90 anos após a conquista do voto feminino no Brasil, ainda há muito que fazer para ampliar a representação política das mulheres
Graziela Tonin*
O voto feminino no Brasil completou 90 anos. Foi em 24 de fevereiro de 1932, durante o governo de Getulio Vargas, que esse direito foi instituído pelo Código Eleitoral Provisório, ainda com restrições — ficaram aptas a votar apenas mulheres casadas, com a autorização dos maridos, ou, se solteiras, que tivessem renda própria. Assim, no primeiro pleito após o estabelecimento dessa lei, em 3 de maio de 1933, apenas 20 mulheres compareceram para votar na eleição para a Assembleia Nacional Constituinte. A regra discriminatória em função de gênero só deixou de vigorar com o Código Eleitoral de 1965.
Na maioria dos países, até o início do século 20, o voto era considerado um direito exclusivo dos homens. Ao que consta, o voto feminino só foi autorizado na Nova Zelândia (1893) e depois na Finlândia (1906). Na América Latina, o Equador foi o primeiro país a autorizar o voto das mulheres (1929).
No Brasil, embora a Constituição de 1891 não proibisse explicitamente as mulheres de votar, na prática, esse ato não era considerado permitido para elas. Antes de 1932, muitas mulheres que ingressaram com pedido judicial para obter autorização de votar tiveram suas solicitações negadas no país.
O Rio Grande do Norte, em 1927, aprovou uma lei que não permitia “distinção de sexo” no sufrágio. Assim, em 1928, a professora Celina Guimarães Viana registrou-se como eleitora e foi a primeira brasileira a votar no país, de acordo com os registros oficiais.
Esse importante conquista foi resultado das lutas por direitos civis, políticos e sociais, em conjunto com os movimentos sufragistas (no final do século 19 e início do 20), que trouxeram para o debate a necessidade do voto feminino. Alguns homens engajaram-se na causa, entre eles o advogado, jornalista e político Juvenal Lamartine de Faria (1874-1956), que, durante a discussão de uma nova lei eleitoral estadual, solicitou ao Congresso do Rio Grande do Norte que ficasse claro que ambos os sexos teriam direito a voto.
Atualmente, as mulheres representam 51% da população e 53% dos eleitores no Brasil. Elas respondem por 46% dos filiados em partidos políticos, mas por apenas 34% das candidaturas políticas e por 18% das eleitas no Congresso Nacional. A proporção de mulheres candidatas e eleitas tem crescido nos últimos anos, o que é uma importante conquista, mas insuficiente para que haja um debate justo e igualitário sobre os temas pautados, discutidos e decididos no país.
Os direitos dessa parte da população ficam à mercê e reféns de decisões guiadas por aqueles que não têm conhecimento de causa. Muitas vezes baseadas em uma análise superficial, outras motivadas por vieses culturais, ideológicos e religiosos, com impactos humilhantes e catastróficos sobre a vida e o futuro de meninas e mulheres.
Em 19 de setembro de 2022, 30 mulheres em 28 países atuavam como chefes de Estado ou de governo. Nesse ritmo, a igualdade de gênero nas mais altas posições governamentais não será alcançada nos próximos 130 anos, e não há chance de a paridade de gênero nos órgãos legislativos nacionais ser alcançada antes de 2063. Apenas cinco países no mundo têm 50% ou mais de mulheres no Parlamento. E mais de dois terços dos países que atingiram ou ultrapassaram a fatia de 40% de mulheres (um total de 27 países) o fizeram por meio de políticas de cotas.
Muitos são os desafios que as mulheres ainda enfrentam caso queiram concorrer a um cargo político. Precisam superar os ambientes hostis e desrespeitosos, desde o momento em que pretendem se candidatar até o momento do exercício da função política. Os partidos políticos, em sua maioria, são liderados por membros do gênero masculino que têm se perpetuado no poder por meio de investimento e troca de favores com seus pares, em sua maioria do mesmo gênero. O poder da decisão estratégica, de distribuição de recursos e da abrangência eleitoral perpetuam em suas mãos por gerações. Este é, ainda, o ambiente predominante em muitos dos partidos de nosso país. É uma situação que não contribui para que mais mulheres se elejam, ou quiçá as motive a participar e a pleitear cargos políticos.
Além do viés dos partidos e do ambiente, há estudos que mostram que as mulheres são menos encorajadas a buscar um cargo político (Fox e Lawless, 2004). Outro estudo (Folke e Rickne, 2020), realizado na Suécia, aponta que mulheres que assumiram cargos políticos mais altos, como o de prefeitas, têm probabilidade maior de se divorciarem do que os homens. Ou seja, um maior impacto na vida pessoal e familiar pode desestimular as mulheres a entrar ou a continuar na política. Outro estudo (Sauvagna, 2019) analisou os votos recebidos por uma mesma candidata em diferentes seções eleitorais dentro de um distrito. A investigação concluiu que, em cidades onde prevalecem atitudes tradicionais em relação a papéis de gênero, a votação em mulheres tende a ser menor e pode ser interpretada como um viés que interfere na eleição de mais mulheres.
É fundamental que mais mulheres passem a ocupar cargos de liderança e poder, que pautam, direcionam e priorizam os projetos, investimentos e temas fundamentais para a nação, moldando as sociedades.
Muitos são os ganhos para a sociedade como um todo com o aumento da participação de mulheres nos processos de tomada de decisão. Por exemplo, para termos nações mais pacíficas e que valorizem o diálogo, priorizando áreas como saúde, igualdade de gênero e de raça, qualidade de vida, temas familiares (exemplo: aumento de cobertura de creches) e um mundo mais sustentável (veja mais aqui).
Em suma, democracias fortes, seguras e prósperas, bem como sociedades independentes, dependem da liberdade, do empoderamento feminino e da igualdade de gênero.
* Graziela Tonin é doutora em Ciência da Computação pela Universidade de São Paulo, na área de Engenharia de Software, Dívida Técnica e Metodologias Ágeis. Ela leciona a disciplina Projeto Ágil e Programação Eficaz no curso de Ciência da Computação do Insper.