Se começarmos a nos ater a relações do mundo virtual, onde os problemas e questionamentos são resolvidos no relacionamento homem-máquina, que tipo de sociedade vamos construir?
Renata Frischer Vilenky*
Vivemos em um momento histórico da humanidade. Novas tecnologias aparecem todos os dias com a promessa de mudar a vida na terra, fazer desaparecer várias profissões, trazer novas oportunidades, viabilizar vários gurus que oferecem a visão do futuro e todas as respostas de que precisamos. Será?
O ChatGPT é mais uma das tecnologias de inteligência artificial que trazem várias dessas profecias da atualidade, mas gosto de retirar os extremos e entender como podemos aplicar essa tecnologia no cotidiano para facilitar nossa vida e descobrir novas oportunidades, além de entender suas limitações.
O ChatGPT-4 é um algoritmo de IA, baseado em uma rede neural chamada Transformer, cujo benefício é entender contextos, falas, imagens e textos escritos em linguagem natural, oferecendo a facilidade de aplicação da ferramenta junto a várias profissões:
- Se você trabalha com blogs de geração de conteúdo, pode integrar o ChatGPT-4 ao seu blog, otimizando tempo e aumentando sua capacidade de produção;
- Se você precisa de imagens para e-commerce, mídias sociais ou apresentações, pode usar o ChatGPT-4 para gerar esse material oferecendo-lhe a riqueza de detalhes das imagens que precisam ser criadas, potencializando o resultado final esperado, com uma redução do custo de produção;
- Se você precisa construir códigos das mais diversas linguagens, também pode acelerar sua produção, solicitando pedaços de códigos ao ChatGPT-4, integrando suas APIs a sua aplicação, ou ainda usando-o para construções inteiras de uma solução que deseja testar como MVP para avaliar os resultados, antes de apresentar uma proposta para seu gestor ou seu cliente.
Mas é claro que nem tudo são flores. Existem limitações e riscos importantes a ser considerados:
- A base que o ChatGPT-4 usa para processar e compilar informações acaba em 2021. Portanto, já existem informações desatualizadas;
- Se você começa a integrar sua aplicação com o ChatGPT-4 pelo baixo custo e se acomoda no modelo, amanhã, se esse custo se tornar inviável, você pode inviabilizar seu negócio ou ter um custo altíssimo para reestruturá-lo;
- Como é possível gerar qualquer imagem, informação ou vídeo usando o algoritmo, existe um risco muito alto de fraudes de diversas naturezas;
- Ainda não existe um política pública ou uma regulamentação mundial sobre o uso da ferramenta e, como toda tecnologia que traz muitas possibilidades, é sempre importante criar regras de utilização para combater o mau uso.
Agora existem questões interessantes para refletir:
- Há muito pouco tempo falamos que analista de dados seria uma das profissões do futuro. Com ChatGPT-4, será que qualquer pessoa não pode analisar dados, simplesmente fazendo perguntas para a ferramenta e obtendo as respostas, de forma crítica? Quantas outras profissões tidas como “do futuro” podem estar nessa mesma situação?
- Existe todo um questionamento sobre direito autoral, mas, num mundo tão volátil e etéreo, qual é a real importância do direito autoral? Será que não podemos pensar em novos modelos de remuneração e reconhecimento das descobertas e produções, tendo em vista que, com o tempo, essas criações poderão ser melhoradas, modificadas ou até desmaterializadas?
- Fomos acostumados a um mundo onde temos sempre que ter resposta para tudo. Será que esta facilidade da tecnologia não pode incentivar a grande maioria das pessoas a se tornarem mais preguiçosas e, consequentemente, lerem menos, estudarem menos por entenderem que já conseguem responder tudo que precisam perguntando para uma ferramenta?
- No SXSW, evento de música, arte, entretenimento e tecnologia que aconteceu em março no Texas, o próprio fundador da OpenAI, que construiu o ChatGPT-4, levantou uma questão muito importante: será que o uso de uma ferramenta em linguagem natural, com tantas facilidades para conversação humana, não pode impactar a construção de intimidade entre as pessoas? Somos seres sociais — um toque, um abraço, um aperto de mão fazem parte das construções das relações humanas. A partir do momento em que nos isolamos e começamos a nos relacionar com uma máquina, quanto podemos afetar a construção da nossa humanidade?
Talvez a maior reflexão que o ChatGPT-4 pode nos trazer é se, de fato, somos capazes de praticar o que estamos falando atualmente. Falamos de responsabilidade social, ambiental, econômica e de governança, e todas essas falas mencionam a prática da empatia, do respeito, da construção de relações saudáveis, da transparência, da equidade, da colaboração, da estruturação de processos, da responsabilidade e resolução de problemas complexos. Mas talvez um dos fatores que mais podem ajudar nessa construção seja a confiança e a credibilidade que tendem a ocorrer com o convívio entre as pessoas.
Se começarmos a nos ater apenas a relações do mundo virtual, onde a credibilidade está atrelada a falas e escritas na rede social e onde os problemas e questionamentos são resolvidos no relacionamento homem-máquina, que tipo de sociedade vamos construir? O que é realmente verdadeiro e o que é discurso para uma enorme plateia de desconhecidos? Precisamos avaliar se, de fato, estamos construindo o mundo que queremos para as próximas gerações.
Porque é a ação do presente que entrega o futuro do qual tanto falamos. Sejamos honestos conosco para oferecer bons exemplos a quem virá depois de nós!

* Renata Frischer Vilenky é alumna Insper do MBA de Administração da turma de 2008, coordenadora do Grupo Alumni de Tecnologia e membro da Academia Europeia da Alta Gestão. É conselheira de estratégia e inovação e mentora de projetos de inclusão social no Instituto Reciclar e na ONG Gerando Falcões. É autora dos e-books Artificial: Uma Oportunidade para Você Aprender e Startup: Transforme Problemas em Oportunidades de Negócio, ambos publicados pela Expressa Editora.