[{"jcr:title":"O custo da estratégia anticovid da China — para ela e para o mundo"},{"targetId":"id-share-1","text":"Confira mais em:","tooltipText":"Link copiado com sucesso."},{"jcr:title":"O custo da estratégia anticovid da China — para ela e para o mundo","jcr:description":"Medidas drásticas como o lockdown de Shanghai vão fazer a China crescer menos — e prejudicam indústrias no mundo inteiro"},{"subtitle":"Medidas drásticas como o lockdown de Shanghai vão fazer a China crescer menos — e prejudicam indústrias no mundo inteiro","author":"Ernesto Yoshida","title":"O custo da estratégia anticovid da China — para ela e para o mundo","content":"Medidas drásticas como o lockdown de Shanghai vão fazer a China crescer menos — e prejudicam indústrias no mundo inteiro   David Cohen   Foram dois meses de lockdown. No dia 31 de maio, as cercas de contenção para impedir o trânsito de cerca de 25 milhões de pessoas em Shanghai, a maior cidade da China, foram desmanteladas. A cidade ainda deverá levar algum tempo para voltar à normalidade. E a economia também — não só a chinesa, mas a mundial. O lockdown na capital comercial do país, unido a esporádicos fechamentos em dezenas de outras cidades (incluindo vários bairros da capital, Pequim), deixou cerca de 200 milhões de pessoas em diferentes graus de restrição de movimentos, afetou linhas de montagem, interrompeu cadeias logísticas, paralisou trabalhadores e confinou consumidores em casa. Como resultado, as vendas no varejo despencaram 11% em abril, em relação ao mesmo mês no ano passado. Já haviam caído 3,5% em março. A produção industrial, para a qual se projetava um pequeno crescimento, caiu 2,9%. O desemprego subiu de 5,8% em março para 6,1% em abril. Entre os jovens, essa taxa alcançou 18%, num ano em que um número recorde de quase 11 milhões de estudantes deve se formar nas universidades do país. Tudo isso terá um efeito deletério no crescimento econômico. No primeiro trimestre, o PIB chinês cresceu 4,8%, já abaixo da meta anual, de 5,5%. No segundo trimestre, a distância deverá ser maior. De acordo com um artigo de Sheng Songcheng, ex-diretor de pesquisas e estatísticas do Banco Popular da China (o banco central do país), no jornal Shanghai Securities News , o crescimento girará em torno de 2,1%. Sheng acredita que a situação vai melhorar na segunda metade do ano, graças a políticas de incentivo econômico em regiões menos afetadas pela covid-19. A revista The Economist , porém, aponta que pela primeira vez desde 1990 a China vai ter dificuldades em crescer bem mais do que os Estados Unidos. A previsão do governo (de 5,5%) já é considerada otimista demais por analistas. O banco de investimentos Goldman Sachs, por exemplo, apostava em 4,5% — e em maio reduziu a expectativa para 4% no ano.     Receitas menores Dado o tamanho que assumiu na economia mundial, os problemas na China têm consequências para o mundo inteiro. Quase 60% das empresas americanas com presença no país reduziram suas previsões de receita para o ano, de acordo com a Câmera de Comércio Americana na China. Elas estão sofrendo pela falta de empregados, por dificuldades em obter suprimentos ou por serem obrigadas a paralisar operações. “A economia global ainda está se curando da pandemia”, disse Ali Wyne, da consultoria Eurasia , ao Marketplace, um programa de rádio sobre negócios. “Ela está agora ainda mais afetada pela invasão russa da Ucrânia e tem de enfrentar uma inflação generalizada. Então esta nova rodada de lockdowns exacerba as pressões existentes.” As empresas europeias no país relatam problemas semelhantes. De acordo com uma pesquisa feita pela Câmara de Comércio da União Europeia na China com 372 empresas, 92% se disseram afetadas pelos lockdowns. Mesmo o maior deles tendo terminado agora, o temor de novas paralisações faz com que a China se torne menos atraente para investimentos para três quartos das empresas. “Goste ou não, a esta altura, se você é uma multinacional, a China é provavelmente o seu maior ou segundo maior mercado consumidor”, disse Ben Cavender, diretor da consultoria China Market Research Group, à CNN. “E ela é provavelmente a sua maior base de produção, ou é responsável por uma parcela significativa da sua cadeia de fornecimento.” Que o diga a Apple. Os problemas com fornecimento de materiais para a produção de iPhones deverão reduzir suas vendas em algo entre 4 bilhões e 8 bilhões de dólares neste trimestre, ela advertiu investidores. A Volkswagen e a Toyota tiveram que suspender a produção de veículos durante semanas. A Tesla, que tem uma enorme fábrica de carros elétricos em Shanghai, também sofreu paralisação — e retomou sua produção ainda durante o lockdown adotando a tática de confinar funcionários dentro da fábrica, para trabalhar em turnos de 12 horas diárias, seis dias por semana, dormindo no chão da fábrica, de forma a impedir a entrada do vírus e manter a saída dos carros. Não foi a única empresa a adotar esse esquema. Mesmo assim, teve atrasos na produção. O Japão teve uma forte perda de produção industrial, dada a sua dependência de suprimentos do país vizinho. No Brasil, a crise de abastecimento contribui para manter a inflação alta. Conforme disse a IstoÉ Dinheiro o presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, os preços das importações subiram 34% , em dólares, em abril, com recuo de 6,9% nas quantidades. Em março, os preços já tinham aumentado 29,5%. A Amazon alertou que as taxas de transporte de carga continuam no mesmo nível ou até mais altas do que as do segundo semestre do ano passado, o auge da crise dos containers.   Tolerância zero O baque na economia é resultado da política chinesa de tolerância zero com a covid. A estratégia consiste em isolar qualquer pessoa que teste positivo para o vírus e todos os seus contatos próximos. Não é qualquer isolamento; as pessoas são retiradas de casa e enviadas a hospitais ou unidades médicas improvisadas em centros de convenção e outros grandes prédios, não importa a gravidade dos sintomas. Se o número de casos avança muito, grandes áreas são bloqueadas. A rispidez com que o isolamento é implementado é tamanha que muitos animais de estimação, deixados para trás quando seus donos foram levados aos centros de isolamento, morreram de inanição. Ou com pauladas dos trabalhadores enviados para desinfetar as casas. Mesmo agora que Shanghai saiu do lockdown, seus habitantes ainda têm que usar máscaras e evitar aglomerações. As lojas podem receber 75% de sua capacidade de público. Os restaurantes e as academias permanecem fechados. Para usar o transporte público ou frequentar locais públicos, as pessoas precisam apresentar teste negativo para o vírus, que é válido por 72 horas (em Pequim, a validade do teste é de 48 horas). Essa estratégia drástica — muitos testes e afastamento rápido de quem quer que possa espalhar a doença — funcionou bem no início da pandemia. Embora tenha ocasionado uma crise de abastecimento global, quando portos fechados desencadearam uma confusão no transporte de containers, a decisão salvou vidas. Muitas vidas. Até hoje o país contabilizou pouco mais de 5.000 mortes por covid. É um índice de cerca de três mortes por milhão de habitantes – um milésimo da taxa dos Estados Unidos (e do Brasil). A estratégia, no entanto, tem seus limites. Mesmo num país de regime ditatorial, protestos começaram a surgir na região de Shanghai, com pessoas batendo panelas em suas janelas para demonstrar descontentamento. Em termos de China, é um sinal e tanto.   Politização da vacina O caminho escolhido pela liderança chinesa fazia muito sentido no início da pandemia. Era uma forma de ganhar tempo enquanto os cientistas desenvolviam as vacinas. O problema é que a China não vacinou a população no ritmo que deveria. Nem com a eficiência necessária. Parte disso é fruto do orgulho nacionalista. A China se recusou (e ainda se recusa) a importar as vacinas feitas com mRNA de laboratórios ocidentais. Seus esforços para desenvolver uma vacina desse tipo não deram bons resultados até agora. A vacina que a China tem, de vírus inativado, é a Sinovac, a mesma que ainda é usada no Brasil (em conjunto com outras). Há aí dois problemas: o primeiro é que, no início, o próprio governo chinês não estimulou os idosos a se vacinarem, por medo de possíveis efeitos colaterais. Isso criou um clima de desconfiança. Apenas 57% das pessoas de mais de 60 anos tomaram três doses de vacina. Acima de 80 anos, menos da metade tomou duas doses e menos de um quinto tomou a dose de reforço. O segundo problema é que a vacina de vírus inativado parece proteger menos e por menos tempo que as de mRNA. Um estudo da universidade de Hong Kong publicado em março apontou que pessoas de 60 anos que tinham tomado três doses da coronavac (a vacina da Sinovac) tinham probabilidade três vezes maior de vir a óbito do que as imunizadas com a vacina da Pfizer. No Brasil, a recomendação para quem tomou a coronavac é que receba a segunda ou terceira dose de uma vacina de mRNA. O surgimento da variante ômicron, que se dissemina com mais facilidade, pegou a China com menos defesas do que deveria ter a esta altura. O número de casos rapidamente se multiplicou, chegando a mais de 30 mil por dia. Restou ao governo elevar as apostas na estratégia de zero covid. Trata-se de uma decisão tomada pelo próprio presidente Xi Jinping, que neste ano busca um inédito terceiro mandato como secretário-geral do Partido Comunista Chinês. É, portanto, inquestionável. Quando o líder da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, a quem a China costumava elogiar na condução da pandemia, recomendou que o país repensasse sua estratégia de combate à covid, suas fotografias e referências a ele rapidamente sumiram da internet chinesa. O governo considerou suas declarações “irresponsáveis”. Ainda assim, ninguém menos que o segundo homem mais poderoso da China, o primeiro-ministro Li Keqiang, afirmou no final de maio que a estratégia de zero covid provocou uma freada na economia “em alguns sentidos pior do que a do início de 2020”, quando a doença começou. Há quem interprete isso como um possível sinal de desavenças na cúpula chinesa. O mais provável é que não seja. E que a estratégia de zero covid se mantenha até o ano que vem — com boa chance de novos lockdowns até lá.  "}]