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O que preocupa o agronegócio no debate do marco temporal

Rejeitar a tese sobre demarcação de terras indígenas tem sido visto como fator de insegurança jurídica que poderá prejudicar investimentos no setor

Rejeitar a tese sobre demarcação de terras indígenas tem sido visto como fator de insegurança jurídica que poderá prejudicar investimentos no setor

Indígenas acompanham votação do marco temporal no STF
Indígenas acompanham votação do marco temporal no STF

 

Victor Martins Cardoso, assistente de pesquisa do Insper Agro Global

 

Em setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu rejeitar a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, por 9 votos a 2. O caso, que começou a ser deliberado em agosto de 2021, julgava a tese de que apenas poderiam ser demarcadas terras que já estavam sendo ocupadas por indígenas até o dia 5 de outubro de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.

A decisão tomada pelo STF pode ser considerada uma vitória da causa indígena, que defende que a posse histórica de uma terra não pode estar vinculada ao fato de um povo tê-la ocupado até a data de promulgação da atual Constituição. Tal fato se justifica porque muitas comunidades são nômades e outras tantas foram historicamente retiradas de suas terras.

O Senado Federal buscou dar uma resposta ao tema, aprovando o projeto que regulamenta os direitos dos indígenas sobre suas terras (PL 2.903/2023). Com 43 votos a favor e 21 contrários, o projeto apresentava em um dos dispositivos a permissão de demarcar novos territórios indígenas apenas nos espaços que estavam ocupados até a data  da assinatura da Constituição — o que seria exatamente a tese do marco temporal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acabou sancionando o projeto, aprovado como Lei (14.701/2023), mas com 34 vetos, incluindo o dispositivo relativo à tese. O Congresso poderá manter ou derrubar os vetos presidenciais.

De qualquer forma, o caso tem gerado grande repercussão na sociedade e, principalmente, no âmbito do agronegócio. Entidades e agentes do setor vêm criticando o não estabelecimento do marco temporal devido à instabilidade jurídica que isso poderia causar a diversos produtores do país, com o risco de expropriação de terras já ocupadas há seculos e que hoje são unidades produtivas. Como consequência, haveria prejuízos econômicos e sociais decorrentes de ações de desapropriação, assim como a instabilidade sobre o direito de propriedade poderia afastar novos e futuros investimentos.

No entanto, há que se ponderar dois aspectos. Primeiramente, o processo de desapropriação não é simples e requer que a razão de utilidade ou necessidade pública, ou de interesse social, seja bastante fundamentada. Outro aspecto é a previsão de indenização aos produtores das terras que seriam desapropriadas, levando em conta o valor da terra e as benfeitorias realizadas. Ou seja: embora a derrubada da tese do marco temporal eleve o grau de insegurança para alguns produtores, desapropriar terras não é um processo simples e há pouca possibilidade de que a rejeição da tese resulte em um movimento intensivo de desaproprieações de terras rurais no Brasil.

Mas é importante destacar que previsibilidade e estabilidade das leis e instituições são fundamentais para o desenvolvimento econômico de qualquer país. Quando as regras do jogo são claras, indivíduos e empresas ficam mais propensos a investir, inovar e empreender, já que é possível realizar um planejamento de longo prazo — um cenário que está longe de ser uma realidade no Brasil.

O país está na 81ª posição no Rule of Law Index, 22 posições abaixo da que ocupava há quatro anos. Esse ranking é elaborado pelo World Justice Project, que avalia diversos fatores, como combate à corrupção, arcabouço legal que impeça abusos do governo e proteção aos direitos humanos, de 140 países do mundo. Portanto, o que se deduz do processo em curso é que o Brasil ainda tem um ambiente legalmente instável, o que pode limitar significativamente seu crescimento econômico.

 

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