Pós-graduação em Urbanismo Social chega à sua terceira edição reunindo alunos da esfera pública e privada, do terceiro setor e pessoas que nunca pisaram na academia
Michele Loureiro
Tendo iniciado suas aulas em fevereiro, a terceira edição do curso de pós-graduação lato sensu em Urbanismo Social do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, pioneiro no Brasil, busca, a exemplo das turmas anteriores, humanizar o acesso à informação no campo do direito à cidade. Por isso, além de contar com pessoas que já têm formação acadêmica anterior, como gestores públicos, agentes do terceiro setor e profissionais da iniciativa privada, essa pós também conta com alunos que nunca cursaram uma graduação. O Itaú Cultural é parceiro na organização do programa, que conta também com bolsas de estudo e de apoio para os estudantes oferecidas pelo Instituto Manu.
“Nossa ideia é incorporar perfis diversos, envolver e reconhecer as vozes de pessoas que nunca puderam fazer universidade, mas são referências importantes em iniciativas essenciais em seus locais de atuação. Queremos trazer essas experiências para dentro da academia e estabelecer um processo de trocas e saberes”, diz a professora Eliana Sousa Silva, coordenadora do curso, fundadora e presidente da ONG Redes da Maré, do Rio de Janeiro.
A nova turma conta com 34 alunos. A duração do curso é de um ano. São 400 horas de aulas, distribuídas por disciplinas que serão cursadas em módulos mensais. “O curso vem sendo aprimorado ao longo dos seus três anos de existência, sendo adaptado em função das demandas dos alunos. Desde o seu segundo ano, foi incluída uma disciplina, por exemplo, de escrita acadêmica, a fim de colaborar no processo de aprendizagem e prática da redação científica dos participantes”, afirma Eliana.
A ideia central dessa experiência na pós-graduação em Urbanismo Social é que os alunos possam contribuir para a implementação de políticas públicas e planos urbanos integrados em diálogo com moradores das comunidades que mais demandam por direitos. O programa tem o foco em práticas de gestão e intervenção urbanas inovadoras, em regiões da cidade que mais demandam serviços públicos.
O curso adquire, nesta terceira edição, ainda mais importância no contexto político do Brasil. “Estamos em um ciclo diferente, no momento, em que há mais perspectiva de pensar no enfrentamento da desigualdade social. Existe uma pauta mais aderente às questões de acesso aos serviços e de políticas públicas”, comenta Eliana.
O Urbanismo Social atua diretamente na reflexão e na criação de possibilidades de enfrentamento das desigualdades de viver na cidade. O trabalho na pós do Insper busca contribuir na formação de profissionais e cidadãos que possam atuar nesse campo. Quanto mais pessoas pensarem no modo como a cidade está organizada e que é direito de todos usufruírem dela, melhor para toda a sociedade.
Com estudantes espalhados pelo Brasil, o curso acaba sendo um ponto de encontro de realidades distintas – mas que no fundo se conectam pelas dificuldades. A ideia da pós, além de, claro, oferecer conhecimento acadêmico, é justamente ser um espaço de troca de boas práticas.
Para a aluna Evelin Mello da Costa, 29 anos, de Campo Grande (MS), fazer o curso era um desejo antigo. “Faz dois anos que tento entrar e ter conseguido uma bolsa é um sonho. Essa oportunidade é única e quero aprender cada detalhe, para somar e levar transformação para o meu estado”, diz ela.
Moradora da mesma periferia onde nasceu, cresceu e foi criada pelos pais, Evelin lida com as desigualdades sociais diariamente. Para a estudante, se formar como engenheira na Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp) era uma possibilidade de mudança. “Iniciei o sonho de me tornar engenheira civil para levar dignidade por meio da minha profissão. Em 2018, me tornei empreendedora social fundando a Digna Engenharia Social. Atuo há 6 anos com reformas habitacionais para comunidade em situação de insalubridade”, explica.
Outra aluna, Jadiane Mendes de Morais, 33 anos, de Salvador (BA), acredita que a educação seja um portal para mais dignidade e diz que a possibilidade de estudar é um presente de seus ancestrais. Moradora da periferia baiana, ela é neta de uma família quilombola, filha de pais que tiveram poucas oportunidades, mudaram-se do interior da Bahia para a capital e realizaram trabalho braçal ao longo da vida.
“Estar em espaços nunca pensados é um desafio. Toda minha jornada jamais me pareceu como espaço concedido para transitar livremente. Trata-se de um espaço conquistado com duplas jornadas, renúncias, dificuldades e sonhos coletivos, sustentados por muitas mãos”, afirma Jadiane.
Ela fez Serviço Social na Universidade Federal da Bahia, conquistou o diploma de sanitarista na Escola de Saúde Pública da Bahia e foi aprovada no mestrado de Política Social e Territórios na Universidade Federal do Recôncavo Baiano.
Atualmente, Jadiane atua no gerenciamento e na fiscalização de projetos de esgotamento sanitário em municípios da Bahia subsidiados pelo novo Marco Legal do Saneamento Básico, além de ser docente voluntária no Coletivo Residência Preta.
Com o curso de Urbanismo Social do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, Jadiane diz que o objetivo é ampliar o conhecimento para propor soluções urbanas e promover intervenções inovadoras com tecnologias sociais visando o desenvolvimento de territórios, em especial os que historicamente foram vulnerabilizados. “Além disso, espero me conectar com outras histórias, pessoas e territórios. A oportunidade da concessão da bolsa já tem sido um ampliar de horizontes. A ponte Bahia e São Paulo agora se revela um terreno fértil de produções, conexões e narrativas.”