Iniciativa, que busca evitar constrangimentos pelo uso de um nome civil que não reflete a identidade de gênero, já é uma realidade, mas vai exigir aprimoramento contínuo
O Projeto Nome Social Discente, lançado no Insper no final de janeiro, busca aprimorar a inclusão de pessoas trans, travestis e não binárias por meio da implementação de diversas alterações em sistemas da escola para atender às solicitações dos estudantes de uso do nome social — o nome pelo qual uma pessoa deseja ser identificada e tratada na sociedade, diferentemente do nome civil, com o qual foi oficialmente registrada no cartório ao nascer. Liderado por membros da Comissão de Diversidade, Equidade e Inclusão e Equipe de TI, o projeto tem o objetivo de criar um ambiente acolhedor e seguro, evitando constrangimentos decorrentes do uso de um nome civil que não reflete a identidade de gênero e promovendo o respeito e a dignidade.
Desde o lançamento do projeto, foram realizados mapeamentos das demandas identificadas pelas diferentes áreas da escola. Nessa etapa, as áreas levantaram as mudanças necessárias nos sistemas, relatórios e documentos e definiram como os dados deveriam ser tratados — em alguns casos será utilizado somente o nome social, enquanto em outros será necessário manter ambos os nomes, o social e o civil.
Fabiana Barreto, analista do Centro de Gestão e Políticas Públicas e líder da rede LGBTQIA+ na Comissão de Diversidade, Equidade e Inclusão, destaca que este é um projeto que exigiu o envolvimento de toda a escola, que colaborou para levantar as informações e dar continuidade às alterações necessárias nos sistemas. “Não importa se a pessoa vai fazer um curso de educação executiva de 16 horas ou uma graduação de cinco anos no Insper. É importante que ela possa ser reconhecida e tratada na escola pelo nome que escolheu, que ela possa mostrar de fato quem é”, afirma Fabiana.
Ainda segundo a Fabiana, “a ideia do projeto é que, quando o aluno ou a aluna informar o nome social no momento da inscrição, todas as alterações sejam feitas automaticamente. Hoje isso ainda não é possível, e algumas mudanças precisam ser feitas manualmente.”
Nem todos os ajustes necessários nos sistemas são simples. “É uma lista bem grande de alterações sistêmicas, principalmente com relação a relatórios, e algumas alterações vão demandar uma análise de impacto um pouco mais complexa”, aponta Joyce Janaina Cocato de Souza, assessora executiva de Graduação e membro da Comissão de Diversidade, Equidade e Inclusão. “O projeto já é uma realidade, mas ele não tem prazo para acabar, pois vai exigir um acompanhamento contínuo. Toda vez que criarmos um formulário ou adquirirmos um sistema novo, será necessário revisar e adaptar a utilização do nome social.”
Giovana Spada, especialista em TI, descreve alguns desafios enfrentados por sua área na implantação do projeto. O primeiro deles foi lidar com planilhas preenchidas individualmente pelas diferentes áreas, com centenas de linhas de informações. “Foi necessário realizar uma análise detalhada da planilha para identificar repetições e agrupar as informações de forma mais eficiente. Também foi preciso dividir as entregas em blocos, pois nem tudo poderia ser implementado de uma vez”, conta Giovanna. Ela diz que, na primeira etapa, foram entregues alterações em 12 relatórios com a inclusão do nome social. Agora, na segunda etapa, a análise da planilha como um todo está em andamento para identificar quais itens podem ser entregues imediatamente.
Além dos desafios técnicos, outro aspecto ressaltado é a questão cultural e o letramento das pessoas em relação ao nome social. Giovanna conta que há casos de estudantes que preenchem o campo do nome social em formulários incorretamente. “Muitas pessoas preenchem esse campo com a forma abreviada do nome, achando que nome social é aquele que elas utilizam mais comumente.” Isso mostra a importância de promover o letramento da comunidade, para que todas as pessoas compreendam o significado e a importância do nome social, bem como saibam como se dirigir adequadamente a uma pessoa que o utiliza.
No Insper, a aluna Katty Terra, de 23 anos, que está no 8º semestre do curso de Engenharia Mecânica, adotou o nome social. Ela conta que descobriu sua identidade de gênero quando tinha por volta de 11 ou 12 anos, quando passou a sentir uma desconexão entre as expectativas da sociedade e seu conforto pessoal. Durante muitos anos, Katty lutou com conflitos internos que a impediam de assumir o que sentia. Quando entrou no Insper, a estudante ainda se vestia como homem e usava seu nome civil. No entanto, à medida que foi amadurecendo durante sua experiência na faculdade, ela foi se sentindo mais à vontade para assumir sua identidade de gênero. Um momento de virada ocorreu durante a pandemia da covid-19. “O tempo que passei em casa durante a pandemia me deu uma oportunidade de autorreflexão e crescimento pessoal”, diz a aluna.
Katty conta que escolheu seu nome social por se sentir identificada com uma personagem que ela mesma criou durante a infância. “Desde criança, eu desenhava e escrevia bastante, criava muitas personagens. E fui tendo uma identificação muito grande com uma das personagens, chamada Katty”, lembra. “Meus amigos passaram a me chamar de Katty e fui me apegando ao nome.”
A aluna começou a usar o nome que escolheu com mais frequência há cerca de três anos, primeiramente entre a família. Ela demonstra gratidão pelo apoio que recebeu de seus pais, que respeitaram sua identidade de gênero e proporcionaram um ambiente acolhedor. “Os meus pais me apoiaram bastante e me deram os meios para eu poder me sentir bem e feliz com quem eu sou”, diz. “Claro, não foi um processo instantâneo. Nos primeiros meses, houve uma espécie de sensação de luto entre os meus pais, um tempo necessário para eles readaptarem seus pensamentos e sentimentos.”
No Insper, Katty diz ter se sentido acolhida por seus amigos. “Há pessoas que são mais receptivas e outras que são menos receptivas. Mas, no geral, no meu grupo de amigos, todos me receberam bem”, conta. Katty pode usar o nome que escolheu nas interações com os professores e com os colegas. No entanto, seu login e e-mail na escola ainda mantêm o nome registrado originalmente na matrícula. Katty entende que essa é uma questão sistêmica que ainda demandará tempo para ser solucionada.
Katty ainda não alterou seus documentos oficiais, mas planeja fazê-lo assim que possível. Ela menciona as dificuldades burocráticas e os desafios da mudança de nome no Brasil, devido a receios com criminalidade e segurança. Katty chegou a procurar um cartório para se informar sobre o processo de alteração do registro civil, mas, diante das exigências, ela decidiu aguardar um momento mais oportuno. “Estou focada agora em terminar meu TCC. Decidi deixar para ir atrás dos trâmites da mudança de nome quando estiver mais tranquila na faculdade”, diz Katty.