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Consciência social e luta por direitos para combater o racismo

Para Rodolfo Avelino, professor do Insper, datas como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial devem, além de provocar a reflexão, marcar a importância do ativismo negro

Rodolfo Avelino

Para Rodolfo Avelino, professor do Insper, datas como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial devem, além de provocar a reflexão, marcar a importância do ativismo negro

 

Bárbara Nór

 

Há mais de 50 anos, no dia 21 de março de 1960, milhares de pessoas negras na África do Sul decidiram protestar contra a chamada Lei do Passe, que instituía um cartão de identificação para pessoas negras com a lista de locais aonde poderiam ir. O país vivia então o apartheid, regime de segregação racial que vigorou de 1948 a 1994 e que restringia o acesso da população negra a uma série de espaços e direitos, inclusive o direito ao voto e à educação e saúde.

A resposta do governo sul-africano ao protesto foi violenta: cerca de 180 pessoas ficaram feridas e pelo menos 69 foram mortas. Conhecido como o Massacre de Sharpeville, o evento foi escolhido pela ONU para marcar o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, celebrado desde 1966.

“Essa data do dia 21 de março é muito simbólica para a gente”, diz Rodolfo Avelino, professor de tecnologias hackers, cibersegurança e computação em nuvem no Insper. Para ele, mais do que lembrar da importância do combate à discriminação, datas como essas lembram também o papel da luta das pessoas negras na conquista de direitos. “Sou a favor dessas datas que nos permitem conhecer a história desse momento e refletir a respeito.”

Avelino, inclusive, chegou a visitar a África do Sul no ano passado — uma das experiências mais marcantes de sua vida. “Pude conhecer esse espaço muito simbólico para a nossa comunidade e ver um pouco de como as coisas aconteceram. Foi bem pesado e impactante”, diz. “Se não tivesse tido momentos de luta como esse [do Massacre de Sharpeville], talvez eu não tivesse tido a oportunidade de ter a formação e conquistas que tive.”

 

A importância da educação

A valorização da luta por direitos e por mais igualdade, aliás, vem de família: vindo de uma região periférica de São Paulo, na Zona Leste, Avelino conta que seus pais apostavam na consciência social e na educação para que os filhos pudessem ter uma vida diferente. “Como é a realidade de muita gente, minha família não tinha muita instrução acadêmica, quase sempre tendo que trabalhar em funções mais simples e braçais”, conta. “Meus pais entendiam que só com o estudo teríamos uma vida diferente, e desde cedo convivi muito com uma educação voltada para questões de direitos humanos e sociais.”

Foi assim que ele começou a sua trajetória — depois de estudar a vida toda na rede pública, Avelino entrou no ensino técnico estadual, onde se formou como técnico em eletrônica, área em que trabalhou durante 10 anos. Nesse meio tempo, chegou a começar uma faculdade de Engenharia Eletrônica — mas não pôde concluir a graduação por não ter como pagar a mensalidade. A retomada dos estudos viria no final dos anos 1990, quando ele se viu diante de um mercado cada vez mais restrito. Isso porque, com a abertura de mercado, que facilitou a venda de produtos importados no Brasil, as indústrias nacionais, seus principais clientes, sofreram o impacto. “Perdemos muitas empresas, como Sharp, Gradiente e Sanyo”, diz Avelino. “Comecei a olhar para o outro lado e ver o que eu poderia fazer.”

De volta à graduação, Avelino escolheu o curso de Sistemas de Informação, área da qual ele já se sentia mais próximo por seu trabalho com eletrônica. Em seguida, o gosto pela educação e o interesse por pautas sociais que vinham desde cedo se traduziram para pós-graduações, como um mestrado em Comunicação Social e um doutorado em Ciências Humanas e Sociais. “Tudo isso contribuiu muito para que eu tivesse uma visão crítica da tecnologia, e conseguisse pautar questões como tecnologias livres e a questão da privacidade de dados.” Uma de suas linhas de pesquisas, por exemplo, trata de como tecnologias como a inteligência artificial acabam reproduzindo mecanismos de discriminação racial, presente na comunicação digital e no viés de algoritmos.

Para ele, foi essa combinação única que o permitiu acessar espaços como o próprio Insper. “Ter essa visão me permite como circular como profissional técnico, mas que consegue dialogar com outas áreas. Isso foi um diferencial para eu entrar no Insper”, afirma. “Ter essa oportunidade de estar aqui e pautando questões sociais e tecnológicas para contribuir, de certa forma, para a formação dos jovens aqui dentro é muito importante para mim.”

 

Muito ainda a avançar

No entanto, se sua própria trajetória é de conquistas, para Avelino, ainda falta muito para que a sociedade possa avançar na inclusão de grupos minorizados, como pessoas negras, mulheres e de baixa renda. “Temos a legislação que tenta colocar no currículo formativo questões de ética e de discriminações, mas esses temas não são tão levados a sério na maioria das instituições”, critica. “Ainda existe, de forma geral, uma ideia de que a desigualdade não existe.”

Além das políticas afirmativas, importantes para a inclusão de pessoas negras em espaços como universidades e grandes empresas, defende Avelino, é importante que as diferenças sejam levadas em conta para que a inclusão possa existir. Para ele, políticas que se pretendem universais, como de educação ou saúde, por exemplo, nunca irão atender, de fato, a todos. Para ser efetivas, elas precisariam dar conta de diferenças como as de gênero e racial e das necessidades específicas de cada grupo.

O senso de pertencimento é outro desafio. Não raro, ambientes de elite como universidade e grandes empresas acabam sendo excludentes com públicos de diferentes origens sociais, algo que acaba não sendo percebido por quem não sofre preconceito diretamente. “O convívio de pessoas, sobretudo periféricas, em uma região que é o coração do mercado brasileiro, como a Faria Lima, é muito difícil ainda”, diz. “É um choque muito grande, e a sociedade ainda não sabe lidar tão bem com as diferenças — e não é uma questão particular de São Paulo.”

Ele mesmo conta que, apesar de já ter chegado aonde chegou — e ter sido o primeiro em sua família a fazer uma pós-graduação —, a luta ainda é constante. Não à toa, além de fazer parte da Comissão de Diversidade, Equidade e Inclusão no Insper, Avelino é membro de uma entidade social no qual ele se envolve em discussões quanto à formulação de leis e participa de projetos de inclusão digital. “Todo dia sinto a discriminação em todos os lugares”, afirma. “Hoje existem mais pessoas interessadas em entender a questão, entender de onde venho, mas ainda há muito a se conquistar.”

 

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