Práticas estranhas à operação da empresa podem gerar conflitos e ser repelidas pelas pessoas, diz Renata Freesz, gerente de projetos de inovação da Klabin
Leandro Steiw
Inovação e cultura organizacional são dois caminhos que se cruzam, na opinião de Renata Freesz, gerente de projetos de inovação da fabricante de papel e celulose Klabin. Em 2018, ela foi convidada a estruturar a nova área da companhia, na qual trabalhava havia sete anos no setor de estratégia. Inovação era uma daquelas palavras da moda, como sustentabilidade, que nem sempre saem, de fato, do papel. “Se aplicássemos as práticas que estavam sendo usadas no mercado como um copia e cola, provavelmente não teríamos muito sucesso ou geraríamos conflitos e medo na organização em relação ao tema da inovação”, diz Renata.
Parte da preocupação estava na tradição da Klabin, uma empresa de 123 anos. “Percebi que várias daquelas práticas do mercado, desde usar termos em inglês ou questões mais taxativas como ‘se você não inovar, você vai morrer’, não eram uma linguagem que se comunicava com a cultura organizacional da Klabin”, afirma Renata. “Não existe certo ou errado. O importante é você se enxergar dentro dessa organização e dessa cultura. Portanto, é preciso adaptar o que você ouviu de outras empresas. E a cultura é determinante nesse sucesso.”
Renata considera a inovação uma ferramenta coadjuvante do negócio, e não a questão principal. “Você sempre quer resolver problemas, buscando soluções interessantes que tragam resultado”, diz a executiva. “Se você coloca a inovação em primeiro lugar, ela por si entra em confronto com a cultura da organização. Então, você perde um pouco o seu propósito, aonde quer chegar lá no final.” Uma abordagem conflitante à operação da companhia pode se tornar um organismo estranho, como um vírus atacado pelo sistema imunológico, que a própria cultura interna se encarrega de expelir, imediatamente ou aos poucos.
Para Renata, não se consegue implantar qualquer inovação de maneira genuína e verdadeira sem uma conexão forte com a cultura. “Você pode até conseguir forçar e sustentar por um tempo, mas vai acabar se perdendo quando a moda passar”, afirma. “Acredito que o mais importante é escolher estratégias diferentes ou construir uma expectativa temporal diferente. Uma boa prática de inovação pode ter sido implementada num tempo curto em determinada empresa, porém em outra vai demorar um pouco mais. O formato e a estratégia também mudam.”
A executiva recorda: “O que procurei fazer foi respeitar a cultura da organização, mas com o objetivo de mudá-la também. Pensando em transformar de uma forma mais orgânica do que imposta. Acho que este que é o balanço, tal qual o sal que se põe na comida. Não se pode nem pôr muito, nem pôr pouco. Senão fica muito salgado ou sem gosto. É nessa dose de combinação entre a inovação e a cultura organizacional que você deve se atentar. Às vezes, em uma multinacional, por exemplo, recebe-se um script pronto para implementar e apenas alterar alguma coisa”.
No caso da Klabin, como processo partiu da matriz, as práticas puderam ser construídas. “Usei vários mecanismos diferentes para fazer com que a companhia compreendesse e começasse a se encantar”, diz Renata. “Desenvolvendo produtos e programas, oferecendo para outras áreas da companhia, fomentando essa questão de empreendedorismo, fazendo uma mudança de dentro.”
Há também as mudanças que vêm de fora para dentro, propostas pelo modelo de open innovation (inovação aberta, em português). Pessoas-chave da companhia são convidadas para acompanhar a equipe de inovação em conversas e eventos externos, inclusive fora do Brasil. “A ideia é causar uma contaminação positiva desse olhar principal que é trabalhado na Klabin — a inovação com propósito”, afirma. “Sempre com o pensamento da colaboração, do cocriar, do fazer junto, de parar de tentar resolver os problemas sozinho e se abrir para o diálogo, com diversos atores diferentes. Isso vai transformando a cultura e a forma como as pessoas trabalham.”
Conforme Renata, implantar boas práticas de inovação, sem essa conexão dentro da empresa, é um processo difícil. Se as mudanças são propostas de cima para baixo, é importante que a administração da companhia também se adapte à nova cultura. “Na Klabin, foi criada uma comissão de inovação, formada pela diretoria para deliberar ações”, diz. “Quando começamos a comunicar os muitos projetos que estavam em andamento, parte desse grupo estranhou que não se pedia aprovação anterior a eles.”
A prática consistia em apresentar as ideias em fase avançada, já prototipadas e testadas. “Explicamos que, se tivéssemos que perguntar tudo antes, não teríamos a agilidade necessária para dar a visão de empoderamento, de autonomia e de colaboração para as pessoas”, diz Renata. “Então, existe essa mudança na esfera mais de cima. A indústria onde a Klabin está inserida, de capital intensivo, envolve grandes investimentos e ciclos longos. Como autorizar as pessoas a errar um pouco num setor no qual não se pode errar muito? Por isso, as mudanças de comportamento são diferentes, dependendo dos níveis em que se está dentro da organização.”
E como fica a inovação com a transformação digital? “Acredito que a inovação é muito menos sobre o digital e mais sobre inteligência dos processos e sobre as pessoas”, afirma. “Vai ajudar a pessoa? O processo vai ficar melhor? Faz mais sentido ou vai gerar mais recursos? Toda vez que se perde essa parte humana na inovação, desperdiça-se a chance de ouvir o outro, de exercer a empatia. Você pode perfeitamente digitalizar um processo que é péssimo, mas ele vai só se tornar um processo que é péssimo digital.”