
Quanto maior o intervalo entre a identificação do problema, sua resolução ou sua mitigação, maior o risco de o negócio não se perenizar
Renata Frischer Vilenky*
É muito comum ouvirmos que empresas não inovam em função do seu débito técnico ou débito organizacional. Mas do que exatamente estamos falando?
Em linhas gerais, o débito organizacional se refere a estruturas hierárquicas, processos e modelos mentais ultrapassados que não colaboram para que a empresa mude sua maneira de entregar seus serviços e produtos. Algumas situações que podem colaborar para esse débito existir ou crescer:
- A empresa não investiu em treinamentos dos colaboradores e programas de atualização da sua liderança;
- A empresa viveu uma época de muitos lucros e reconhecimento do mercado e acabou acreditando que esse período se perenizaria no tempo, mesmo sem novos esforços;
- A empresa não olha para o processo de seleção e recrutamento como uma porta de entrada para talentos, mas apenas como um custo necessário;
- A empresa trabalha sempre com a visão no curto prazo e pouco avalia os tipos de risco, as mudanças de comportamento ou de cenários e o impacto de suas decisões no longo prazo;
- A empresa tem pouca ou nenhuma diversidade de personalidades e, portanto, a identificação de problemas, oportunidades, soluções e modelos é direcionada sempre pelos mesmos vieses e limitações, uma vez que somos todos enviesados e limitados pela nossa experiência de vida.
Mas, além da questão organizacional, as questões técnicas, que nos tempos atuais ganharam enorme relevância, podem se transformar no calcanhar de Aquiles das empresas, porque, sem automação, dificilmente algum negócio ganha escala. E por que encontramos esse tipo de débito nas empresas? Existem algumas possibilidades:
- A empresa possui uma quantidade de sistemas legados feitos em colcha de retalhos, sem documentação e codificados de forma totalmente sem padrão, criando a dependência dos “gurus da manutenção” que conhecem onde “o durex” está colado. Nesse momento, a empresa torna-se refém dos profissionais;
- A empresa trabalha sempre com prazos inviáveis para a implantação dos projetos. Com isso, a equipe técnica adquire o hábito de lançar o software com erros e depois ir corrigindo, porém os erros acabam aparecendo numa proporção maior do que a capacidade de correção;
- A empresa resolve adotar novas tecnologias sem experiência necessária para conduzir projetos com a utilização delas e sem equipe que domine o funcionamento das tecnologias para lidar com imprevistos;
- A empresa enxerga tecnologia puramente como gasto e sempre quer comprar, da infraestrutura ao perfil profissional, desembolsando os menores valores possíveis, porém extraindo os maiores benefícios. Geralmente, nesse cenário, acaba adquirindo “gato por lebre”.
Enfim, se você começou a se enxergar em algum dos tópicos acima, não ache que está sozinho. Esse problema é mundial, e cada empresa racionalizará seus motivos para ter chegado a esse cenário.
Mas avalie de forma pragmática do ponto de vista:
- Do investidor: Você acha que uma empresa com vários débitos técnicos ou organizacionais tem um valuation melhor ou pior do que uma empresa moderna, diversa e que enxerga tecnologia como investimento?
- Do cliente: Você acha que o cliente recebe o produto ou serviço com mais conveniência e celeridade numa empresa com débitos ou sem débitos? No mundo atual do famoso conceito “foco do cliente nos negócios”, você acha que o cliente percebe valor e está disposto a mexer em seu bolso para pagar os serviços oriundos de qual tipo de empresa?
- Do fornecedor: Você acha que o fornecedor que quer crescer, aumentar receita, lançar novos serviços e ampliar seu market share busca empresas com débito técnico ou organizacional para se relacionar e crescer?
- Do mercado: À medida que a empresa perde faturamento, perde clientes, não lança produtos e serviços aderentes aos novos tipos de demanda, você acha que o mercado constrói que tipo de imagem dessa empresa, para o público, para a mídia ou mesmo nos bastidores de grupos fechados?
O que você acha que aconteceu com a Atari, com a BlackBerry, com o Orkut, com a Kodak, com o Yahoo, com o MySpace e tantas outras iniciativas?
Será que o benefício das techs está apenas em começar pequenas e com alta utilização de tecnologia? Será que uma tech endereçada por caminhos tortos não pode ter o mesmo destino de uma empresa tradicional e contrair débitos que a impeça de crescer?
Sempre há tempo para mudar. Mas, quanto maior o intervalo entre a identificação do problema, sua resolução ou sua mitigação, maior o risco de o seu negócio não se perenizar.
Vale a pena começar a discutir cenários de futuro, orçamentos, prazos mais realistas e, principalmente, o significado de não fazer as mudanças necessárias. Traga olhares diversos para a mesa de avaliação e converse com parceiros, clientes, colaboradores e conselho, se houver.
Não estagne e não tenha medo de mudar o presente, porque essa pode ser a diferença entre viver apenas hoje e manter-se vivo criando a história de como será o amanhã.
* Renata Frischer Vilenky é alumna Insper do MBA de Administração da turma de 2008, coordenadora do Grupo Alumni de Tecnologia e membro da Academia Europeia da Alta Gestão. Atualmente, é sócia da healthtech Prospera Saúde e da fintech Kikkin, É conselheira de startups e mentora de projetos de inclusão social no Instituto Reciclar e na ONG Gerando Falcões. É autora dos e-books Artificial: Uma Oportunidade para Você Aprender e Startup: Transforme Problemas em Oportunidades de Negócio, ambos publicados pela Expressa Editora.