
Eduardo Bastos, CEO da MyCarbon, empresa do Grupo Minerva Foods, fala sobre o potencial do mercado de carbono de soluções baseadas na natureza
Tiago Cordeiro
Há algum tempo, empresas dedicadas à geração de créditos de carbono a partir da preservação florestal vêm ganhando espaço no Brasil. O interesse por atividades de reflorestamento em propriedades rurais, por sua vez, levou ao surgimento de uma segunda onda de empresas, cujos projetos preveem a restauração de áreas desmatadas.
Em ambos os modelos, baseados no desmatamento evitado e no reflorestamento, a receita da venda de créditos de carbono serve como alternativa de renda para produtores rurais e pecuaristas. No entanto, especialistas apontam que uma parte muito pequena do mercado de carbono é coberta por esquemas de precificação dentro da faixa de preço necessária para que o negócio atinja seu objetivo de mitigação climática — entre 40 e 80 dólares por tonelada de gás carbono equivalente (tCO2e).
No que diz respeito especificamente aos mercados voluntários, os preços dos créditos de carbono gerados por REDD+ (desmatamento evitado), ARR (Afforestation/Reforestation/Revegetation) e ALM (Agricultural Land Management), os três projetos de créditos de carbono com potencial de participação do setor agropecuário, são historicamente deprimidos, como explicaremos mais abaixo.
Ainda assim, para Eduardo Bastos, as dificuldades na implementação do mercado de carbono para o agronegócio brasileiro não anulam o fato de que o setor está diante de uma oportunidade econômica e ambiental expressiva. “Nenhum país do mundo se equipara ao Brasil”, afirma.
Antes de se tornar CEO da MyCarbon, empresa do Grupo Minerva voltada para o mercado de créditos de carbono, em maio de 2022, Bastos foi líder de sustentabilidade da Bayer, diretor executivo da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) e diretor da Dow.
A partir de Paris, onde estava para participar da Sial, a maior feira mundial do setor de carne, realizada a cada dois anos desde 1964, Bastos concedeu uma entrevista sobre as perspectivas e os desafios para o mercado de carbono de soluções baseadas na natureza, no Brasil e em termos globais. Confira a seguir:

O senhor está em Paris para apresentar um novo produto de sua empresa, a carne carbono zero. De que se trata?
A MyCarbon está ligada ao grupo Minerva, o maior exportador de carne bovina da América Latina. Era normal que começássemos a atuar no mercado de carbono por este setor. Já tínhamos uma iniciativa de neutralidade de carbono, em escopo 1 e 2. Mas, já que tínhamos também um trabalho com pecuaristas para reduzir as emissões nas fazendas, por que não incorporar o conceito à carne e testar o mercado? Em maio, fizemos a primeira exportação do mundo de um contêiner de carne carbono zero, oriunda do Uruguai, e desde então comercializamos para mais de dez clientes de diferentes lugares do mundo. Utilizamos fazendas certificadas, que fornecem carne certificada carbono zero. É um desafio, porque leva dois anos, em média, para uma fazenda ser certificada. Em paralelo, compramos crédito no mercado e compensamos. Os dois modelos são transparentes, mas distintos. Compensamos comprando créditos de “soluções baseadas na natureza”, principalmente desmatamento evitado e energia renovável.
O ideal seria que a carne gerasse crédito dentro do processo produtivo. Por que não se conseguiu que os produtores obtivessem crédito e carbono por intensificação sustentável da agropecuária?
No mercado voluntário, existem três tipos de carbono ligado ao uso do solo. O REDD+ (desmatamento evitado) vale em média 10 dólares por tonelada de CO2 equivalente. O ALM (Agricultural Land Management – carbono derivado do manejo da atividade agropecuária) vale 20 dólares, na média — existem pouquíssimos projetos aprovados do mundo, nenhum no Brasil. E o ARR (Reflorestamento) vale 30 dólares por tonelada de carbono. Todas as certificações foram desenhadas com olhar para o clima temperado. Explicar que no clima tropical você faz duas a quatro safras no ano é difícil. Não existe metodologia para medir carbono em tudo isso. Não há publicações científicas para apoiar essa medição. O segundo desafio principal é o custo. Hoje, medir carbono em pasto, ou em agricultura, é mais caro do que o valor do carbono — precisamos trazer mais ciência e digitalização para reduzir os custos de MRV (medição /reporte /verificação). Quem paga a conta hoje são as empresas. Nos Estados Unidos, o produtor recebe 15 dólares/tCO2e para pegar solo nu e converter em plantio direto. Se fizer plantio direto com cobertura, 20 dólares. Com plantio direto, cobertura e rotação, recebe 25 dólares.
Por que o produtor brasileiro não recebe nada, mesmo realizando todos esses processos?
Por causa de um conceito chamado “adicionalidade”. Como a maioria dos produtores já faz plantio direto, a lógica do mercado é não pagar. O americano tem área estimada de plantio direto inferior a 25%, enquanto no Brasil é superior a 80%. Então, aqui é considerado linha de base.
O que garante que o produtor não recue?
Permanência é um tema relevante, particularmente em soluções baseadas na natureza. Em agricultura, isso é crítico: como garantir a permanência? O Brasil está comemorando 50 anos de plantio direto, e o produtor que já o fazia na época pode muito bem continuar. Agora, se a terra pegar fogo, ou o produtor resolver acabar com o plantio direto? Por isso, em todos os projetos, considera-se um percentual de perda. É preciso firmar contratos muito bem amarrados, o que acrescenta outra dificuldade: como fazer um contrato de 20 ou 30 anos com um agricultor que não sabe se vai plantar soja de novo no ano que vem? O contrato precisa prever que, se houver uma mudança drástica, o produtor deixa de ser elegível. E recebe apenas para cada ano em que cumpriu as condições.
Quando o produtor vai receber algum dinheiro no mercado voluntário brasileiro?
Já no ano que vem. No mercado regulado global, o tempo de ajuste dos textos do acordo de Paris deve levar de 3 a 5 anos. No mercado regulado nacional, mesmo que o projeto de lei em tramitação seja aprovado no Congresso no ano que vem, existem prazos a serem cumpridos. E há também o desafio de trazer o agro para o mercado regulado. O agro tem muito a ganhar, mas existe uma parcela que tem medo do mercado de carbono. Afinal, se uma área de pecuária degradada continuar assim, o produtor pode ter que comprar crédito. O agro brasileiro tem uma capacidade incrível de adicionar carbono ao solo, e fazer isso relativamente rápido, coisa que poucos países conseguem. Nos Estados Unidos, demoram de 10 a 15 anos para converter o carbono e deixar estável. No Brasil, em dois ou três anos você já tem carbono acumulado no solo. Temos um potencial de pelo menos 1 giga tonelada de carbono orgânico no solo que precisamos destravar. Isso é mais ou menos um quinto de tudo o que o mundo precisa. Nenhum país do mundo se equipara ao potencial brasileiro.
Quais são suas expectativas em relação à COP27, que acontecerá de 6 a 18 de novembro em Sharm El Sheikh, no Egito?
A COP do ano passado foi muito emblemática pela ratificação do Acordo de Paris, de 2015. Também tivemos uma presença inédita do setor privado. Por exemplo, todos os CEOs do setor de carne estavam lá. Até então, nenhum tinha ido. Para o encontro deste ano, o que esperamos é uma aceitação pública de que o setor privado tem um papel mais relevante do que ele tinha antes da nova “guerra fria” entre a China e os Estados Unidos, da “guerra quente” entre a Rússia e a Ucrânia e da pandemia. Além disso, se no ano passado as empresas apresentaram compromissos, agora existe uma expectativa sobre conversas voltadas para ações concretas. O caminho para uma economia de baixo carbono é longo, mas já começamos a percorrê-lo. Apoiados pela ciência e por regulações adequadas, chegaremos lá.