[{"jcr:title":"Transformação digital: o que podemos aprender com os casos de fracasso?"},{"targetId":"id-share-1","text":"Confira mais em:","tooltipText":"Link copiado com sucesso."},{"jcr:title":"Transformação digital: o que podemos aprender com os casos de fracasso?","jcr:description":"Duas lições relevantes de iniciativas digitais que não deram o resultado esperado. Para líderes de organizações tradicionais, uma coisa é certa: o novo contexto exige “menos do mesmo”"},{"subtitle":"Duas lições relevantes de iniciativas digitais que não deram o resultado esperado. Para líderes de organizações tradicionais, uma coisa é certa: o novo contexto exige “menos do mesmo”","author":"Ernesto Yoshida","title":"Transformação digital: o que podemos aprender com os casos de fracasso?","content":"Duas lições relevantes de iniciativas digitais que não deram o resultado esperado. Para líderes de organizações tradicionais, uma coisa é certa: o novo contexto exige “menos do mesmo”   [Edvalter Becker Holz](https://www.insper.edu.br/pesquisa-e-conhecimento/docentes-pesquisadores/edvalter-becker-holz/) *   Pesquisas de mercado realizadas por importantes instituições, como as universidades Harvard e MIT e as consultorias Gartner e McKinsey, têm indicado que investir em transformação digital é uma das principais estratégias de crescimento para CEOs e executivos seniores, antes, durante e após a pandemia. Essas mesmas instituições também têm divulgado pesquisas recorrentes indicando que mais de 70% das inciativas de transformação digital fracassam — ou seja, não atingem seus objetivos e não geram o retorno esperado. Exemplos importantes não faltam: Burberry, Ford, GE, Lego, Nike, P&G e Walmart podem ser analisados, sob muitos pontos de vista, como casos de fracasso de transformação digital. Alguns de seus líderes fizeram um estardalhaço na mídia enquanto investiam milhões em estratégias digitais. Pouco tempo depois, estavam em apuros para explicar os imensos desafios de desempenho e problemáticas dissidências de acionistas. Até agora, estes e outros casos de fracasso nos oferecem pelo menos duas lições relevantes.   Lição 1: houve uma supervalorização da estratégia e gestão ágil Massivamente, o sucesso da transformação digital foi associado a uma questão de estratégia digital (como o negócio irá competir no cenário digital), estratégia de transformação digital (como o negócio irá mudar o modo como gera valor a partir da inserção de tecnologias digitais em sua infraestrutura) e gestão ágil (como essa transição será gerenciada). Sucessivos casos de fracasso têm mostrado que esses fatores são relevantes, mas não são determinantes de sucesso. Em muitos casos, a estratégia digital foi bem-formulada e sua implementação foi competentemente gerenciada. Mas, à medida que avançou, se revelou incompatível ou mesmo antagônica com a estratégia corporativa ou com fatores externos à organização. É o caso das empresas mencionadas anteriormente. Muitas precisaram recuar e tomar medidas difíceis, como descontinuar linhas de produtos digitais, fechar caríssimas instalações recém-construídas e demitir centenas de profissionais altamente qualificados e raros. Uma importante causa disso é que essas e outras organizações tradicionais têm tentado compensar a falta de maleabilidade da sua infraestrutura técnica com estratégia e gestão, e isso não funciona bem. Negócios que nascem digitais geram valor porque são inerentemente capazes de convergência e generatividade. Convergência diz respeito ao fato de que esses negócios “acoplam” diferentes experiências de usuário, capacidades organizacionais e indústrias, umas às outras. Por exemplo: a plataforma iFood acopla restaurantes, farmácias, supermercados, instituições financeiras e entregadores uns aos outros, convergindo seus diferentes processos (produção, oferta, venda, pagamento, entrega etc.) numa única experiência de uso geolocalizado. Generatividade diz respeito ao fato de que a forma e a função da plataforma podem ser alteradas sem grandes esforços ou investimentos. Portanto, o modo como aquele negócio gera valor é inerentemente maleável. A qualquer momento um negócio digital pode incrementar ou mudar o modo como gera valor, acoplando novos tipos de serviço ou funcionalidades ao app e/ou desacoplando outros. Por exemplo: o iFood acoplou serviços de supermercado e farmácia, além de restaurantes; o WhatsApp acoplou serviços financeiros; o Mercado Livre e o Rappi já podem ser considerados superapps, pois acoplam uma gama de serviços muito diversa e que tradicionalmente se encontram em “indústrias distintas” (expressão que perde o sentido neste contexto). O ponto fundamental é que convergência e generatividade não são decorrência de estratégia e gestão, como se tem apregoado. Elas são o próprio traço da tecnologia digital no ambiente de negócios. A maleabilidade com que negócios digitais geram valor é decorrente da natureza da sua infraestrutura digital, independentemente da sua estratégia e gestão. Muitos negócios digitais, inclusive, usam modelos estratégicos e de gestão nada inovadores, mas atingem sucesso graças à vantagem que a maleabilidade da sua infraestrutura digital traz. Do outro lado, negócios tradicionais (ou não digitais) estão inerentemente impossibilitados de desenvolver essa mesma maleabilidade, já que não possuem uma infraestrutura digital. Assim, para tentar competir com negócios digitais, eles têm focado em elaborar uma boa estratégia digital, aliada a uma boa estratégia de transformação digital e gestão ágil. A opinião corrente é que essa fórmula mágica é capaz de “transformar” qualquer organização tradicional em um competitivo negócio digital. As altíssimas taxas de fracasso têm mostrado que não é bem assim. Na raiz do problema está o fato de que dificilmente será possível “transformar” a infraestrutura de uma organização tradicional ao ponto de ela desenvolver a mesma maleabilidade da infraestrutura de um negócio nascido digital.   Lição 2: transformação digital parece não seguir as “leis” tradicionais da mudança organizacional Oura importante razão pela qual tantas organizações têm fracassado na transformação digital é que seus líderes têm adotado massivamente modelos tradicionais de liderança e gestão de mudança. Grosso modo: “mudança na estratégia competitiva e corporativa + redesign da estrutura organizacional + mudança da cultural organizacional”. É possível encontrar essa lógica na base de praticamente tudo o que se diz sobre transformação digital até agora. Entretanto, pesquisas recentes mostram que essa clássica fórmula a la Jack Welch parece não funcionar bem no contexto digital, apesar de estar incorporada inclusive a alguns modelos teóricos de transformação digital. A própria pertinência das noções de estrutura e cultura organizacionais têm sido posta em xeque no contexto de plataformas e ecossistemas digitais, em que organizações precisam ser altamente maleáveis e abertas a valores e formas de governança não somente de organizações distintas, mas de indústrias tradicionalmente distantes. Para uma organização ter sucesso nesse contexto, suas tecnologias, processos, produtos, serviços e transações precisam ser concebidos como “modulares”, ou seja, facilmente “acopláveis” a tecnologias, processos, produtos, serviços e transações de outras organizações. É essa “modularidade organizacional” que possibilita a inserção de uma organização a um ecossistema, e isso é praticamente o inverso da tradicional receita de diferenciação por meio de estratégia, estrutura e cultura. Além disso, já sabemos que importantes condições contextuais jogam para o sucesso ou fracasso da transformação digital. Por exemplo: as condições de infraestrutura em que a organização originalmente se desenvolveu; as características socioeconômicas dos seus principais consumidores; e, em especial, aquilo que pesa como legado de décadas na organização. O Walmart, por exemplo, enfrenta dificuldades para explicar como conciliar investimentos de décadas em infraestrutura física e logística com investimento em infraestrutura digital; além disso, muitos duvidam que ele consiga desenvolver — ao menos em tempo hábil — uma cultura de inovação e valorização de pessoas, necessária para sua estratégia digital, quando há décadas tem sido criticado em diversos países por desvalorização e baixíssima compensação de seus colaboradores.   Conclusão: transformação digital pede “menos do mesmo” A implicação dessas duas lições para líderes de organizações tradicionais é simples: o digital não é o tradicional “transformado”, mas um contexto de natureza inteiramente nova e pede fórmulas um pouco mais complexas do que as que têm sido usadas. A massiva retomada da vida presencial quando já dispomos de tecnologias digitais para viabilizar uma vida quase inteiramente remota é um exemplo disso. O que parece haver por trás do fracasso de muitas organizações é a tentativa de lidar com esse contexto novo a partir de abordagens tradicionais de liderança e gestão.   * [Edvalter Becker Holz](https://www.insper.edu.br/pesquisa-e-conhecimento/docentes-pesquisadores/edvalter-becker-holz/) –  Doutor em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas (EAESP/FGV), com extensão na École Des Hautes Études Commerciales (HEC Montréal). Mestre e Bacharel em Administração pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Docente de dedicação integral no Insper, na trilha de Liderança e Gestão de Pessoas. Atua em programas de graduação (Administração/Economia), pós-graduação (Mestrado Profissional em Administração e MBA Executivo Internacional) e Educação Executiva (programas abertos e customizados) no Insper. Desenvolve pesquisas e projetos aplicados com foco em pessoas, organizações e tecnologias. edvalterBH@insper.edu.br [LinkedIn](https://www.linkedin.com/in/edvalter-becker-holz-52736788/)"}]