Em seminário promovido pelo Insper, MIT Center for Real Estate e Lincoln Institute, especialistas discutiram como o planejamento urbano pode ajudar as cidades a estarem mais preparadas para desastres naturais
Bruno Toranzo
As cidades no Brasil e em um sem-número de outros países têm sofrido os efeitos do aquecimento global, com temperaturas cada vez mais altas e tempestades intensas. No começo de novembro, vários bairros de São Paulo ficaram alguns dias sem energia por causa de um temporal, com ventos de até 100 quilômetro por hora — equivalentes aos dos ciclones —, que causaram a queda de centenas de árvores, atingindo a rede elétrica. Em 2018, de acordo com um estudo das Nações Unidas, envolvendo 1.146 maiores cidades do mundo, 679 — ou 59% — estavam em risco elevado de sofrer um dos seis tipos de desastre natural. Quatro deles são causados ou exacerbados por eventos ligados às mudanças climáticas: ciclones, inundações, secas e deslizamentos de terra. Apenas erupções vulcânicas e terremotos, que completam a lista dos seis desastres, são relativamente independentes das mudanças do clima. Para que as cidades sejam mais capazes de enfrentar esses eventos extremos e possam contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono dos automóveis, o plano diretor ocupa um papel central.
No seminário internacional Climate Resiliency and Low-Carbon Accessibility, realizado no fim de outubro pelo Insper em parceria com o MIT Center for Real Estate e com o Lincoln Institute, foram apresentados estudos sobre como coordenar políticas de habitação e mobilidade para promover um desenvolvimento urbano compacto mais equitativo, sustentável e resiliente. Coordenada por Adriano Borges Costa, professor do Insper e pesquisador-líder do Laboratório Arq.Futuro de Cidades, a programação do evento foi composta pelo chamados “Evidence Talks”, com participações de pesquisadores, e por sessões “Policy Panel”, em que gestores públicos e privados debateram as implicações dos estudos para o campo das ações concretas em políticas públicas.
“Edifícios e transporte são responsáveis por algo entre 55% e 75% das emissões de CO2 nas cidades. Além disso, entre 60% e 70% das perdas econômicas relacionadas às mudanças climáticas ocorrerão em cidades. O plano diretor define a cidade que queremos, bem como as diretrizes e os instrumentos do planejamento urbano para atingir nosso sonho urbano. Buscar uma cidade resiliente às mudanças do clima começa por colocar tais objetivos como prioritários no plano diretor”, diz Costa, que também atua como coordenador do Núcleo de Economia Urbana e Dados do Laboratório e coordenador adjunto do Núcleo de Mobilidade. “A forma como nos deslocamos e o modo como vivemos precisam ser repensados para buscarmos uma cidade de baixo carbono, pois elas são grandes responsáveis e afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas.”
“O plano diretor deve priorizar o incentivo ao desenvolvimento de novas zonas econômicas, com fomento ao uso misto das áreas, obrigando a utilização de fachadas dos edifícios residenciais com lojas e serviços no térreo e gerando assim empregos, além de permitir o adensamento nos locais de transporte público de qualidade, por meio da verticalização com novos prédios”, diz Sérgio Avelleda, coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório e que mediou um dos painéis. “O que deve ser também estimulado é a construção de moradias para os trabalhadores onde estão os empregos. O poder público precisa comprar áreas e construir habitações nessas regiões, como é o caso do centro de São Paulo”
De acordo com Avelleda, o uso do automóvel deve ser restringido nos planos diretores. A regra de limitação da garagem nos edifícios residenciais construídos próximos às vias dotadas de transporte público, como estações de metrô ou de trem e corredores de ônibus, atende a esse propósito de desestimular a utilização do automóvel. “A maior parte das viagens de carro é feita por uma pessoa apenas. Muitas delas são dispensáveis, já que, para pequenas distâncias, é possível caminhar ou pedalar”, observa Avelleda. “Daí a importância de contar com calçadas mais seguras e variedade de ciclovias com manutenção constante. A meta deve ser restringir as viagens por automóveis, incluindo os elétricos, mesmo porque esses últimos ocupam, assim como os movidos a combustíveis fósseis, muito espaço nas ruas e avenidas.”
A ideia de justiça climática, reconhecendo que os impactos das mudanças no clima são mais severos para os grupos vulneráveis, tem se fortalecido nas discussões globais. A COP28, realizada em Dubai entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro, abordou, assim como no ano passado, formas de mitigar esses efeitos nos países pobres e em desenvolvimento.
“A justiça climática precisa ser contemplada também no planejamento urbano, por meio do plano diretor e de outras políticas públicas, com ações voltadas para proteger essas pessoas vulneráveis e integrá-las de forma sustentável à vida nas cidades. O trabalho tão distante da moradia, consumindo horas diárias da vida dos cidadãos, vai na contramão desse objetivo”, analisa Costa.
“O mérito do seminário foi trazer visões diversas sobre políticas públicas voltadas para reduzir a emissão de carbono. As cidades são as grandes responsáveis pela carbonização, com o transporte respondendo por mais de 60% das emissões de gases de efeito estufa”, afirma Avelleda. “O uso do solo é igualmente relevante para que as pessoas não precisem se deslocar tanto para trabalhar. Uma linha de metrô deve ser entendida como uma nova centralidade econômica, promovendo, ao mesmo tempo, moradia e trabalho ao redor das estações”, finaliza.