Poucas pessoas no Brasil, com muito esforço, chegam a ser bem sucedidas, mas muitas, com todo o esforço do mundo, sequer tiveram uma oportunidade, diz Luciano César Alakija Palma, do Conselho Alumni
Luciano César Alakija Palma
Membro do Conselho Alumni do Insper
Incluo as raízes africanas ao explicar as oportunidades que surgiram em minha trajetória pessoal e profissional. Nós não chegamos aonde estamos, e eu acredito muito nisso, apenas por mérito próprio. As origens familiares também determinam as oportunidades na vida. Existe uma loteria de onde nascemos, em qual contexto vivemos, quais as oportunidades que recebemos, e é claro que tudo isso tem muito a ver com as nossas origens. Muitas pessoas sequer tiveram ou têm a oportunidade de uma vida minimamente digna para estudar como eu tive, mesmo fazendo muito mais esforço para sobreviver.
Em vez de enfatizar uma história individual de superação, primeiro honro a consistência de minhas raízes. As referências começam pelo bisavô materno, Maxwell Porphyrio de Assumpção Alakija, nigeriano que, diferentemente de seus outros irmãos que foram estudar no Reino Unido, emigrou para o Brasil no final do século 19, se formou em Direito pela Faculdade de Direito da Bahia em 1903 e exerceu a profissão de advogado e professor de inglês.
É uma história que destoa do que estamos acostumados a ouvir quando se fala da trajetória de pessoas negras no Brasil. Uma dissertação de mestrado em História e o livro A trajetória e militância de um africano na Bahia: Maxwell Assumpção Alakija (1871-1933), do historiador Sivaldo dos Reis Santos, contam como Maxwell, além de estabelecer família no Brasil, enfrentou o racismo, posicionou-se politicamente, estabeleceu redes de sociabilidade, defendeu, como um intelectual, causas raciais, inclusive combatendo o analfabetismo.
Os três filhos de Maxwell e da parteira Ignez Selene Assumpção tiveram diploma de curso superior: Delhi, em Engenharia; Cleonice Alakija, médica oftalmologista; e George, médico psiquiatra. O primeiro voltou para a Nigéria. Os médicos estudaram e permaneceram no Brasil. O caçula, George de Assumpção Alakija, foi o pai de Geonalda de Menezes Alakija Palma, pedagoga e minha mãe. É importante ter essa perspectiva histórica de que há mais de cem anos, e há pelo menos três gerações passadas da família, o acesso à educação superior foi crucial para garantir dignidade frente às questões econômicas e estruturais do racismo no Brasil.
Meu avô George foi um distinto médico, professor de inglês e um grande contador de histórias. Ele era uma pessoa culta, escreveu livros, for respeitado em sua profissão, muito graças à sua inesquecível esposa, minha avó Iná. Minha mãe formou-se em Pedagogia e também foi professora de inglês. O meu pai, Luiz Rocha Palma, um dos 10 filhos de Victorino e Angélica, de família baiana tradicional, seguiu carreira no Exército. Eu diria que a carreira dele como militar me proporcionou conhecer diferentes perspectivas do Brasil, além de valores cívicos, e compromisso com o melhor para o Brasil. Eu surjo daí, dessa mistura africana intelectual imigrante com o baiano tradicional patriota.
O apoio dos progenitores foi fundamental para avançar na vida escolar. Tive uma família que me proporcionou focar nos estudos. Eu me alimentava bem, tinha um teto, meu pai me ajudava com a matemática, minha mãe, com o português, e eu estudei inglês no curso em que ela também foi professora. Meu esforço pôde ser aproveitado por ter tido oportunidades de estudar. Há pessoas que se esforçaram muito mais do que eu e não tiveram as oportunidades que eu tive. Como estudar passando fome?
Morei e cresci em Garanhuns, Manaus, Rio Branco, Rio de Janeiro e Salvador. Fui alfabetizado no Rio e, durante minha infância, morei em diferentes cidades do Brasil em função da profissão de meu pai. Já no final da minha adolescência, nos estabelecemos em Salvador onde terminei o ensino médio. Ao prestar vestibular, fui aprovado em todos, um desses o da Unicamp. Com 18 anos, mudei-me da capital da Bahia para Campinas, no interior de São Paulo. Inicialmente, para estudar Estatística por dois anos e, depois, a partir de outro vestibular, para ingressar em Engenharia Elétrica na Unicamp.
A chance de frequentar boas escolas contribuiu para ingressar no ensino superior. Acho que começa tudo por aí. Eu pude ingressar na Unicamp porque tive uma boa base em escolas particulares de Salvador. Com exceção de um ano estudando na escola pública da Polícia Militar de Salvador, eu me vi em um espaço muitas vezes ocupado pela elite, embora fôssemos de classe média. Meus pais também passaram por dificuldades financeiras por algum tempo, mas sempre priorizaram a melhor educação para os filhos.
Enquanto as portas se abriam, aproveitava as oportunidades de aprendizagem. Sempre me interessei em ir além do curso. Quando entrei em Engenharia Elétrica, me envolvi com a empresa júnior. Cheguei a liderar, como diretor-presidente, a Empresa Júnior de Engenharia Elétrica 3E-Unicamp em 2001. De 1997 a 2003, organizei e participei de eventos importantes do movimento empresa júnior, fui membro discente do conselho universitário e da congregação da faculdade, participei dos diversos programas estudantis, fiz iniciação científica e programas de capacitação tecnológica. Fiz dois estágios, fui remunerado e pude contribuir para custear a minha própria subsistência.
A primeira experiência fora do Brasil veio logo ao me formar na Unicamp. Fui selecionado com uma bolsa de estudos para estudantes da América Latina para cursar o mestrado em Comunicações Ópticas e Tecnologia Fotônica no Politécnico di Torino, na Itália. O projeto final de curso foi desenvolvido na Universidade de Glasgow, na Escócia. Atuei com tecnologias de ponta, em laboratórios de cristais fotônicos e nanotecnologia, pesquisa bem avançada. Foi quando refleti que gostaria de atuar na conexão de tecnologia e negócios, em vez de seguir carreira acadêmica.
Ao voltar do exterior e radicar-me em São Paulo, em 2004, desenvolvi atividades de empreendedorismo e inovação como voluntário na recém-lançada agência de inovação Inova, da Unicamp. Comecei a trabalhar na alemã Siemens no lançamento do 3G no Brasil, quando a empresa ainda atuava na indústria de telecomunicações e na espanhola Telefônica, quando esta convergia as operações fixas com a móvel sob a marca Vivo.
Depois, a partir de 2008, mergulhei no segmento de internet das coisas voltando a atuar na Siemens e Telefônica Digital, abrindo negócios pelas americanas Ethertronics Inc. e Jasper (comprada pela Cisco), na brasileira Embratel e na finlandesa Nokia – trajetória que no período de 2007 a 2021 se mescla perfeitamente com os grandes movimentos de reestruturações, fusões, aquisições e grandes transformações do setor de telecomunicações e tecnologia da informação.
Hoje, atuo em uma posição de inteligência de negócios na Amazon Web Services (AWS), unidade da Amazon que inventou a computação em nuvem. O ponto é que trilhei uma carreira tecnológica local com um perfil global, sempre com um senso estratégico de dono, com veia empreendedora e de inovação para negócios, em uma área em pleno desenvolvimento e que ainda tem muito a se desenvolver no Brasil.
Quando busquei agregar visão de negócios à carreira técnica, pensei no MBA. Foi aí que o Insper surgiu como um MBA diferenciado, por volta de 2010, e que paguei com os meus próprios recursos. Eu já tinha alguns anos de formado e buscava crescer na carreira. O MBA me permitiu almejar novos voos, o de juntar a teoria com a prática. Nessa mesma época, recebi proposta para representar uma empresa americana no Brasil, na área de antenas, chamada Ethertronics. Topei embarcar na experiência empreendedora, abri uma empresa de representação e fiz, por um tempo, concomitantemente, o curso no Insper.
Foi muito puxado! Cursar o MBA enquanto estabelecia uma empresa foi exaustivo. Precisei trancar o Insper para me dedicar à empresa. Foquei no negócio, na estratégia e em ações para a empresa crescer e ganhar clientes. Aprendi muito na prática: desde processos de importação, marketing, finanças, suporte e vendas para consolidar a marca. A experiência prática foi bem aproveitada. Foi mais que uma simulação de negócios; foram aprendizados únicos que carrego até hoje.
O MBA, que seria de dois anos, fiz no prazo máximo, em quatro anos, incluindo a escolha por disciplinas eletivas de empreendedorismo, fusões e aquisições que haviam sido minha realidade. Ao fechar um acordo com um revendedor nacional dos produtos, entreguei a representação da Ethertronics e voltei para atuar em uma posição de gestão, na Telefônica Digital. Pude concluir e aproveitar o MBA com muito mais bagagem e com uma experiência empreendedora complementar ao MBA.
Muitas das perspectivas que cultivei na carreira estão presentes na posição atual, na AWS. As decisões são consideradas à luz de 16 princípios que a empresa segue, desde a contratação, passando pelas promoções, decisões estratégicas e o foco nas relações de longo prazo com os clientes. Somos estimulados a aprender, a sermos curiosos, por insistir em altos padrões, pela orientação para ação, obsessão pelo cliente. Se tivermos um posicionamento discordante, devemos no posicionar e falar, por valorizarmos o senso de dono. Vi que apliquei muitos dos princípios ao longo da minha carreira, mas somente agora encontrei uma cultura que reconhece e pratica, explicitamente, algo que faz bastante sentido para mim neste meio.
As descobertas estão acontecendo numa fase de maturidade profissional e pessoal e simultaneamente ao retorno como conselheiro alumni. Tenho me dedicado para transmitir o que aprendi, seja como voluntário em ONG que educa crianças e jovens desfavorecidos, seja como conselheiro de startups, doador do programa de bolsas e também para contribuir com maior diversidade de perspectivas na comunidade Insper. Eu fiz apenas o MBA no Insper, e poderia existir uma diferença com aqueles que fizeram a graduação, por passarem mais tempo juntos, criado vínculos. Me formei em 2014 e não estava tão próximo da comunidade alumni, mas vi um movimento intencional de me conectarem de volta, e eu gostei desse movimento.
Normalmente, sempre busquei ir além do convencional e acho que até precisava me diferenciar, fui sempre líder de turma na escola. Ao mesmo tempo, tive oportunidades de educação não acessíveis a muitos negros desde a minha infância e estive em lugares onde normalmente não existiam outras pessoas negras, o que já mostrava algo de diferente em si. Em alguns momentos, sim, eu não via outras referências. Não só no Brasil, mas em outros países também.
Pode ser que a raça tenha tido algum efeito nas mudanças, demissões e trocas de empregos. Não explicitamente como discriminação, mas pelo contexto estrutural, pelas pessoas que a gente conhece, que confiam e nos apoiam para crescermos e assumirmos mais responsabilidades. Não tenho nítido o quanto pode ter impactado.
Busco agora dar continuidade ao Pacto de Gerações pelo qual fui beneficiado. Para que as próximas gerações – não apenas indivíduos – tenham mais oportunidades como as que eu tive. As ações na comunidade Alumni no Insper podem, certamente, contribuir para este objetivo.
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