Independentemente da forma de exploração agropecuária, a adoção de medidas de governança é catalisadora dos negócios e geradora de riquezas
José David*
Por definição, governança é uma palavra derivada do verbo “governar”, que significa “conduzir, guiar, dirigir, administrar”. No âmbito profissional, o termo assume variados contornos, destacando-se o sistema pelo qual as estruturas de negócios são dirigidas e monitoradas, para que os objetivos estratégicos sejam alcançados e os direitos e deveres das partes interessadas no negócio sejam resguardados.
Em outras palavras, a governança visa à gestão eficiente dos negócios, especialmente no que tange à integridade, à transparência e à responsabilidade dos stakeholders (sócios, colaboradores, fornecedores, comunidade e governo) na condução dos negócios e no cumprimento da visão, da missão e dos valores das organizações. Assim, uma governança estruturada possibilita melhorias operacionais, de gestão e até de imagem, na medida em que proporciona aos públicos interno e externo maior transparência acerca dos andamentos, dos objetivos e da situação da estrutura dos negócios. E isso vem se tornando cada vez mais essencial ao agronegócio.
Sob o ponto de vista de instrumentos e estruturas, a governança pode ser segregada em diferentes aspectos: (i) a governança corporativa, fundamentalmente voltada às questões de gestão das estruturas empresariais e de negócios; (ii) a governança familiar, que regula as interrelações entre empresa, sócios e familiares, especialmente a partir da passagem de bastão para novas gerações, a profissionalização da estrutura empresarial e a entrada de novos personagens não consanguíneos na estrutura familiar empresária; e (iii) a governança jurídica, a qual trabalha com conceitos de sucessão familiar e de negócios e o estabelecimento de estruturas, notadamente societárias e tributárias, adequadas para a melhor condução dos negócios e a economia lícita de tributos tendo em vista o objeto social da empresa e eventuais reorganizações empresariais.
Algumas especificidades dos negócios ditam as características da governança corporativa: uma estrutura enxuta, pouco ou nada verticalizada, ainda centrada na figura de determinadas pessoas, tende a ter uma governança de baixa complexidade; por outro lado, corporações profissionalizadas, hierárquicas, com estruturas de capitais desenvolvidas, por vezes com capital aberto ou financiamentos fortemente vinculados a investidores ou instituições externos, inclinam-se a um modelo robusto de governança, seja por decisão de negócio, seja por obrigação legal e/ou de mercado.
Por exemplo, um pequeno negócio pode implementar ferramentas de governança por meio de medidas simples, como a segregação do patrimônio e do capital pessoal dos sócios do caixa e ativos do negócio, a adoção do modelo tributário menos custoso, assim como a utilização de políticas que evitem danos à comunidade local na qual o negócio está inserido. Já em corporações de maior porte, a implementação de medidas sofisticadas de governança pode alavancar negócios e potencializar o crescimento da estrutura, como a instituição de conselho de administração, comitês de apoio e diretoria executiva, assim como a estruturação de mecanismos e relatórios de transparência contábil e financeira das operações e números do negócio, entre outras possibilidades ou obrigações legais.
Vale destacar que, nos últimos anos, um relevante conceito de sustentabilidade, conhecido pelo acrônimo ESG (environmental, social and governance), tem protagonizado as discussões acerca da condução de negócios no mundo. Independentemente do porte da corporação, a adoção e a implementação de medidas de responsabilidade socioambiental e de boas práticas de gestão são condições necessárias para o desenvolvimento dos negócios nos tempos atuais.
No agronegócio não é diferente. Independentemente da forma de exploração da atividade rural, quer como pessoa física ou jurídica, quer de forma individualizada ou em grupos familiares ou econômicos, e até mesmo do porte da produção, a adoção de medidas de governança tem se mostrado uma excelente catalisadora dos agronegócios e geradora de riquezas.
Produtores responsáveis e conscientes das demandas ambientais, da sociedade e das boas práticas de gestão vêm buscando implementar ferramentas, estruturas e conceitos de governança que não apenas facilitam a concretização de bons negócios, por meio da transparência e profissionalização da gestão, como também contribuem para um planeta mais sustentável e uma sociedade mais justa. Nesse sentido, a governança corporativa, quando bem implementada, gera uma situação de “ganha-ganha”, em que produtores, fornecedores, clientes, sociedade e governos obtêm benefícios múltiplos.
Nesse contexto, tanto pequenos produtores rurais como grandes grupos familiares e agroindústrias exportadores podem e, a depender do porte e do público consumidor, devem implementar medidas de governança corporativa, familiar e jurídica. Isso é fundamental para que haja espaço para o desenvolvimento e a perpetuação dos negócios no campo, da terra à mesa, no Brasil ou no exterior, sob pena de perda de mercados e receitas em função das demandas da sociedade, de desentendimentos e visões antagônicas de negócios entre familiares de mesmas ou diferentes gerações, do anacronismo na visão de mundo ou do “apagão” na gestão e na condução dos negócios.
Assim, nas cadeias produtivas do agronegócio, a elaboração, a implementação e o acompanhamento de determinadas medidas de governança corporativa, familiar e jurídica, independentemente das características e especificidades do negócio, podem ser a diferença entre a vida e a morte de estruturas com alto potencial produtivo e comercial. Ajustes de conduta e rota podem e devem ser realizados, e sempre é tempo para que as boas práticas de governança sejam implementadas. O que não pode é não fazer nada, sob pena de “a vaca ir para o brejo”.
*José David é advogado e consultor de agronegócios. Alumni (LL.M. Direito Tributário 2017) e cocoordenador do Comitê Alumni de Agronegócios. Contato: jose@josedavid.com.br.