[{"jcr:title":"Dá para evitar o uso de plásticos? É difícil, mas há alguns caminhos"},{"targetId":"id-share-1","text":"Confira mais em:","tooltipText":"Link copiado com sucesso."},{"jcr:title":"Dá para evitar o uso de plásticos? É difícil, mas há alguns caminhos","jcr:description":"Começa neste ano um esforço mundial para reverter a poluição causada por esse material. Pesquisadores propõem diversas soluções — e devemos precisar de todas"},{"subtitle":"Começa neste ano um esforço mundial para reverter a poluição causada por esse material. Pesquisadores propõem diversas soluções — e devemos precisar de todas","author":"Ernesto Yoshida","title":"Dá para evitar o uso de plásticos? É difícil, mas há alguns caminhos","content":"Começa neste ano um esforço mundial para reverter a poluição causada por esse material. Pesquisadores propõem diversas soluções — e devemos precisar de todas   David Cohen   Terminou como em geral terminam as reuniões, principalmente aquelas com muitas pessoas e pouca clareza de objetivos: resolvendo pouco e marcando um novo encontro. Ainda assim, a primeira reunião do Comitê Negociador Intergovernamental para eliminar a poluição dos plásticos, ocorrida em Punta del Este, no Uruguai, de 26 de novembro a 2 de dezembro, pode representar um marco na defesa do meio ambiente. Neste caso, o mero fato de ter havido uma reunião é um sinal de consenso para um problema que se agrava exponencialmente e até pouco tempo atrás era menosprezado por várias nações. “De forma objetiva, a poluição dos plásticos não está no radar. Não aparece entre as prioridades na busca de soluções”, diz o professor Geraldo Setter, coordenador do Insper Metricis – Núcleo de Medição para Investimentos de Impacto Socioambiental. “Ela faz parte de um conjunto de problemas com uma origem comum: estamos consumindo os recursos do planeta mais rapidamente do que o planeta se regenera.” Numa primeira tentativa de tornar a questão prioritária, 2.500 delegados de 147 nações participaram da conferência no Uruguai, presencialmente ou online. Os representantes concordaram em estabelecer objetivos práticos — e o mais ambiciosos possível — como preparação para uma nova reunião, a ocorrer em maio em Paris. Nesta, sim, espera-se chegar a um acordo para conter a profusão de plásticos no planeta, mais ou menos como o Acordo de Paris, adotado em 2015, estabeleceu metas para reduzir o aquecimento global. Os plásticos são um senhor problema ambiental. De acordo com a Geneva Environment Network, uma associação de dezenas de entidades pró-sustentabilidade do mundo inteiro, desde 1950 foram produzidos 8,3 bilhões de toneladas do material e 79% disso foi parar em aterros ou vazou para o meio ambiente (especialmente os oceanos, onde o lixo plástico representa uma ameaça à vida marinha). O que era um problema irrisório em 1950, quando se fabricava 1,5 milhão de toneladas de plástico, tornou-se uma emergência: em 2019, a produção passou de 368 milhões de toneladas. O lixo não é o único efeito negativo dos plásticos. Há também as substâncias químicas adicionadas a eles, que podem ser nocivas às pessoas e ao ambiente. E há as micro e nanopartículas plásticas, que se espalham até pelas cadeias alimentares. “Assim como o mercúrio usado na mineração contamina os rios, no oceano o plástico entra nos organismos dos peixes. Hoje nós já estamos comendo um pouquinho de plástico”, diz Setter.   Por que temos tanto plástico Enxergar o problema é um primeiro passo fundamental. Discuti-lo é o segundo passo — que o mundo está dando agora, na sequência de uma resolução da ONU tomada em fevereiro de 2022, na quinta sessão da Assembleia Ambiental das Nações Unidas, exigindo a preparação de um compromisso para eliminar a poluição dos plásticos, a ser assumido pelos países membros até o final de 2024. O terceiro passo — viabilizar soluções —, porém, será bem mais difícil. “Se você só coloca o plástico como inimigo, não chega a lugar nenhum”, afirma Daniel Guzzo, professor de Engenharia do Insper, atualmente licenciado para fazer um pós-doutorado em economia circular na Universidade Técnica da Dinamarca. Não se pode ignorar que o material atende a demandas importantes da sociedade, como conveniência e necessidade de consumo. “Uma das questões é que a gente usa o plástico, um material de vida útil relativamente longa, para funções que têm vida curta, como a embalagem”, diz Guzzo. Essa proliferação dos plásticos não aconteceu por acaso. De acordo com Dasdy Lin, consultora de sustentabilidade do Centro de Desenvolvimento da Indústria Plástica dos Estados Unidos, a disseminação dos plásticos ocorreu por três motivos básicos: a) por ser um material leve, ele reduz os custos de transporte (isso vale para os caminhões de entrega local e também para os navios que fazem rotas globais). Note-se que esta característica ajuda a diminuir o consumo de combustível… e, portanto, amenizar as emissões de poluentes na atmosfera; b) o plástico fornece mais segurança no transporte e armazenamento, garantindo a consistência e a estabilidade dos produtos sem risco de quebrar; c) sua utilização eleva os lucros no comércio (e isso, de certa forma, se reflete também em preços mais baixos). Faz sentido, portanto, que o uso do plástico tenha proliferado, e isso precisa ser levado em conta quando se tenta combater a poluição gerada por ele.   Pessoas recolhem plástico no Rio Citarum, um dos mais poluídos da Indonésia   As promessas para se livrar do plástico Já há, mundo afora, diversas iniciativas voltadas para lidar com a ameaça dos plásticos. Elas seguem diferentes estratégias, da substituição do material nas embalagens até novas técnicas para dissolver o plástico (um material que a natureza, por si só, leva centenas de anos para absorver). Eis algumas: # bactéria que come plástico – Em 2016, um grupo de cientistas liderado por Kohei Oda, no Instituto de Tecnologia do Japão, descobriu uma espécie de bactéria, a Ideonella sakaiensis, que utiliza duas enzimas (petase e metase) para digerir o tereftalato de etileno — o plástico PET. É um processo lento, mas uma equipe internacional de cientistas já conseguiu modificar a estrutura molecular da bactéria para que ela degrade o PET 20% mais rápido. # o fungo que fugiu do jarro – Estão surgindo também outras alternativas para digerir plásticos. Uma delas são os fungos. Quando a pesquisadora Samantha Jenkins estudava uma série de tipos de fungos em trabalho para a companhia Biohm Health, onde trabalha, ficou surpresa ao perceber que uma das espécies, a Aspergillus Tubingensis, crescera para fora do jarro que devia contê-la. O fungo havia comido a esponja de plástico que tampava o jarro. A pesquisa então mudou de direção. A companhia inglesa agora trabalha para tornar o fungo mais eficiente na digestão dos plásticos PET e poliuretano — ambos de difícil reciclagem. # outras enzimas promissoras –Também no Reino Unido, mas na Escócia, na Universidade de Edimburgo, cientistas modificaram uma bactéria E. coli para que transformasse o ácido tereftálico, uma molécula derivada do PET, em vanilina, uma substância usada na culinária. Em Leipzig, na Alemanha, pesquisadores estão usando a bactéria Pseudomonas sp TDA1 , encontrada num depósito de lixo, para digerir poliuretano. Na França, a empresa Carbios utiliza uma enzima modificada para processar plásticos PET — e já anunciou a produção das primeiras garrafas PET do mundo feitas inteiramente com plástico reciclado. Todas essas pesquisas são incipientes, mas promissoras. # as serpentinas magnéticas – Para eliminar os microplásticos (plásticos com diâmetro menor que 5 milímetros) que infestam os oceanos, pesquisadores da Austrália e da China criaram minúsculas serpentinas feitas com moléculas de carbono. Mais finas que um cabelo humano, esses fios são cobertos com nitrogênio e manganês, um metal magnético. Ao reagir com moléculas de oxigênio, eles atacam o plástico e ajudam a quebrar suas moléculas. Os primeiros experimentos indicaram uma redução de 30% a 50% na concentração de microplásticos em um período de oito horas. # as algas e a mandioca – Em vez de reciclar o plástico, que tal parar de usá-lo, pelo menos na tarefa de embalar produtos, a que mais provoca poluição? Uma startup indonésia chamada Evoware está produzindo embalagens para sanduíches, sachês de chá ou café e sopas instantâneas com algas marinhas — que se dissolvem na água quente ou são comestíveis. Uma startup brasileira, a Já Fui Mandioca, instalada em Diadema (SP), usa a fécula da mandioca para produzir potes, pratos e embalagens para delivery que podem ser jogadas fora sem impacto para o meio ambiente, pois se compostam e viram adubo. # o combustível plástico – Também há ideias de usar o lixo plástico como combustível. A companhia australiana Licella desenvolveu uma tecnologia capaz de converter plástico não reciclável em óleo, numa máquina pressurizadora que reduz os plásticos a seus componentes básicos, entre os quais óleos, ceras e plásticos que podem ser usados para fabricar outros produtos plásticos. Uma das grandes vantagens do processo, segundo a companhia, é que não há necessidade de separar os tipos de plástico para a reciclagem. Mais: até os plásticos que não suportariam mais a reciclagem por perderem suas propriedades podem entrar no processo, permitindo a reciclagem contínua. Alguns críticos apontam, no entanto, que o processo tem o efeito colateral negativo de emitir carbono para a atmosfera. # a estrada de plástico – O lixo não é lixo se houver um uso para ele. Na cidade de Zwolle, nos Países Baixos, 70% do material usado para construir uma pista para bicicletas de 30 metros de extensão era plástico reciclado. Uma segunda pista já foi feita na cidade de Overijssel. A ideia é que as próximas sejam construídas com 100% de plástico. # o coletor de plásticos – Uma outra ideia holandesa é o Sistema 001, um coletor de lixo flutuante com 600 metros de comprimento e um mecanismo para capturar plásticos e microplásticos com até 3 metros de profundidade. O coletor foi desenvolvido por engenheiros liderados por um jovem de 24 anos, Boyan Slat, que se tornou o executivo-chefe do projeto, chamado The Ocean Clean-up (limpeza do oceano). Após coletado, o plástico pode ser transportado para terra para ser reciclado. O Sistema 001 foi levado para a grande mancha de plástico existente entre a Califórnia e o Havaí; o objetivo do grupo é retirar 50% do plástico nessa área e disponibilizar o sistema para as outras quatro grandes manchas de poluição marítima pelo mundo.   Problemas interconectados Embora as diversas iniciativas confiram uma certa esperança, o professor Setter, do Insper, lembra que a poluição dos plásticos se enquadra no campo dos problemas complexos. “São macroproblemas que interagem entre si, exigem soluções sistêmicas”, afirma. Guzzo vai na mesma direção. “Recolher o plástico é importante, mas, se a gente não resolver o problema de fluxo, vai ser como enxugar gelo. Vamos continuar tendo um monte de dejetos”, diz. Além disso, a coleta e o transporte do plástico exigiriam combustível… que produz emissões de poluentes. E o aquecimento global é um problema mais urgente do que a poluição dos plásticos. Soluções como a substituição das embalagens plásticas por outros materiais, de preferência orgânicos, também são muito boas, mas insuficientes: “esbarram na baixa escala”, lembra Guzzo. Não há plantação de mandioca que dê conta de substituir uma parte significativa dos quase 400 milhões de toneladas de plástico produzidos anualmente. As novas técnicas de reciclagem, com uso de fungos ou bactérias, têm a vantagem de poderem se integrar à indústria já existente de produção de plásticos, mas essas soluções são ainda caras e não eficientes o bastante. Isso não significa que essas iniciativas não sejam importantes. Elas são, mas cada uma representa apenas uma parte do mosaico necessário para atacar o problema. “É reconfortante acreditar que uma solução técnica vá resolver a questão. Infelizmente não é verdade. O que precisa haver é uma combinação das diversas estratégias”, diz Guzzo. Uma das primeiras seria evidenciar o custo ambiental e trazê-lo para dentro da indústria. O amontoado de embalagens representa um custo para a sociedade, mas ele não aparece na contabilidade das empresas que produzem o plástico nem se reflete no preço dos produtos. Uma segunda estratégia é investir em mudança de comportamentos. Precisamos adquirir o hábito de separar materiais, reutilizar, descartar no lugar correto. Uma mudança no comportamento das empresas também ajudaria: pinturas nos plásticos ajudam no marketing — mas atrapalham na reciclagem. Quanto maior a mistura de materiais numa embalagem, mais difícil (e cara) é a tarefa de reciclar. Há também o fato de que a poluição dos plásticos, além de ser um problema complexo, está interconectada com outros problemas. Se as embalagens de plástico fossem substituídas por outras de vidro, por exemplo, o peso maior levaria a um maior gasto de combustíveis e mais emissões de gases. “A substituição só funcionaria de verdade se o transporte já fosse eletrificado, ou fosse à base de combustíveis renováveis”, aponta Guzzo. Essa interconexão torna as transformações mais difíceis. Mas também significa que, ao avançar na solução de uma das grandes questões atuais, temos um baita incentivo para — e fica bem mais fácil — avançar em várias outras.  "}]