A presença de uma delegacia de polícia especializada em atender mulheres está ligada a uma melhora relativa nos indicadores de homicídio feminino no município após a implantação da Lei Maria da Penha, de 2006, que reforçou as proteções dessa população contra violências. Essas unidades policiais demonstraram menor eficácia na preservação da integridade de mulheres cuja cor da pele é identificada como preta ou parda.
A fim de avaliar a cogitação de que organismos públicos especializados na defesa e na promoção de direitos de segmentos vulneráveis fazem diferença na prática, os pesquisadores Paulo Arvate (FGV), Sandro Cabral (Insper), Anita M. McGahan (Universidade de Toronto) e Paulo Ricardo Reis (UFRJ) aproveitaram-se da introdução no Brasil da Lei Maria da Penha, promulgada em 7 de agosto de 2006.
O dispositivo legal ampliou as proteções contra a violência doméstica e familiar que vitima mulheres no país. Introduziu mecanismos seja para prevenir essas ocorrências, como o reforço de medidas protetivas contra agressores, seja para coibi-las, como a obrigação de o setor público prestar atendimento especializado às agredidas.
Um desses mecanismos promovidos pela lei de 2006, as delegacias da mulher vinham sendo implantadas em alguns municípios, por iniciativas estaduais, desde a década de 1980. Com base na literatura especializada, os pesquisadores formularam a hipótese de que o efeito da nova lei seria mais pronunciado nas cidades que já dispunham de uma delegacia da mulher, na comparação com outras desprovidas do órgão policial.
Com dados anuais de homicídios por localidade obtidos no Datasus (plataforma do Ministério da Saúde) e informações sobre a presença de delegacias da mulher nessas cidades, oriundas da pesquisa Munic do IBGE, o quarteto de pesquisadores pôde analisar o que aconteceu alguns anos depois da promulgação da Lei Maria da Penha nesses dois grupos de municípios brasileiros com a taxa de assassinatos de mulheres.
Se, antes do advento da legislação, as taxas de homicídio feminino entre cidades com e sem delegacia da mulher não diferiam, elas passaram a divergir nas verificações feitas seis anos e doze anos após a implantação da lei. Os assassinatos de mulheres nas cidades sem a delegacia especializada cresceram no período, o que não ocorreu nas municipalidades que contavam com esse tipo de unidade policial.
Ao detalhar o efeito da redução de homicídios, os pesquisadores constataram, no entanto, que ele ficou concentrado nas mulheres brancas, em detrimento das identificadas como pretas e pardas. Essa disparidade foi menor em cidades com elevada taxa de instrução formal da população e nas regiões metropolitanas, que contam com melhor infraestrutura de comunicação e transportes.
De posse desses resultados, os pesquisadores sugerem que as delegacias especializadas em atendimento de mulheres poderiam ampliar os seus efeitos protetivos se desenvolvessem mecanismos de atenção às pessoas identificadas como pretas e pardas. Também chamam a atenção para a importância das políticas educacionais e de infraestrutura urbana na redução da violência contra as mulheres no Brasil.
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