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Os desafios no mapeamento de territórios invisibilizados

Encontro discutiu experiências práticas de levantamento de dados e cartografia em áreas urbanas esquecidas pelos órgãos oficiais

Encontro discutiu experiências práticas de levantamento de dados e cartografia em áreas urbanas esquecidas pelos órgãos oficiais

 

Bárbara Nór

 

A exclusão de populações vulneráveis não acontece só no dia a dia, na falta de acesso a infraestrutura e serviços básicos, mas também no próprio mapa. São comunidades inteiras que, muitas vezes, não dispõem de informações ou cartografias — por vezes, não têm nem mesmo nomes oficiais de ruas.

Como mapear esses locais e conseguir extrair e organizar dados para entender vulnerabilidades e potencialidades? Foi com perguntas como essas que teve lugar no Insper, no último dia 18 de outubro, o evento “Mapeando territórios invisibilizados: metodologias e desafios”, organizado pelo Laboratório Arq.Futuro de Cidades  como parte da programação do Circuito Urbano 2022 da ONU-Habitat Brasil.

Na abertura, Adriano Borges Costa, professor e pesquisador do Insper e coordenador adjunto do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório, falou sobre os desafios de mapear territórios vulnerabilizados. “Em geral temos muito poucos dados disponíveis”, disse ele, chamando a atenção também para a necessidade de integrar esforços que vêm sendo feitos nesse sentido. “Vários desses mapeamentos comunitários locais estão sendo feitos por organizações de base comunitária ou por instituições parceiras, e precisamos começar uma conversa sobre esse assunto.”

Assim, o evento foi concebido como parte desse esforço de diálogo entre diferentes experiências de mapeamento locais — não só no Brasil, em capitais como Rio de Janeiro, São Paulo e Fortaleza, como também em outros países, caso de Moçambique e do México. No Insper, isso tem acontecido também por meio do Portal de Dados Urbanos, uma inciativa do Laboratório com a participação de outras instituições e de representantes de movimentos sociais, além da própria Prefeitura de São Paulo.

“A nossa ideia é trabalhar de maneira múlti e interdisciplinar para formular e resolver os complexos desafios urbanos”, explicou Tomas Alvim, coordenador do Laboratório Arq. Futuro de Cidades. “Percebemos que as discussões urbanas acabam sendo pouco baseadas em dados e em avaliação de impacto, e essa talvez possa ser uma das contribuições que podemos dar.”

Durante o Circuito Urbano, foram realizadas duas mesas-redondas de discussão, com a participação de quatro pesquisadores em cada uma. As mesas contaram com mediação de Carlos Leite, coordenador do Núcleo de Urbanismo Social, e de Evandro Alves, cientista de dados do Laboratório.

 

Bairros resilientes – O exemplo da Cidade do México

Um dos projetos apresentados durante o evento foi o de “Bairros Resilientes”, desenvolvido na Cidade do México e que surgiu como resposta ao terremoto ocorrido no dia 19 de setembro de 2017, uma tragédia que deixou 370 mortos e mais de 7 mil pessoas feridas, sobretudo na região metropolitana da capital mexicana.

Segundo Laura Janka, arquiteta mexicana e coordenadora do Núcleo de Arquitetura e Cidade do Laboratório, o objetivo era fazer um piloto para propor e implementar uma metodologia de resiliência comunitária a partir da capacitação e do fortalecimento de diversas zonas da capital de seu país. “O projeto tinha como foco criar uma estratégia, uma metodologia para uma política pública urbana sobre o que significaria a resiliência comunitária a partir do mapeamento e do fortalecimento comunitário na gestão de redução de riscos”, disse Laura. “Foi um esforço secretarial de realmente identificar, mapear e cruzar alguns dados não apenas na escala do município, mas também na escala metropolitana.”

A resiliência, explicou Laura, dizia respeito à capacidade das pessoas, das comunidades, das empresas e dos sistemas de sobreviver, crescer e se adaptar diante de desafios constantes e seus impactos, como problemas habitacionais, de saneamento e riscos como os terremotos. Além de socializar uma cultura de gestão de redução de riscos a partir da resiliência urbana, o objetivo era testar um modelo de mapeamento e planejamento comunitário com base em “simulações” vivenciadas pelos próprios moradores. Isso tudo serviria também como insumo para contribuir para políticas públicas urbanas voltadas ao fortalecimento comunitário em situações de risco.

Por isso, uma das prioridades era entender a inovação e as capacidades adaptativas das populações. “A resiliência é um processo de aprendizagem”, pontuou Laura. No terremoto, por exemplo, que teve uma magnitude alta, de 5 na escala Richter, o número de mortes foi bem menor do que em vezes anteriores. “Isso tem a ver também com as capacidades que foram criadas na sociedade anteriormente”, afirmou a pesquisadora.

“Esse projeto-piloto estava querendo resgatar, aprender e aproveitar a experiência de engajamento comunitário como uma ferramenta.” Para isso, focou em cinco bairros na cidade que foram os pontos mais críticos do terremoto — e com maior densidade populacional. A ideia era, num primeiro momento, fazer o reconhecimento do espaço físico, social e simbólico do bairro para, depois, construir um mapa de vulnerabilidade, capacidade e recursos disponíveis na comunidade.

Nesse processo, a participação de moradores dos bairros foi essencial, inclusive para fomentar o processo de aprendizagem e de capacitação, aproveitando a memória e as experiências das populações locais. “Tem a ver com compartilhar e criar um vocabulário comum, não apenas de levar o vocabulário técnico”, analisou Laura. No mapa das vulnerabilidades, o grupo desenvolveu uma ferramenta com uma linha do tempo em que se resgatavam diferentes momentos de alta vulnerabilidade e de ameaças por um lado e, por outro, quais tinham sido as respostas da comunidade nessa linha do tempo.

Tudo issoera acompanhado de mapas históricos que mostravam como a cidade tinha sido transformada, em uma escala mais distante, mas que ajudava a visualizar a experiência local no desenvolvimento histórico da cidade. “Foi um momento superimportante não apenas para entender e mapear os logradouros e as casas como também para identificar vulnerabilidades históricas”, afirmou Laura.

 

Trazendo a favela para o mapa

Outra apresentação ocorrida no evento foi a do arquiteto Washington Fajardo, ex-secretário de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro, e que em 2018 se tornou Loeb Fellow na escola de Design de Harvard. Ele falou sobre o projeto Favelas 4D, feito pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em parceria com a BRTech e liderado pelo Senseable City Lab. Fajardo disse que um dos motivos para se envolver nessa pesquisa, que busca recriar comunidades como as do Rio de Janeiro em um ambiente digital, foi quando ele percebeu que recursos como street view, do Google Maps, não estavam disponíveis para lugares como a favela da Rocinha.

“Não tínhamos como usar esse recurso que é tão banal e que está aí à disposição de todo mundo para ver territórios como a Rocinha”, explicou, ressaltando que o mesmo ocorria em outras comunidades, como o Complexo da Maré, também no Rio de Janeiro. “São bairros populares onde a ação do Estado é de omissão ou de presença apenas pela violência.”

Segundo Washington, a cartografia nunca é feita sem intenção — ela pode servir para cristalizar, inclusive, a invisibilização de determinados territórios excluídos. O arquiteto discorreu também sobre a importância da “riqueza dessa possibilidade de visualização de mapas visuais e a força da imagem como forma de aumentar a comunicação e de reduzir preconceitos”. Na história de outros países, lembrou, os mapas foram ferramentas importantes, inclusive, para o desenho de atuações diferentes áreas, em especial saúde e habitação.

Um exemplo foram os mapas da pobreza de Londres, que evidenciaram problemas nas condições de vida daquelas pessoas para a saúde pública, e, em Nova York, as fotografias feitas na virada do século XIX para o XX mostrando a condição em que viviam os imigrantes no sul de Manhattan. “Isso teve impacto direto nas condições de políticas habitacionais”, disse Fajardo. “Os mapas estão diretamente conectados com a história da humanidade.”

Em sua pesquisa com o projeto Favelas 4D, a ideia foi usar também a tecnologia para pensar em soluções mais rápidas para o desafio que seria mapear lugares justamente como a Rocinha, algo fundamental para que de fato mudanças possam ocorrer na condição de vida de seus moradores. “A mim parece necessário que a gente possa olhar para a condição físico-ambiental desse território”, afirmou Fajardo. “Por exemplo, a Rocinha ainda é um epicentro na América Latina de tuberculose e isso não muda por mais que consigamos aumentar a compreensão sobre aspectos sociológicos daquele território, pelo fato de não ter insolação e ventilação.”

Uma das inovações tecnológicas disponíveis é utilizada no Brasil para mapear plataformas de petróleo. “A melhor tecnologia nacional de escaneamento de cidade está no mar”, comentou o arquiteto, que foi atrás da ferramenta para utilizar em um protótipo na Rocinha. “Fizemos o escaneamento de duas áreas e esse trabalho depois evoluiu no laboratório.” Um dos objetivos é poder medir de maneira muito rápida, por meio da computação e programação, dados sobre a qualidade do ambiente físico.

Outras aplicações são criar um big data sobre o ambiente construído em espaços informais, inclusive para derrubar preconceitos sobre a forma urbana em favelas. “A gente não admite verticalização em favela e eu pergunto por quê”, disse Fajardo. Além disso, seria mais simples para engenheiros fazerem uma infraestrutura e construções mais eficientes munidos de informações sobre as construções já existentes.

Por fim, comentou o arquiteto, outro desafio seria trazer essa leitura computacional para o campo da econometria — e conseguir criar endereços e até a regularização fundiária. “Infelizmente, essa pesquisa tem despertado muito mais interesse fora do Brasil do que aqui”, lamentou Fajardo. Segundo ele, a iniciativa teve destaque no Fórum Econômico Mundial e foi finalista de prêmios de inovação, mas foi pouco discutida no próprio país. “Acredito que seria uma ferramenta fundamental para os arquitetos de favelas e para diminuir a percepção sobre esses territórios como espaços de violência”, encerrou.

 


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Mapeando territórios invisibilizados: metodologias e desafios

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