Evento no Insper debateu propostas do SindHosp, o sindicato dos hospitais, clínicas e outros estabelecimentos do setor, para a saúde no estado de São Paulo
O Brasil gasta quase 10% do PIB em saúde — mais precisamente, foram 711 bilhões de reais em 2019, o equivalente a 9,6% da soma de riquezas produzidas pelo país naquele ano, de acordo com os dados mais recentes do IBGE. Esse nível não é muito diferente do que destinam os membros da OCDE, o clube dos países ricos, entre os quais o Reino Unido (10,2%) e a França (11,1%).
O problema não está em quanto se gasta com saúde, mas no uso ineficiente dos recursos. “Um dos grandes problemas do setor de saúde hoje é o desperdício de dinheiro. A Organização Mundial da Saúde estima esse desperdício em torno de 25% do que se gasta”, disse Francisco Balestrin, presidente do SindHosp, sindicato que reúne hospitais, clínicas, laboratórios de diagnóstico e outros estabelecimentos de saúde no estado de São Paulo, durante evento realizado no dia 30 de agosto no Insper para discutir o papel das entidades de classe na proposição de políticas públicas no setor de saúde.
Para Balestrin, do dinheiro desperdiçado com saúde, em torno de 10% se deve à corrupção. “O restante é problema de falta de governança, de instituições que não têm rotinas, do funcionamento do sistema”, afirmou Balestrin, médico especialista em administração hospitalar. “Não adianta gastar mais do que necessário. O setor de saúde precisa que os recursos colocados nele sejam utilizados adequadamente.”
Com o objetivo de contribuir para a solução desse e de outros problemas do setor, o SindHosp, que reúne 51 mil associados e é o maior sindicato patronal da América Latina, elaborou um conjunto de propostas que foi entregue aos principais candidatos ao governo paulista na eleição de 2022. O documento começou a ser preparado em julho de 2021 e é resultado de consultas feitas com cerca de 100 lideranças no setor, incluindo professores, economistas, ex-ministros e secretários de saúde de diversas regiões.
O documento final consolidou 10 propostas para a saúde no estado de São Paulo: 1) Fortalecer a Atenção Primária da Saúde (APS), sua integração com a Média e Alta Complexidade (MAC) e a multiplicação das redes assistenciais; 2) Promover a saúde digital; 3) Formar e capacitar profissionais de saúde; 4) Fortalecer a integração público-privada; 5) Aprofundar e desenvolver capacidade de coleta e análise de dados sobre saúde da população, cirando o Centro Estadual de Controle de Doenças e Qualidade Assistencial; 6) Promover a interoperabilidade de dados entre diferentes sistemas; 7) Fortalecer as Regiões de Saúde (RS); 8) Financiamento e novas formas de custeio e remuneração; 9) Incentivar a inovação na indústria da saúde dentro de um modelo de produção e desenvolvimento econômico; e 10) Assumir o protagonismo na construção da política pública de saúde digital.
“Durante a pandemia, vivenciamos a transformação digital. Só vamos conseguir prover acesso, qualidade e sustentabilidade econômico-financeira se transformarmos o mundo da saúde em um mundo digital”, afirmou Balestrin. “Precisamos trazer a transformação digital para dentro das instituições e para o cidadão.”
Depois da apresentação geral das propostas do SindHosp, o médico Paulo Saldiva, professor titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, comentou alguns pontos. “O documento é muito completo no sentido de mostrar as necessidades e o direcionamento das políticas que deveriam ser implementadas. O problema é a sua aplicação”, disse Saldiva. Ele lembrou que o Brasil tem vasta produção científica de políticas públicas em todas as áreas. “Somos o quinto país do mundo em número de trabalhos de políticas públicas, mas apenas uma pequena parte disso, em torno de 3%, trata de como implementá-las.”
Saldiva sugeriu uma outra abordagem para aumentar as chances de as propostas feitas saírem do papel. “Eu não me limitaria a entregar um documento, porque isso vai ser bom para discurso de eleição, mas depois o compromisso de atendimento é muito baixo. Eu tentaria fazer uma prospecção ativa e gastaria sola de sapato e cordas vocais para convencer as equipes que já estão hoje nos cargos técnicos dos ministérios e, através delas, procurar fazer as mensagens chegarem à próxima gestão.”
Outro convidado ao debate, Rudi Rocha de Castro, professor da Fundação Getulio Vargas e diretor de pesquisa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), foi na mesma direção. “O diagnóstico realizado no documento é sólido, completo e aponta na direção certa. Mas o como implementar é absolutamente crucial.” Castro, no entanto, se disse otimista. “É importante que as ideias circulem. Com uma boa gestão, um corpo burocrático forte, profissionais de carreira pensando no problema, com os incentivos corretos, em algum momento as boas ideias se consolidam, ganham tração e podem ser implementadas.”
Castro chamou atenção para outros pontos que considera relevantes na discussão sobre saúde pública. “A saúde mental é um tsunami que só cresce e não estamos ainda preparados para lidar com isso no Brasil. Outro ponto de atenção são as causas externas de óbitos, tanto as violências quanto os acidentes. Eu sempre digo aos meus alunos: olhe para a mortalidade por causas externas de jovens adultos no país. É maior do que na África subsaariana, na Índia ou no Paquistão.”
Castro ressaltou também a necessidade de organizar a fila de espera no Sistema Único de Saúde. “A espinha dorsal de um sistema como o SUS é a fila de espera, não só para transplantes, mas para tudo. Há técnicas para isso, uma literatura gigante sobre como organizar a fila. É isso que regula o acesso, a velocidade, onde vamos colocar mais ou menos recursos.”
Saldiva, por sua vez, afirmou que a política em saúde não pode se resumir à gestão, uma vez que depende de valores como ética, alteridade e compaixão e precisa levar em conta o contexto social. “Durante a pandemia, vimos que o risco de adoecer ou morrer de covid pode crescer até 10 ou 12 vezes dependendo onde você mora. Quando o código de endereçamento postal, o CEP, importa mais do que o código genético das pessoas, é porque temos um grande problema.”
Para Saldiva, assim como existe medicina de precisão, é necessário fazer política pública de precisão. “Em um país desigual como o Brasil, precisamos desenhar políticas de acordo com a realidade econômica e social de cada microrregião do país. Esse é o nosso desafio.”
O evento realizado pelo Insper contou com a participação também da advogada Elenise Colletti e do médico João Carlos de Campos Guerra. Ambos são coordenadores do Comitê Alumni de Gestão de Saúde do Insper e conduziram os debates. O aluno Gabriel Quintão, presidente do Insper In Health, participou formulando perguntas aos especialistas. O professor Carlos Caldeira, coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper, foi o responsável pela abertura do evento e apresentou a atuação da escola na área de gestão de saúde, tanto na pesquisa quanto na formação de pessoas por meio dos cursos de pós-graduação lato sensue de educação executiva.