Alumnus do MBA Executivo no Insper, Marcos Lima conta como sua trajetória acadêmica e profissional pode servir de inspiração para outras pessoas
Filho de mãe solteira, operária e negra, Marcos Lima percebeu desde cedo, quando ainda vivia no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, que precisaria assumir a responsabilidade de buscar a mobilidade social dele e de sua família. Fez um curso profissionalizante e chegou a trabalhar como técnico de manutenção de elevadores, mas queria mais. Optou por estudar Ciências Contábeis, passou por algumas empresas e hoje trabalha como analista financeiro sênior no BNDES.
Ex-aluno de MBA Executivo no Insper, Lima aprendeu desde criança a importância dos estudos. “Desde muito pequeno eu fui estimulado ao conhecimento, e os estudos estavam sempre entre as minhas principais referências domésticas”, afirma. O valor que sempre deu ao conhecimento ajudou Lima em sua trajetória pessoal e profissional, impactando também as pessoas no seu entorno.
“Pelo menos três gerações da minha família foram afetadas positivamente pela minha trajetória, e hoje também busco ser um elemento ativo de mudança na vida de outras pessoas para melhor, sobretudo pessoas pretas, pois acredito que neste grupo eu possa ser mais efetivo e é neste grupo que os recursos são assustadoramente escassos.”
Lima é vice-presidente do Conselho Alumni Insper e integra o Comitê Alumni de Diversidade, Equidade e Inclusão – Pilar Raça. Na entrevista a seguir, ele fala sobre sua trajetória acadêmica e profissional.
Como o estudo impactou sua vida pessoal e profissional?
Minha trajetória acadêmica não começou na academia tradicional. Ela teve início na própria trajetória de vida, o que incluiu tomadas de decisão, percalços, dificuldades e conquistas. Minha vida profissional e acadêmica começou aos 11 anos de idade, nos anos 1980, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, quando já me via inteiramente responsável pela minha trajetória e também pela busca de mobilidade social da minha família. Essa responsabilidade me levou ao rumo de um curso técnico profissionalizante, em 1987.
Em 1988, com enorme esforço da minha mãe, uma mulher preta solteira e operária, e uma bolsa se estudos em um cursinho preparatório para escolas técnicas, iniciei minha trajetória profissional. Entre 1989 e 1992, cursei escola técnica ao mesmo tempo que trabalhava em estabelecimentos. Na época, fui convidado a coordenar comércios de uma dupla de sócios, mas recusei porque chegara o momento de estagiar como técnico em eletricidade.
Em 1992, aos 17 anos e já como profissional técnico, percebia dificuldades de assumir algumas posições mesmo com uma formação consistente na escola técnica, experiência profissional variada e relevante e sentindo-me confiante da minha capacitação técnica. Eu não enxergava espaço para acesso a posições e atividades diferenciadas, como trabalhos ligados a projetos (menos operacional/braçal e mais analítico), um campo de atuação muito interessante e mais próximo da engenharia, a formação que naturalmente deveria seguir.
Ao mesmo tempo que me preparava para prestar vestibular, novamente com bolsa de estudos em um cursinho, eu trabalhava como técnico de manutenção de elevadores e tinha certeza de que deveria ter uma estratégia para acessar posições profissionais diferenciadas, sobretudo porque, no geral, não via profissionais que me fizessem sentir representado do ponto de vista étnico e social, a não ser pelo gênero, pois todos os técnicos relevantes e os engenheiros que conhecia eram brancos e portadores de diversos outros privilégios de que eu não dispunha.
Optei por estudar Ciências Contábeis, pois permitiria a graduação concomitante ao necessário emprego, uma vez que o curso de Engenharia em universidade pública era em período integral. Posicionar-me em trabalhos diferenciados parecia-me mais factível em empresas públicas, onde, apesar dos preconceitos institucionais, havia estruturas acessíveis por concurso público. Trabalhei por quase seis anos em uma empresa pública de engenharia. Esse período foi o mais profícuo pela diversidade de atividades, pelas entregas e pela aquisição de conhecimento.
Nessa empresa assumi o meu primeiro cargo de gestão, aos 22 anos, em uma posição tipicamente ocupada por engenheiros. O racional do convite ao cargo foi a visão ampla, liderança reconhecida pelos colegas e entregas diferenciadas. Mais bem posicionado profissionalmente, e mesmo cursando uma graduação pouco compatível com a posição profissional que ocupava, mantinha a mente aberta para um redirecionamento profissional mais ambicioso, ciente de que todas as minhas experiências seriam úteis.
Seu objetivo nessa época era seguir uma carreira pública?
Ainda que estivesse em emprego público com função de gestão, eu procurava uma posição relevante na iniciativa privada, como me tornar executivo de uma empresa global. Fui aprovado em um processo seletivo de trainee em uma empresa multinacional de alimentos e tive evidências materiais do meu potencial e do que já tinha conquistado, sendo um homem preto e periférico. Porém, não exerci a conquista, pois ainda não me sentia preparado para sair do Rio de Janeiro sozinho. Mesmo muito determinado a progredir na carreira, o contexto de ir para uma cidade como São Paulo ainda me parecia muito hostil.
Até então, minha trilha profissional mostrara poucos profissionais pretos, ou só a mim. E não foram poucos os episódios que enfrentei de racismo nas estruturas da sociedade e das instituições. No entanto, ainda que fossem barreiras, elas se tornaram insumo para a minha determinação de alcançar lugares diferenciados. A falta de privilégios tornava a jornada mais difícil, mas não era impossível. Eu precisava de mais preparo.
Determinei-me a encontrar uma opção no Rio que fosse compatível com os meus anseios profissionais. Meses depois da recusa da multinacional, eu estava em uma das maiores estatais brasileiras, na qual ingressei também por concurso público. A companhia estava em franca expansão de suas operações e repleta de desafios, que eu considerava altamente interessantes. Foi minha estreia como profissional graduado, um contador/auditor interno com visões diferenciadas, talvez porque tivesse na bagagem experiências diversificadas. No entanto, meu perfil não foi bem recebido, pois me identificava com uma visão de auditor mais para consultor, e menos para o corregedor. Assim, iniciei um preparo para sair da empresa, voltando-me para concursos públicos com um foco específico.
Dois anos depois, estava numa nova empresa, aquela que focara para fazer a transição, um ingresso também por concurso público na empresa que estou há cerca de 18 anos. Uma nova grande estatal focada em soluções financeiras e altamente relevante na estrutura do Estado brasileiro. Numa fase inicial como analista, consegui avaliar minhas competências, identificar déficits e vantagens do meu perfil, bem como enxergar os desafios nessa nova posição e reorientar a minha trajetória. Um MBA em Finanças foi o passo mais consistente à época, com vistas a superar desafios técnicos e institucionais.
Experiências diversas em empregos anteriores, capacitação técnica específica e desenvolvimento de skills comportamentais, emocionais e de relacionamento possibilitaram que eu alcançasse a nova posição de gestor em cerca de quatro anos. Fui selecionado para gerir portfólios de investimentos na empresa do grupo que cuidava de participações acionárias.
A nova posição demandou relevante catch-up de conhecimento específico e uma maior interação com agentes do mercado de capitais, bem como uma maior interação interna. Foram desafios muito importantes, sobretudo gerir pessoas altamente capacitadas, ao mesmo tempo em que liderava novos, complexos e diversos assuntos, além de operar em uma dinâmica ditada pelo mercado de capitais. Foi ótimo. Amadureci muito profissional e pessoalmente!
Foi nessa época que teve início o seu relacionamento com o Insper?
Os trabalhos das equipes que liderei foram bem percebidos e avaliados. O time tinha visibilidade e reputação na empresa e gerava atratividade de novos colaboradores. Ainda que o cenário parecesse satisfatório, a interação com o mercado de capitais me trazia curiosidade por trocas de conhecimento em outros ambientes e em uma dinâmica mais próxima do setor privado, pois acreditava que esse elemento seria importante para a empresa, sobretudo em uma possibilidade de revisão de posicionamentos estatais.
Por isso, resolvi fazer um novo MBA e escolhi o Insper, por melhor se encaixar em requisitos que eu buscava: bom posicionamento em avaliação de programas de MBAs, diversidade de formação e maturidade profissional do corpo discente e o fato de ser um programa com perfil nacional e na cidade de São Paulo, que não era mais hostil, e sim muito atraente para mim nessa época.
No curso do MBA Executivo do Insper, minha “pegada” profissional demonstrou mudanças, que acredito terem contribuído para o surgimento de um convite que me levou a uma nova reorientação de carreira na empresa, para compor um time encarregado de destravar determinada abordagem da companhia. Topei o desafio e destravamos, fizemos operações importantes e potencialmente impactantes em áreas como saneamento, saúde, tecnologias disruptivas, agronegócio e logística, entre outras.
Anos depois, já concluído o MBA no Insper, surgiu um novo redirecionamento poucos meses depois de eu me tornar pai pela primeira vez, agora para um escritório internacional da empresa. Era uma importante oportunidade não só para mim, mas para toda a família. No entanto, tive questões de saúde que demandaram uma desaceleração na angulação da carreira.
Qual foi o impacto disso tudo em sua vida profissional?
A partir de episódios como paternidade e cirurgia, iniciei um importante processo de reflexão, sobretudo sobre a minha posição profissional. Elementos adicionais, como oportunidades de exercício de diferenças na sociedade, identificação de papéis sociais importantes, percepção de possibilidades de ocupar espaços de relevância e necessidade de entrega diferenciada em uma autopercepção de conquistas significativas, conduziram-me ao caminho de um envolvimento ativo no debate e na construção de soluções para a redução de desigualdades, sobretudo a étnica.
Os estudos sempre foram um valor dos mais importantes no meu berço. Desde muito pequeno eu fui estimulado ao conhecimento, e os estudos estavam sempre junto das minhas principais referências domésticas. Eu sempre fui ensinado que o conhecimento era a ferramenta mais eficaz para a mobilidade, principalmente para pretos e pobres.
O valor que aprendi a dar ao conhecimento ajudou-me a ter muito gosto pelos estudos, que contribuíram muito para que eu me tornasse um profissional de sucesso mesmo diante dos racismos estrutural e institucional. Houve um enorme impacto na minha vida pessoal, na vida de familiares e de amigos e, sem dúvida, na vida de colegas e conhecidos próximos, e até mesmo de desconhecidos que me veem como um elemento de representatividade. Pelo menos três gerações da minha família foram afetadas positivamente pela minha trajetória, e hoje também busco ser um elemento ativo de mudança na vida de outras pessoas para melhor, sobretudo pessoas pretas, pois acredito que neste grupo eu possa ser mais efetivo e é neste grupo que os recursos são assustadoramente escassos.
Quais os benefícios que o curso do Insper teve na sua vida pessoal e profissional?
Eu diria que a decisão de cursar o MBA no Insper foi ousada. A minha empresa, patrocinadora, no primeiro momento não autorizou o curso no programa de MBA Executivo na escola por razões como custo, ineditismo do pedido (não havia alumni Insper na instituição) e pelo fato de que a cidade sede da empresa (Rio de Janeiro) dispunha de pelo menos três escolas de boa reputação e tradicionais recebedoras de funcionários da empresa como alunos do mesmo programa de MBA. Mas tive a oportunidade de replicar a decisão inicial e, munindo-me de argumentos como a minha busca por diversidade do corpo discente (em termos geográficos, de formação acadêmica e de maturidade profissional), de sua avaliação no mercado e da maior proximidade com o setor privado, consegui reverter a decisão e obtive a aprovação da empresa.
Tudo o que busquei nas escola, eu encontrei. Certamente, adquiri uma bagagem técnica sólida e muito útil para o desempenho das minhas competências e atividades, sobretudo as profissionais.
Com o MBA Executivo do Insper, foi possível alcançar um patamar diferenciado em termos acadêmico, profissional e pessoal. Certamente, também ampliou minhas visões pessoal e profissional, dando-me maturidade para tomar decisões importantes e redirecionar minha trajetória profissional. Após o MBA, fiz diversos programas executivos na escola e me aproximei da Comunidade Alumni, onde hoje atuo com bastante engajamento.
O que o motivou a se juntar à Comunidade Alumni?
Minhas reflexões e reorientações pessoais me geraram curiosidades sobre o posicionamento acadêmico e social do Insper. Uma aproximação para o entendimento dessa “pegada” da escola revelou para mim um engajamento institucional genuíno e em construção. Por outro lado, minha curiosidade despertou o interesse da escola em me trazer mais para perto de ações dessa construção, e a Comunidade Alumni representa o melhor local onde eu e o Insper conseguimos trocar juntos na busca do benefício para a sociedade.
Como você inclui suas vivências em termos étnico-raciais nas discussões e na estruturação da Comunidade Alumni do Insper?
Entendo que minhas vivências são importantes para os debates da Comunidade Alumni. Tipicamente, pretos e pretas brasileiros não ocupam lugares que ocupo ou que potencialmente ainda posso ocupar, e uma escola genuinamente posicionada para a redução de desigualdades pode ter um uso útil desse insumo que é minha vivência e eu procuro dispor desses elementos na minha relação com a escola.
Sou capaz de trazer elementos que expliquem o sucesso de um homem preto periférico, e também posso trazer elementos que explicam o recorrente insucesso de pretos também periféricos. O pensamento racista costuma enxergar as minhas vivências como evidências para ratificar típicos argumentos racistas, como esforço, meritocracia, igualdade de oportunidades, “não há racismo” etc. Assim, diante de um racismo estrutural e institucional, entendo que cabe a mim levar as duas visões para espaços potentes, focados na redução de desigualdades e ocupados majoritariamente por brancos, como o Insper, e buscar levar também esses elementos para as discussões e a estruturação da Comunidade Alumni.
Conte um pouco o que o levou a integrar o Comitê Alumni de Diversidade, Equidade e Inclusão – Pilar Raça.
Minha integração foi natural, pois sou preto, ex-favelado e compreendi o posicionamento do Insper diante das questões de diversidade, equidade e inclusão. Mais de perto, entendi que a escola concede espaços para debate, dá suporte com sua infraestrutura e está aberta para a construção de canais eficazes com vistas a posicionamentos potentes para induzir mudanças efetivas.
Percebo-me como um elemento que pode contribuir bastante para a missão do Insper no escopo antirracista (se é que posso assim dizer), mas também entendo que, no âmbito do Pilar Raça do Comitê de DEI, ainda estamos na infância desse processo. Essa trilha sugere ser bastante profícua e transformadora, e contamos com a escola para acelerar.
O fato de você ter vivências étnico-raciais, como homem negro, em algum momento impactou na sua trajetória profissional? Alguma situação ou fato foi marcante para você?
As primeiras vivências profissionais começaram muito cedo. Não encontrava espaço para ser técnico de eletricidade de projetos mesmo tendo sido bem formado, ter skills analíticos compatíveis com a função e ser egresso de uma das melhores escolas técnicas. Colegas de escola, em sua maioria brancos, alcançavam posições de destaque e tecnicamente mais interessantes, ainda que sua formação não fosse tão consistente como a minha. Posições que conseguia ocupar eram de uma espécie de eletricista mais bem qualificado. Ocupar posições mais técnicas e mais qualificadas não era possível.
Um fato importante, em certo episódio de discussões sobre promoção em determinada empresa, quando eu já era formado em curso superior, foi que, em uma reunião de feedback, a gestão apenas enfatizou que eu “tinha uma ótima postura”, sem comentar o atingimento de metas, algumas superadas, ou mesmo qualificar as minhas entregas. E, por fim, de alguma forma ficou como justificativa da gestão que a promoção faria mais sentido para outra pessoa, uma vez que a posição que eu ocupava já era em si um reconhecimento suficiente do meu mérito. Isso foi marcante para mim, sobretudo, porque eu sabia que tinha tido um desempenho diferenciado. Tive certeza de que havia uma questão étnico-racial, pois a gestão tinha dificuldades de se expressar naturalmente sobre questões étnico-raciais na minha presença e, por vezes, se desculpava comigo, sem necessidade, por um eventual mal-entendido.
Qual a importância que você vê em realizar mentoria com os alunos do Insper? O que o levou a fazer parte dessa iniciativa?
Sou mentor de um aluno preto, carioca e periférico. Acredito que eu seja um elemento importante de representatividade para esse rapaz, uma vez que ele tem condições de dividir comigo percepções étnico-raciais que eu potencialmente entenderei. Além disso, minha trajetória, sem dúvida, pode ser um insumo interessante para as vivências dele, principalmente aquelas que ainda estão por vir.
Hoje tenho ciência da importância de mentoria, sobretudo porque entendo que minha própria trajetória teria sido mais assertiva se eu tivesse tido esse tipo esse recurso a minha disposição. Esse foi o principal motivo de eu me tornar um mentor. Busquei ser mentor de um aluno preto e, dentro das possibilidades, periférico e com uma trajetória que eu pudesse contribuir com a minhas vivências, uma vez que o Insper, ainda que certamente não busque, pode ser percebido por pessoas pretas como um local muito desafiador, um pouco ofensivo ou mesmo não inclusivo.
Tive sucesso no match feito pela escola e acredito estar contribuindo para o desenvolvimento pessoal e profissional desse rapaz.