O objetivo é atuar na análise econômica do Direito por meio da integração das disciplinas dos cursos de Economia e Direito, contemplando alunos da graduação e da pós-graduação
Bruno Toranzo
“Para resolver um problema social, é preciso combinar os conhecimentos de Economia e Direito, daí a importância da análise econômica do Direito”, resumiu Paulo Furquim de Azevedo, professor do Insper escolhido para coordenar a Cátedra Família Martinez Goldberg, cujo lançamento ocorreu no dia 29 de agosto. De acordo com Furquim, já faz seis décadas que foi percebida a relevância de unir Economia e Direito para dois propósitos principais: utilização do método empírico, próprio da Economia, para entender institutos jurídicos; e compreensão do efeito das normas jurídicas sobre o desempenho econômico. Entre os expoentes da análise econômica do Direito estão Ronald Coase, autor do livro The Problem of Social Cost (“O problema do custo social”, na tradução para o português), Gary Becker, Richard Posner e, de modo mais abrangente, Oliver Williamson e Douglass North, três deles ganhadores do Prêmio Nobel de Economia.
“O que percebemos é que, de forma geral, as disciplinas de Economia e Direito estão pouco integradas em ambos os cursos. O interessante é haver essa integração no estudo, por exemplo, dos institutos jurídicos. Ao abordar teoria contratual, contemplar também análise econômica dos contratos. Esse é um dos propósitos da Cátedra: trabalhar os cursos de forma integrada para alunos de graduação e pós-graduação, de dentro ou de fora do Insper”, disse Furquim.
Para Claudio Haddad, fundador do Insper e presidente do Conselho de Administração, que também esteve na cerimônia de lançamento da Cátedra, o modelo escolhido pela instituição se aproxima do americano encontrado nas principais universidades privadas do país. “Para que esse modelo possa se desenvolver, mantendo a excelência nas atividades, é necessário contar com o apoio de pessoas generosas que entendem nossa visão, dedicando tempo e recursos financeiros aos projetos”, disse Haddad. “A nova Cátedra foi viabilizada pela generosidade de Ana Paula Martinez e Daniel Goldberg, que doaram os recursos necessários para essa iniciativa.”
A advogada Ana Paula Martinez, sócia de Levy & Salomão Advogados, destacou que as cátedras, apesar de já difundidas nos Estados Unidos, são uma novidade no Brasil. “Mas por que escolhemos análise econômica do Direito?”, questionou. “Por ser uma ferramenta analítica que os operadores do Direito precisam contar, com o objetivo de entender as consequências econômicas e sociais de suas decisões. Esse é um tema necessário para o Poder Judiciário, que lida com 75 milhões de processos e 6 milhões de normas nos âmbitos federal, estadual e municipal.”
Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal, gravou uma mensagem parabenizando o Insper pela iniciativa. “O Brasil vive um momento em que é imperativa a combinação de alguns objetivos imprescindíveis, que incluem combater a pobreza; promover o desenvolvimento sustentável, já que o país precisa voltar a crescer de forma substantiva para termos o que distribuir; e preservar a responsabilidade fiscal, pois foi o descontrole nas contas públicas que nos trouxe a esse quadro de inflação, juros altos, desemprego e desinvestimento. Nesse contexto, a análise econômica do direito se torna muito importante”, disse Barroso.
“Há uma visão equivocada de que essa forma de pensar seria conservadora do status quo ou, para usar o neologismo desqualificador da temporada, que seria uma visão neoliberal da vida. Penso que o engano nessa visão é imenso. Em todas as minhas decisões, há uma consideração importante, que é a de procurar determinar quem paga a conta. Não há como saber qual é a decisão justa se não for feita essa verificação. Portanto, incentivos e desincentivos, custo-benefício e custo de oportunidade são conceitos vitais para a definição de políticas públicas e tomada de decisões judiciais”, completou Barroso.
Ricardo Villas Bôas Cueva, ministro do Superior Tribunal de Justiça, também reconheceu a importância da iniciativa, por meio de vídeo gravado para o evento de lançamento da cátedra. “A análise econômica do Direito é uma ferramenta indispensável na argumentação jurídica, destacando-se, no dizer do jurista Richard Posner, por ser menos suscetível de influência da subjetividade. Oferece, portanto, ferramenta analítica poderosa com base em dados empíricos e com base na teoria econômica para entender o que está por trás de um instituto jurídico e de uma política pública, de modo a torná-los mais eficientes”, disse Cueva.
Durante o lançamento da Cátedra Família Martinez Goldberg, houve um painel de debates moderado pelo advogado Daniel Goldberg, CIO e managing partner da Luminal Capital Management. O bate-papo contou com a participação também de Carlos Ari Sundfeld, professor titular da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, de Vanessa Canado, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Tributação do Insper, e de Decio Zylbersztajn, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo.
Para Sundfeld, a análise econômica do Direito foi contemplada em nosso ordenamento jurídico, no artigo 20 da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB). Diz esse artigo que, nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
“São dois objetivos desse artigo: fazer com que se ponderem as consequências, por meio da análise econômica do Direito, que é uma das ferramentas para isso, e apontar para cada órgão quais são os limites de sua intervenção”, disse Sundfeld. “O artigo estabelece, portanto, a necessidade de solidez ou robustez no processo decisório, por meio da análise das consequências antes de agir. Se houver insegurança sobre a decisão, é preferível não agir.”
Já Canado chamou a atenção para a lógica econômica na elaboração das leis tributárias, citando como exemplo o princípio constitucional da capacidade contributiva. De acordo com esse princípio, paga mais impostos quem ganha mais, e isso só vale, por decisão do STF, para os impostos pessoais, e não para os reais, que incidem sobre as coisas. “O princípio da capacidade contributiva pode ser aplicado ao IR, mas não ao IPTU, e essa lógica é muito curiosa”, observou Canado.
Goldberg relembrou que, no campo normativo da análise econômica do Direito, adota-se uma abordagem microeconômica básica para tentar estimar os efeitos de uma decisão judicial ou de uma política pública. Como exemplo, citou que, na microeconomia, vigorou por muito tempo a premissa de que definir um salário-mínimo destrói a geração de empregos. “Anos depois, os mercados perceberam que o salário-mínimo não causa esse efeito negativo, tendo, ao contrário, um efeito positivo sobre a renda dos trabalhadores”, disse Goldberg. “Imagine o efeito desastroso se as políticas públicas tivessem caminhado nesse sentido de acabar com o salário-mínimo.” O advogado finalizou perguntando como fazer com que os operadores do Direito, que estão acostumados com mecanismos de repetição, de decisões reiteradas, como a jurisprudência, incorporem esse conhecimento da economia, que evolui mais rapidamente, como foi o caso dos efeitos do salário-mínimo para o emprego.
Para Zylbersztajn, a resposta está na análise econômica do Direito, que é um movimento, uma possibilidade analítica, que enriquece sobremaneira a análise dos fenômenos da sociedade. “O jurista, pelo histórico do ensino do Direito no Brasil, sempre esteve muito distante de métodos quantitativos, motivo pelo qual a integração com a Economia é tão relevante”, afirmou Zylbersztajn.
Para assistir na íntegra ao evento de lançamento da Cátedra Família Martinez Goldberg, clique aqui.