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Heranças das religiões de matriz africana ganham destaque no Carnaval

Mesmo pessoas que cultivam outras crenças recebem influência da cultura afro-brasileira. É mais um motivo para não se admitir a intolerância religiosa

Mesmo pessoas que cultivam outras crenças recebem influência da cultura afro-brasileira. É mais um motivo para não se admitir a intolerância religiosa

 

Michele Loureiro

 

Todos os anos, milhões de brasileiros e pessoas em várias partes do mundo celebram a chegada do Carnaval. Há quem diga até que, em nosso país, o ano só começa de fato após as festas, danças e músicas carnavalescas. O que pouca gente se dá conta é que os traços da comemoração trazem na bagagem muitos aspectos das religiões de matriz africana.

Segundo o professor Thales Graça Athanásio, membro da Comissão de Diversidade, Equidade e Inclusão do Insper, religiões como o candomblé, a umbanda, o batuque e o xangô possuem enorme importância para o Brasil e são fundamentais para a preservação e a transmissão das tradições e dos conhecimentos ancestrais africanos, que foram perdidos ou suprimidos durante a escravidão. “Elas influenciam a música, a dança, a culinária, a literatura e as artes em geral”, diz Athanásio.

Maracatu, afoxé e jongo são alguns exemplos de gêneros musicais influenciados pelas religiões de matriz africana. Mas, provavelmente, o mais famoso seja o samba, que ganha destaque no Carnaval.

“É inegável que a música brasileira sofre influência direta e constante das religiões africanas. O ritmo e a percussão tornam isso explícito. O samba tem forte influência do candomblé e da umbanda, com seus tambores, atabaques e agogôs”, diz o professor.

E se o samba é a “espinha dorsal da maioria dos gêneros no Brasil”, não se pode esquecer de vários ritmos que bebem dessa fonte. O samba foi se reinventado ao longo dos anos e é mais do que um gênero musical — é também um movimento de resistência à opressão racista. “O jornal britânico The Guardian disse no ano passado que ‘Samba é política’. Se o samba é oriundo das religiões que têm sofrido tanto pela intolerância é natural que ele seja também um movimento de resistência”, afirma Athanásio.

 

Thales Graça Athanásio
O professor Thales Graça Athanásio

Os desdobramentos do samba

Há muitos desdobramentos do samba, como samba-rock, bossa nova, samba de roda e samba-enredo. “Esse último termo faz a ponte direta entre o que se entende por Carnaval hoje e como ele também está associado a essas religiões de matriz africana. Essa celebração, que acontece em fevereiro ou em março e cuja origem é discutida, se dá de maneiras diferentes no país, mas em todas o Carnaval acaba trazendo várias características africanas”, diz o professor.

Um dos epítomes disso é o afoxé Filhos de Gandhy, um dos mais tradicionais do Carnaval de Salvador. Foi fundado em fevereiro de 1949, um ano após a Declaração dos Direitos Humanos, e é característico pelas vestimentas, por manter a tradição da religião africana na potência rítmica do agogô nos seus cânticos de ijexá na língua Iorubá e pelas mensagens de paz inspiradas em Mahatma Gandhi.

Outro ícone desse movimento é Clementina de Jesus, que nasceu em fevereiro de 1901. Ela foi criada em uma família ligada ao Candomblé e se tornou uma cantora que ganhou destaque por sua interpretação de músicas de origem afro-brasileira e por sua contribuição para a valorização da cultura afro-brasileira. Assim, trata-se de mais uma pessoa, uma mulher, um movimento de difusão da cultura negra e de luta contra o preconceito racial.

Ainda há outras vertentes dos impactos das religiões de matriz africana nos dias de hoje. “Poderíamos falar da culinária como o vatapá, o caruru, o dendê e o gengibre; da literatura com ‘Quarto do despejo’ e o ‘Genocídio do Negro Brasileiro’; das artes visuais com as obras de Mestre Didi e as fotos de Pierre Verger; do teatro com o trabalho feio pelo Bando de Teatro Olodum”, cita Athanásio.

Por isso, mesmo aqueles que não seguem as religiões de matriz africana carregam vestígios culturais produzidos por elas, uma vez que estes estão arraigados em diversos aspectos da cultura brasileira. Esse é mais um motivo para não se admitir a intolerância religiosa. “Lutar contra essas religiões, atualmente, é lutar um pouco contra si mesmo”, afirma Athanásio.

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