A demanda chinesa deu impulso ao crescimento do agro brasileiro e os dois países se tornaram parceiros estratégicos ao longo das últimas duas décadas. Como essa relação vai caminhar no futuro?
Leandro Gilio, pesquisador sênior do Insper Agro Global
Nos próximos dias, está programada a visita de uma grande comitiva do Brasil à China, com a presença do alto escalão do governo e de empresários brasileiros. O objetivo principal da viagem é o estreitamento comercial e diplomático entre os dois países. Nessa missão, o agronegócio será o setor econômico com maior representação, com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, a equipe técnica do Ministério e mais de 100 empresários de diferentes atividades no setor.
A dimensão e a importância dos nomes que integrarão a comitiva indicam a prioridade dessa visita para o governo brasileiro, refletindo diretamente a dimensão que a China ganhou na pauta de exportações do país ao longo das últimas duas décadas: os embarques totais brasileiros para a China[1] cresceram de US$ 1,1 bilhão em 2000 para US$ 89,5 bilhões em 2022, em valores correntes. Para o agro, os números subiram de US$ 561 milhões em 2000 para US$ 50,7 bilhões em 2022 — um impressionante crescimento de 22,7% ao ano ao longo desse período.
A China tornou-se nosso principal parceiro de comércio exterior (34% das exportações brasileiras do agro têm como destino o país asiático), ao passo que o Brasil também passou a ocupar a posição de segundo maior fornecedor de produtos alimentares à China, atrás apenas da União Europeia (representando 14% do total das importações chinesas no setor), ultrapassando os Estados Unidos a partir de 2018, quando as relações sino-americanas se tornaram mais delicadas devido às tensões de uma guerra comercial.
A parceria comercial do Brasil com a China cresceu rapidamente em resultados, mesmo sem avanços em acordos comerciais formais — existe uma parceria estratégica assinada em 1993, mas que avançou pouco. O relacionamento entre as duas nações ocorre de maneira pragmática, pelo encontro da oferta brasileira de produtos como soja, celulose, carnes, açúcar e algodão, com a demanda emergente do país asiático.
O grande crescimento das manufaturas e da população urbana chinesas, a partir do governo de Deng Xiaoping na década de 1970, ocorreu concomitantemente ao início da revolução agrícola da agricultura brasileira, que envolveu investimentos em pesquisa, tropicalização de culturas e um movimento de expansão territorial e de produtividade rumo ao centro-oeste. Nos anos 2000, com esses dois processos em fase de consolidação, houve então o forte crescimento do fluxo de comércio entre as duas nações.
A China puxou pelo lado da demanda o aumento da produção da soja brasileira, e a rebote incentivou o crescimento das produções de algodão e milho, produtos que se expandiram principalmente como culturas de segunda safra em áreas de soja e que vêm evoluindo ano a ano em embarques para China. Já os envios de carnes crescem com a evolução da renda per capita chinesa e o aumento do consumo de proteínas. Destaca-se também que, além de ser hoje a principal parceira comercial, a China se tornou uma das mais importantes fontes de investimento estrangeiro no agronegócio brasileiro.
Lançando o olhar sobre o futuro, alguns desafios vêm se desenhando. O primeiro deles se relaciona ao arrefecimento do crescimento da China – em 2022 o país teve um dos desempenhos mais fracos da década, com o avanço do PIB de apenas 3% (veja mais aqui). A China deve, em 2023, se recuperar ao patamar de 5% de alta no PIB, mas este valor ainda é abaixo do crescimento médio verificado na década passada. Outra questão desafiadora é a geopolítica, com o alinhamento de Xi Jinping com Vladimir Putin e a disputa de poder e influência entre os EUA e a China. As tensões sobre Taiwan também têm se elevado, com o temor de uma invasão por parte da China. O Brasil, de modo geral, tende a manter uma posição de neutralidade diplomática diante de conflitos, evitando problemas de ordem comercial. No entanto, um acirramento global pode se reverberar em desequilíbrios significativos.
Diante desse cenário futuro nebuloso, compreende-se a preocupação do governo e de entidades empresariais com o futuro da relação Brasil-China, conforme destacado no início deste texto. A relação entre os dois países é importante, mas principalmente para o lado brasileiro, dado o nosso grau de dependência em relação ao país asiático. É essencial que se mantenha o bom relacionamento com os chineses, mas também é estratégico que nosso país busque a diversificação de destinos e produtos, de modo que o agro brasileiro fique menos exposto a “importar” crises e conflitos externos.
[1] As exportações para a China desse texto compreendem a soma de exportações para China e Hong Kong.