguntas. Uma das várias iniciativas em andamento com tal propósito é o projeto de placemaking, que busca repensar a ocupação dos espaços urbanos, a começar pelo entorno do próprio Insper. O núcleo vem desenvolvendo também uma pesquisa para embasar um projeto de placemaking para o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), localizado na avenida Paulista.
Laura é formada pela Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), seu país natal. Tem mestrado em desenho urbano pela Escola de Design de Harvard e trabalha há 15 anos em questões relacionadas ao planejamento, ao desenho urbano e à participação cidadã nas cidades. Tem experiência no poder público, no setor privado e no terceiro setor e, desde 2015, se divide entre Brasil e México como consultora de projetos de desenho urbano e processos participativos. Além disso, atua em outros países no ensino de métodos de desenho urbano. Na entrevista a seguir, ela fala sobre o Núcleo Arquitetura e Cidade e dá detalhes do projeto de placemaking.
Quando surgiu e qual é a proposta do Núcleo Arquitetura e Cidade do Laboratório Arq.Futuro do Insper?
O núcleo surgiu desde o início da estruturação do Laboratório, com um curso de Inovação Urbana para estudantes da graduação. Já em novembro de 2021, uma vez formalizado o Laboratório, eu me incorporei a ele para reestruturar essa área com a proposta de criar um ambiente de pesquisa aplicada que olhasse para a escala humana da cidade com o objetivo de formar pessoas capazes de criar espaços equitativos e ativos que abracem a diversidade.
A arquitetura na cidade se preocupa com a qualidade e o uso coletivo dos espaços públicos, como o desenho das ruas para se tornarem lugares seguros para as pessoas, os pedestres e os ciclistas, a distribuição equitativa das praças e a correlação com índices de vulnerabilidade social, o impacto das áreas verdes na saúde urbana e na economia local. Trata-se do âmbito físico, palpável da cidade, o que dá forma à sociedade urbana. A história, a paisagem social, as economias se revelam e se exteriorizam por meio dos espaços da cidade em suas múltiplas escalas.
Qual a estrutura do núcleo?
O núcleo é formado por mim e por Maurício Feijó como coordenador-adjunto, arquiteto urbanista com ampla experiência em planejamento urbano no diálogo de outras temáticas, como mobilidade e meio ambiente. Enquanto a minha experiência é baseada principalmente na escala da rua da cidade, o Maurício tem uma visão mais panorâmica. Porém, ambos olhamos para a forma urbana e para o usos desses espaços. Juntos estamos estruturando os projetos e, nesse diálogo, temos conseguido bons resultados. As equipes que participam dos projetos de pesquisa e eventos de intervenção incluem sempre a participação de outros núcleos do Laboratório, estudantes da graduação e da pós-graduação de Urbanismo Social,
Quais foram as principais metas já alcançadas pelo núcleo?
Hoje podemos falar que, dentro do Laboratório e dentro do Insper, o núcleo oferece um espaço que permite pensar, desenhar e transformar — testando na cidade real — os espaços físicos urbanos como método empírico de aprendizagem.
Um exemplo disso foi a participação da escola no Parking Day 2022. Trata-se de um projeto cultural global participativo, surgido em 2005 na Califórnia e que hoje é realizado em mais de 100 países. Um dia no ano, as vagas são transformadas em espaços de lazer. O Insper se uniu à proposta, com o compromisso de participar da criação de cidades mais humanas, mais justas, mais sustentáveis. O Laboratório Arq. Futuro de Cidades fez um chamado para os alunos de graduação e pós-graduação participarem de oficinas. Desenhamos uma proposta para converter 12 vagas na rua Uberabinha em espaços de encontro. Em dois dias, transformamos esses espaços.
Clique aqui para assistir ao vídeo e saber mais obre o Parking Day no Insper.
Poderia mencionar algumas dos desafios do núcleo para o futuro?
O horizonte de curto prazo para o núcleo tem o compromisso de continuar testando projetos de pesquisa e ensino baseados na prática, que diversifiquem lugares e formatos de intervenção prática e também que sejam a base para cursos de pós lato sensu.
Paralelamente, estamos formulando um curso para arquitetos e urbanistas formados em outras universidades que busque integrar as diversas expertises do Insper — negócios, marketing, empreendedorismo, liderança e engenharia, entre outras. Reconhecemos que a prática de quem estudou arquitetura precisa de conhecimento e ferramentas que pessoas formadas no Insper, em geral, têm. Esse diálogo pretende oferecer um ensino que realmente potencialize e viabilize a capacidade de incidência arquitetônica na cidade. No fim das contas, a arquitetura precisa, também, entender-se como negócio, como prática de impacto.
No médio prazo, o núcleo tem a meta de institucionalizar projetos de pesquisa prática que integrem diferentes cursos de graduação e pós-graduação do Insper, bem como integrar uma rede de instituições globais de desenho urbano.
Já no longo prazo, o núcleo visa estruturar um curso de graduação de arquitetura que ofereça uma formação diferenciada de outras escolas. Focada na incidência e desenho de soluções para problemas complexos da forma urbana, esse curso de graduação buscaria organizar o ensino ao redor de módulos práticos a partir de diferentes âmbitos de atuação: mercado imobiliário, negócios de impacto, organizações sociais, gestão pública.
Há um caminho extenso ainda a percorrer, mas acreditamos que o Insper é o espaço onde esse tipo de formação pode acontecer.
Em que estágio de implementação estão os projetos?
Os projetos em andamento vêm surgindo desde o ano passado e estão tomando corpo e celeridade neste ano. Modelos de ensino e pesquisa que olham para a concretude da cidade e que apostam na testagem física da transformação urbana precisam de um tempo de conceitualização e planejamento. Uma vez que os projetos começam a ter ritmo e noções de impacto, a velocidade aumenta.
Paralelamente, existem outros projetos, como o curso de negócios para arquitetos, que está em fase de detalhamento para ser oferecido no segundo semestre deste ano, e uma pesquisa iniciada em fevereiro, que surgiu de uma parceria única entre a USP, o Insper e a Universidade Técnica de Delft, da Holanda, com o objetivo de olharmos para o valor das áreas verdes urbanas em escala local na cidade e na economia.
No que consiste o projeto de placemaking?
Placemaking é uma abordagem para o codesenho dos espaços livres da cidade para torná-los lugares de equidade, vida pública, acessibilidade e habitabilidade. Esse conceito se baseia num método de mapeamento de atores, coleta de microdados na escala local, conceitualização e, especialmente, na testagem para o aprimoramento de propostas de intervenção específicas num modelo de governança comunitária. É um modelo que vem se desenvolvendo nas últimas seis décadas em diversos países do mundo, inspirado pelas teorias de Jane Jacobs, da organização Project for Public Spaces, em Nova York, e do escritório Gehl Architects, em Copenhague.
No caso de uma estratégia de placemaking para o Insper, a ideia surgiu do diálogo entre a diretoria e o conselho do Insper e o Laboratório sobre a relevância da escola como entidade física e como campus no seu entorno imediato. O Insper tem aproximadamente 11 mil estudantes e cada uma dessas pessoas, por sua vez, tem uma relação íntima com a rua, com as escadarias do prédio 2 que se abrem para a Quatá. A vida coletiva e o intercâmbio também são afetados pela arquitetura dos prédios, pelos negócios do café do outro lado da rua.
Os objetivos do placemaking são criar nos nossos dois prédios e no seu entorno um distrito educador que surja do desenho e da transformação concreta dos espaços, de modo a ampliar a vida pública e acadêmica dos estudantes, dos professores e de todo o pessoal que vive o Insper. Ao mesmo tempo, esse processo se baseia na testagem, na avaliação de impacto. Trata-se de uma iniciativa que fornece uma experiência de ensino única.
Já o Placemaking Masp surgiu de uma parceria entre o museu e a escola e é uma iniciativa liderada por Tania Haddad [conselheira do Insper], com todo o entusiasmo da nossa diretoria e da presidência do Masp. O Placemaking Masp é uma pesquisa aplicada, em andamento desde maio, em que se perguntam quais são os condicionantes — físicos, espaciais, sociais, culturais, econômicos e jurídicos — das relações estabelecidas entre os espaços livres do Masp e seu entorno que fornecem subsídios para a elaboração de uma estratégia de governança e ativação cultural de seu Vão Livre.
A partir da coleta inicial de dados, já sabemos que mais do 70% das pessoas usuárias da praça do Vão Livre são visitantes do Masp, e que esse número cresce 50% nas terças-feiras, o dia de livre acessosao museu. Para uma praça de 3.500 metros quadrados, o potencial de uso nos fins de semana e nos dias da semana é uma oportunidade enorme para o uso democrático da cidade. Como a cultura, a arte pode servir de agente de inclusão e transformação espacial para uma vida pública que provoque maior apropriação e dê conta de um dos espaços mais emblemáticos da cidade e, talvez, do país?
Alunos da graduação das Engenharias e da pós-graduação em Urbanismo Social do Insper integram a equipe que está iniciando a coleta de microdados nos espaços do Masp, uma experiência única para o intercâmbio de saberes e o contato de disciplinas com a cidade. Ao mesmo tempo, o projeto é uma conversa prática entre instituições, que permite aproximar o ensino da cultura — e a cultura da academia, como fonte de conhecimento para aprimorar a gestão do museu em sua relação com o entorno.