[{"jcr:title":"“CIDADE NÃO É PROJETO. É PROCESSO”"},{"targetId":"id-share-1","text":"Confira mais em:","tooltipText":"Link copiado com sucesso."},{"jcr:title":"“CIDADE NÃO É PROJETO. É PROCESSO”","jcr:description":"Washington Fajardo, secretário de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro, defende uma aproximação maior entre pensamento arquitetônico e políticas de gestão"},{"subtitle":"Washington Fajardo, secretário de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro, defende uma aproximação maior entre pensamento arquitetônico e políticas de gestão","author":"Insper","title":"“CIDADE NÃO É PROJETO. É PROCESSO”","content":"Washington Fajardo, secretário de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro, defende uma aproximação maior entre pensamento arquitetônico e políticas de gestão, diz que é preciso proteger e alargar o espaço das populações vulneráveis e fala de seu trabalho para tornar a capital fluminense mais adensada, próspera e justa TOMAS ALVIM Coordenador do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper RINALDO GAMA Coordenador de Conteúdo do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper O arquiteto e urbanista Washington Fajardo costuma definir a si mesmo como “um grande prático”. Isso não significa, no entanto, qualquer rejeição à reflexão arquitetônica e urbanística. Muito pelo contrário. Sintonizado com o que há de mais atual em sua área, dentro e fora do Brasil, Fajardo é um caso raro, raríssimo na administração pública de coerência entre o pensar e o fazer. Não por acaso, incomoda-o profundamente a distância que separa, no país, a sofisticação do pensamento em sua área de atuação da implementação de políticas capazes de mudar as cidades brasileiras – disfuncionais, cruéis, injustas. “Falamos sobre segregação urbana e, na verdade, existe igualmente uma segregação no pensamento”, observa. Paulistano, formado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fajardo foi assessor especial da Prefeitura carioca entre 2009 e 2016, na gestão Eduardo Paes. De volta ao comando do Executivo Municipal, Paes o convidou para assumir a Secretaria de Planejamento Urbano – o que fez com que Washington Fajardo deixasse suas funções no Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, onde começava a estruturar o Núcleo de Moradia. Habitação, aliás, é um dos temas sobre os quais o secretário se detém mais longamente na entrevista a seguir, em que trata ainda da formação dos arquitetos no Brasil – criticando “a primazia do projeto”, porque, afinal, “a cidade é processo” –, de inclusão social e do tripé que sustenta sua atuação na Pasta de Planejamento Urbano do Rio: a revisão do Plano Diretor, a reconversão de edifícios (retrofit) e o programa Reviver Centro. Acompanhe. Embora haja consenso sobre a necessidade de as cidades serem mais adensadas, chegar a isso ainda constitui um enorme desafio. No Brasil, como o senhor tem pontuado, existe um pensamento sólido sobre urbanismo, e até mesmo uma legislação avançada; contudo, nada, ou quase nada, muda. As cidades do país seguem sendo disfuncionais e profundamente não inclusivas. Por quê? Como compreender esse distanciamento entre teoria e a, digamos, “vida como ela é” dos espaços urbanos brasileiros? Em primeiro lugar, um esclarecimento: eu não me considero um pensador. Na verdade, eu me considero um grande prático – e, por isso, preciso recorrer ao pensamento. Então, por consumir conhecimento, inclusive conhecimento de ponta, acadêmico, mas, talvez, sobretudo, pelo fato de procurar me posicionar como urbanista prático, eu também procuro estar sempre atento às questões que a  população e todos os agentes – políticos, econômicos, sociais – me colocam. E o que eu observo é que uma das consequências de sermos uma sociedade muito desigual é também o fato de que a nossa organização do pensamento – da produção de um corpo teórico que possa contribuir para a realidade –, curiosamente, acaba ficando dissonante. Assim, temos um afastamento maior da teoria e da prática. Falamos sobre segregação urbana e, na verdade, existe igualmente uma segregação no pensamento. Eu gosto de dar o exemplo do compartilhamento do transporte público. A gente não compartilha o transporte público nas cidades brasileiras. Você não vê uma mistura de classes ocupando o transporte, que é também um espaço arquitetônico mesmo que de aspecto estritamente funcional e transitório. E que implica em necessidades urgentes: a da mobilidade e do acesso à cidade. Nem neste espaço nós desenvolvemos uma experiência coletiva. Não sabem as diferentes faixas de renda, como é este lugar. Isso acaba, então, tendo um impacto na maneira como se forma o pensamento sobre transporte e como é, por consequência, implementado. Acho que a academia tem melhorado, especialmente a partir da solução das cotas. É fundamental que a gente possa proteger os pensamentos que nos trazem outras leituras da cidade. O que significa isso exatamente? Significa proteger as pessoas que nos trazem essas visões e conhecimentos da periferia e dos lugares de exclusão. Os arquitetos que vêm da periferia, como Ester Carro ( presidente do movimento Fazendinhando, do Jardim Colombo (SP), de transformação territorial, cultural e social de regiões vulneráveis e professora do núcleo Mulheres e Territórios do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper) , têm uma vivência e uma compreensão daquela realidade que muitos dos que atuam no mercado, sendo de origem mais elitista, não possuem. Mas ela também representa um público e um mercado. Portanto, é decisivo que estes arquitetos tenham a possibilidade profissional de existir. Eu me lembro que, muito antes de enveredar pela vida pública, tive no meu escritório de arquitetura no Rio uma estagiária que era da Maré. Um dia ela avisou: “Olha, eu estou largando a arquitetura porque eu preciso trabalhar e meu pai tem um comércio na nossa comunidade”. E foi embora. Era uma ótima estagiária, porém se viu obrigada a  sair do meio. Então, eu insisto que é muito importante que esses profissionais tenham de fato um espaço assegurado. Do contrário, continuará havendo a segregação que mencionei – de pensamento. Agora, me detendo mais no aspecto urbano. A gente faz o elogio das cidades compactas, das soluções habitacionais, mas não investiga como isso possa ocorrer na prática – como é que se implementa essa coisa. E o que acontece é que acabamos esvaziando a potência do protagonista do processo, a máquina pública, de implantar as mudanças. E aqui entra outro tema: o dos servidores públicos. Eles também precisam de atenção, precisam ser protegidos e receber qualificação. E me refiro não apenas a aqueles que estão diretamente ligados ao tema do urbanismo. Eu sempre falo: “O Ministério Público é um ator protagonista para a transformação urbana”. Querem um exemplo disso? Os Estados Unidos. A experiência habitacional norte-americana foi completamente transformada pela entrada do Judiciário no assunto, ou seja, a partir do momento em que os juízes começaram a multar as cidades que não tinham uma política de moradia. Nossa Constituição cita o acesso à habitação seis vezes; nós temos o Estatuto das Cidade, que completou 20 anos e é sempre muito elogiado pelos especialistas; contudo, apesar disso, nada acontece. Por quê? Como a gente nunca alcança a implementação – eu estou falando aqui de uma maneira mais, vamos dizer, sistêmica e abstrata –, nunca consegue sequer fazer a crítica da coisa concretizada, entendem? Saindo do “sistêmico” e do “abstrato”, qual seria um exemplo concreto disso? Vamos pegar o caso da função social da propriedade, também sempre tão referenciada. Nós deveríamos entender que os centros históricos e os centros de negócios das capitais brasileiras são essencialmente ociosos. Ninguém está falando em destruir  essa propriedade privada, mas a gente tem que buscar mecanismos para que, de fato, possa ocorrer a utilização compulsória daqueles espaços. As experiências de São Paulo mostram que houve um grande esforço de identificar imóveis ociosos, só que seu aproveitamento social acaba emperrado no âmbito do judiciário. E, de novo, a coisa não avança – no caso, a questão habitacional. Como se sabe, os programas de moradia no Brasil remontam a Dom Pedro II, que em 1882 assinou um decreto que concedida “favores” “às empresas que se organizarem com o fim de construir edifícios para habitação de operários e classes pobres, na cidade do Rio de Janeiro e seus arrabaldes”. Nele, benefícios como isenção de imposto predial e de imposto de transmissão de propriedades já estavam presentes. De lá para cá, claro, foram muitos os programas habitacionais, sem que o problema fosse solucionado. Exato. Esse tema da moradia no Brasil me deixa bastante incomodado. Há um pressuposto de que o Estado vai fazer tudo. Ora, o  Estado tem uma função reguladora, garantidora, organizadora, e eu até acho que ele produz alguma parcelinha, mas é uma tolice ignorar a capacidade da escala que o setor privado tem para dar. Com isso, a gente não consegue sair dessa zona de conforto da qual estamos falando desde o início: o campo teórico. Eu acho que existe uma característica no debate das cidades brasileiras – e isso, notadamente, aparece em São Paulo – de que a academia exerce um certo controle dessas discussões públicas. E eu acho que é importante – estou conversando aqui com uma instituição acadêmica – que a academia possa também romper essa bolha. Do contrário, até mesmo como experiência teórica você fica muito limitado; não consegue ter uma reflexão, uma experimentação, uma observação, ou seja, não alcança o método científico. Então é isto: há uma incontornável necessidade de proteger e incentivar as novas visões, os novos corpos, as novas mentes para que de fato um ponto de vista intelectual “diferente” possa vir à tona. E para fechar: a ação dos governos sobre a organização das cidades é quase um monopólio. Ok, existem pressões financeiras, sociais e, vá lá, acadêmicas, entretanto a decisão fica ali entre Executivo e Legislativo. Como a gente não consegue ter o tal conjunto de experimentos e de práticas, de implementações, conforme frisei antes, as lideranças políticas, por sua vez, não têm como se referenciar. O mandatário eleito chega e diz: “O que eu vou copiar? Quem tenho de olhar? Qual é o benchmark que eu vou adotar? Quais são os indicadores?”. No Rio de Janeiro,  a Secretaria de Planejamento Urbano está tentando desbravar o território da função social da propriedade. O prefeito Eduardo Paes tem dado espaço, mas aqui também existem as limitações que comentei. Agora, para fechar mesmo: no tema da moradia é preciso combater a ideia de que a gente vai alcançar uma eficiência quando ficarmos ricos, ou seja, que tem de fazer o bolo crescer primeiro para poder dividir depois. Isso é muito recorrente no pensamento brasileiro. Porém, o que a gente aprende com as experiências internacionais é exatamente o contrário: política habitacional foi o meio de garantir prosperidade, de garantir acesso à riqueza coletiva, desde escalas pequenas, como Singapura – que se converteu numa nação rica essencialmente por causa da solução do problema da moradia, toda ela baseada no fundo garantidor do tempo de serviço do trabalhador, muito semelhante ao nosso FGTS –, até as experiências europeias ou  norte-americanas. Essa história de que, “ah, quando a gente melhorar de renda as pessoas vão ter acesso”, não se confirma. Não funciona. Como também não funciona a ideia de que, se eu preciso gerar emprego, então vou estimular a construção de casas, como ocorreu recentemente. Isso não é política habitacional. Foi o caso do Minha Casa Minha Vida? Sim. Ele nunca foi um programa habitacional; foi um programa anticíclico, para poder poder combater a crise de 2008. Seu objetivo, portanto, era aquecer a economia, gerar emprego, tendo como subproduto a construção de moradia – a prioridade não foi habitacional. Nunca houve, por exemplo, nenhuma ênfase na questão da localização do imóvel e do acesso. As pessoas falam: “Isso era responsabilidade das prefeituras”. Poxa, você cria um programa avassalador, com subsídios fartos, e aí o mercado vai atrás de terras mais baratas para aumentar o seu lucro? Deu no que deu. Não resolveu a questão do déficit habitacional. E na medida em que você jogou mais solo não necessariamente urbanizado dentro da economia imobiliária, você fez com que os preços da cidade subissem, os aluguéis crescessem, por que o custo de oportunidade das boas localizações cresceu. Esse foi o real impacto do Minha Casa Minha Vida. Fala-se muito em locação social, todavia, no Brasil, parece haver uma dificuldade “cultural” em relação a isso. O senhor diria que o famigerado ‘sonho da casa própria” ajudaria a explicar a falta de investimento nesse tipo de proposta para o problema da moradia? Acredito que o fato de não avançarmos na questão habitacional no país tenha a ver com o preconceito, principalmente o racial. Isso porque a política habitacional teria uma função de produzir uma mistura social. Vamos imaginar uma política de voucher de aluguel, como vários países praticam. Isso significa que teríamos famílias negras vivendo em certos edifícios e isso incomodaria muita gente. E nunca conseguimos formular uma solução. No Reviver Centro, a legislação específica para a área central da cidade do Ri de Janeiro, a gente colocou:  moradia acessível, de até seis salários, e para estudantes universitários cotistas. É um esforço nosso para incluir dentro do desenho habitacional um compromisso de redução de segregação racial. E aí tem a ver com aquilo que falei anteriormente: eu preciso assegurar que o sujeito que está vindo de outro lugar, que tem a pele negra, esteja protegido, para que possa trazer a sua contribuição, a contribuição que é de uma outra referência. A gente precisa dizer para a juventude periférica: “A cidade é sua. Você pode morar em qualquer bairro”. O que a gente vê, contudo, é um recado, mesmo velado, assim: “Fica no teu bairro e defende o teu bairro”. “Comunidade”. “Cria”. São modos de reduzir a potência de TODA a cidade. Bem, e se o jovem virar e disser: “Mas eu quero morar em outro lugar”. Vamos falar algo como “ você se aburguesou”? Eu sei que, sendo um homem branco etc. eu não tenho um lugar de fala para me expressar na questão negra. Mas tenho a minha história: eu nasci em São Miguel Paulista e minha família só progrediu porque mudava de lugar a toda hora, indo onde estivessem as melhores oportunidades. Eu vim para o Rio em busca de oportunidades. O senhor deu o exemplo da estagiária de arquitetura que precisou largar tudo para trabalhar no negócio do pai em uma favela da Maré e está reiterando a importância de se protegerem os profissionais dos territórios. A pergunta é: as escolas de arquitetura têm feito essa guinada, esse movimento para que pessoas como aquela estagiária da Maré possam entrar no ambiente acadêmico e não se sentirem estrangeiras? Dito claramente: as escolas de arquitetura têm se ocupado dos territórios vulneráveis? O senhor tem dito que no Brasil, em sua área, pesa muito a influência dos ícones modernistas. Isso – essa espécie de “angústia da influência”, mal comparando – está prejudicando a formação do jovem arquiteto brasileiro? Excelente ponto. Eu acho que as escolas têm uma grande responsabilidade, e se a gente for olhar, vamos dizer, a formação das escolas de arquitetura no país, mesmo que se considerem as duas vertentes – de um lado, o que vem das belas artes, e de outro, o que vem das engenharias –, em ambos os casos há o predomínio do conceito de “projeto”. Projeto, obviamente, é fundamental, é importante, mas tem uma certa manufatura, uma certa linearidade. Você concebe, edifica, pode até considerar um feedback do objeto construído, entretanto a cidade tem outra lógica. A cidade é inteiramente “processo” – processos randômicos dessas forças de que a gente falou antes, que às vezes se alinham, às vezes criam grandes dicotomias. Estou afastado das escolas de arquitetura há tempos, porém a minha leitura de fora, a partir do contato com colegas que trabalham em universidade, é que a primazia está no projeto. Eu desperto muitas reações contrárias quando critico essa visão de “arquitetos de projeto”, que acabam tentando conduzir a cidade somente por esse norte. Projeto ajuda em partes; ajuda no edifício, mas é necessário entender a cidade como um processo. O que eu quero dizer com isso? Que é necessário você entender o processo das políticas de solo e especialmente de gestão, de governança e de manutenção da cidade. E para pensar a cidade como processo, há necessidade de uma grande pactuação. Voltado ao ponto específico da formação do arquiteto, temos uma proposta aqui, que deve começar a rodar no que vem, que consiste em “residências de arquitetura”. O recém-formado vem para cá e tem uma experiência pública. Como na medicina. Por que o médico busca a residência no hospital público? Porque ali ele vai ver todos os tipos de problema, vai lidar com estresse, com carência de recursos… E eu acho que  a mesma coisa deva ser feita com arquitetos – e engenheiros até. Porque, assim, a pele deles vai engrossar, entendem? Hoje em dia, quando o jovem arquiteto se forma ele procura se estabelecer em escritórios de arquitetura, que fazem parte de um sistema, por assim dizer. E as escolas contribuem para esse sistema, que inclui ainda a crítica de arquitetura, as publicações de arquitetura. No fim das contas, é como se dissessem: “Se se você quiser lidar com cidade, você tem que passar primeiro por essa experiência ‘projetual’”. Com impactos inegáveis no urbanismo… Exatamente. O Rio de Janeiro teve uma grande coleção de experiências nesse sentido, quando avançou em larga escala para fazer o Rio-Cidade e o Favela-Bairro. Eu sou fruto desse momento, aliás, minha geração é fruto desse momento, porque os profissionais da época, que eram meus professores, não sabiam fazer projeto de desenho urbano, ou não sabiam fazer projeto de urbanização de favela. Quando a cidade investiu em uma política nessa direção, surgiu um campo profissional novo. Eu me recordo que, na escola, era interessante ver professores um pouco agoniados porque não sabiam lidar com aquilo: “Como é que eu vou me referenciar aqui para fazer um desenho urbano assim? Eu tenho referências de arquitetura, eu sei fazer um cinema, um teatro, eu sei fazer um edifício de escritórios, eu sei fazer uma supercasa, mas eu estou aprendendo a fazer isso aqui agora”. O impacto dessa novidade foi muito grande, porque era um ambiente de ensino horizontal, coletivo, onde o professor tinha lá a sua experiência, mas ele também estava aprendendo ali. Acredito que seja até um pouco radical de minha parte, mas acho que a gente deveria considerar ter escolas de urbanismo ou de planejamento urbano. Porque se todos nós somos urbanistas, fazer o planejamento e fazer a gestão urbana precisa, de fato, de uma expertise prática dedicada. Ou então fazer com que os currículos das escolas realmente se dediquem a ter essa carga disciplinar, trazendo para os cursos de arquitetura os pontos que eu comentei, normalmente entendidos como idiossincrasias, já que muitos colegas falam que “cidade é o lugar do dissenso”. Discordo totalmente: a cidade é o lugar onde, a partir do dissenso, se forma um consenso. Isso quer dizer que a cidade, então, é essencialmente uma experiência de generosidade. Se a cidade fosse só o lugar do dissenso, seria um lugar de guerra. Sim, existem lutas na cidade, no entanto a cidade é uma busca por consensos, oportunidades e acessos. Consensos, oportunidade e acessos a partir de uma “pactuação” entre diferentes atores? Às vezes eu brinco que conheço e sou amigo até de arquitetos realmente fenomenais, mas que não conseguiriam fazer uma audiência pública por cinco minutos. Você enfrentar uma discussão pública sobre cidade é muito impactante. Você apresentar um projeto num fórum de arquitetura ou numa bienal de arquitetura, explicar os seus conceitos para aquele tipo de plateia é uma situação mais confortável. Então parece urgente que comecemos a criticar o modelo moderno de formação do arquiteto no Brasil. Muitas cidades entraram neste ano de 2021 com o compromisso de revisarem o seu Plano Diretor – São Paulo e Rio de Janeiro entre elas. No caso da capital paulista, após distintos tipos de pressão, a revisão do Plano Diretor Estratégico acabou adiada. Já no Rio, apesar dos movimentos em contrário, sobretudo em função da pandemia – toda aquela discussão sobre as limitações de participação popular –, o Plano está na Câmara dos Vereadores. Duas questões: como se deu o trabalho com Plano Diretor no Rio de Janeiro, especialmente no que diz respeito ao legislativo municipal, e como o senhor viu o adiamento da revisão do PDE paulistano? Desculpem insistir nisso, mas eu começaria dizendo que a própria concepção de que um Plano Diretor deva ser revisado a cada dez anos já é uma expressão do protagonismo do projeto em cima do processo. Ressalto, de novo, que projeto é importante; eu não o estou diminuindo, contudo penso que ele assumiu um “controle”, ao meu ver equivocado, sobre o processo. Porque imaginar que cidades altamente complexas – 12 milhões de habitantes em São Paulo, 6 milhões no Rio – devam, a cada dez anos, fazer revisões de Plano Diretor me parece irreal. Mas é isso o que está dito no Estatuto da Cidade. O custo da mobilização, da participação, é altíssimo, e essa certa flexibilidade acaba tendo um impacto negativo: acaba-se desterritorializando os conceitos e os instrumentos urbanísticos, pois, se a cada dez anos eu posso revê-los, qual é a relevância que eles têm, verdadeiramente, para a política de uso de solo, para organizar e ordenar o território? E isso é algo que especialmente o agente econômico e imobiliário sabe, porque se trata de uma indústria de processo lento. Esse é o primeiro ponto em relação ao qual precisamos ficar atentos. E não acho que seja algo simples de mudar no curto prazo. O que resta é aprender com a experiência dos outros. São Paulo e Belo Horizonte, por exemplo, conseguiram produzir um marco regulatório de regramento territorial numa vez única. Nesse sentido, não há como comparar com o Rio de Janeiro. O Rio estava – ainda está, porque  a revisão do Plano não foi aprovada – muito atrasado em relação a isso. Como capital, o Rio de Janeiro é uma cidade historicamente preparada para fazer intervenções – e se transformar –, sobretudo na área central, que, ao longo do século XX, em cada década teve uma mudança urbana. Isso não é problema para o carioca. Esse fato fez com que a cidade negligenciasse o planejamento urbano. Então, o nosso Plano Diretor é completamente fragmentado. A cidade tem legislações dos anos 1970, 1990 e 2000; 40% do território é regido por decretos-lei da década de 70. Isso pesa na expansão urbana, tem impacto na dinâmica imobiliária. Além dessa fragmentação legal, o Rio é uma cidade com uma condição natural desafiadora. Dessa forma, a gente nunca conseguiu produzir uma integração, mesmo com alguns planos diretores tendo apontado isso. Então, temos uma situação bastante diferenciada. E mesmo no âmbito dos críticos do trabalho da Secretaria, havia um entendimento, uma base mínima comum, de que era o momento de a cidade produzir algo. Foi o que fizemos. Em relação a São Paulo, eu acho que a cidade cometeu um equívoco ao apontar uma possibilidade de revisão em tão pouco tempo – afinal, em decorrências de atrasos anteriores, o Plano Diretor da capital paulista é de 2014. Entendo a lógica, mas isso é fragilizar algo que significou um grande empenho coletivo. Então, sublinho que, olhando para as duas cidades, o que vemos são timings distintos. Nesse sentido, o buraco do Rio é mais embaixo. São Paulo está numa condição muito mais avançada. A capital paulista tem apresentado uma importante capacidade de avaliação de impacto a partir do Plano Diretor. Eu li um paper recente, de três economistas brasileiros, que fala sobre algumas mensurações de impacto do Plano Diretor Executivo de São Paulo, e a gente observa que, de fato, ele conseguiu aumentar um pouquinho o processo de inclusão. De novo aparece a dificuldade na questão habitacional; na hora em que você criou a Cota de Solidariedade, a grande maioria preferiu pagar do que produzir dentro dos seus empreendimentos. Isso nos leva a outras questões: os preconceitos, o racismo estrutural, que ainda está presente na organização das cidades brasileiras. E sobre o processo de encaminhamento do Plano Diretor carioca? No nosso caso, o Plano Diretor vigente é de 2011, com previsão de revisão em 2021. Esse processo, na realidade, teve início bem cedo. O grupo de revisão do Plano Diretor se formou três anos depois de sua concepção. Foi trabalhando lentamente até 2018, quando ganhou velocidade. Esse processo acabou interrompido com o começo da pandemia. Eu acho que a contribuição que dei ao assumir a Secretaria de Planejamento foi a de produzir uma grande convergência e buscar fazer uma lei que vai organizar tudo. Estamos aqui no Rio num momento que São Paulo e BH estiveram no passado. E esta é a vantagem de estar atrasado: pelo menos você tem as referência, que servem ainda para mostrar que essas discussões não são ideológicas, pois algo que o Plano Diretor de São Paulo fez num governo de esquerda, o de Belo Horizonte também fez num governo, vamos dizer, de centro-direita. E no que se refere especificamente à relação com a vereança e à participação popular no processo de revisão do Plano carioca? Nós fizemos algo que eu acho que foi bem interessante; talvez tinha sido uma inovação: convidar os vereadores para participar do processo aqui dentro do Executivo. Assim: “Venham aqui na nossa casa participar, porque depois a gente vai estar na casa de vocês participando”. É inequívoco: o Executivo participa da discussão no Legislativo. Acredito que seja fundamental fortalecer os mandatos representativos. Isso não reduz a participação popular, mas existem vereadores que são distritais, existem vereadores que são temáticos. Eles são representativos, foram eleitos, têm vigor democrático; eu posso não concordar com suas ideias, porém eles têm legitimidade. Não se pode depreciar o valor da democracia. Nossa iniciativa  produziu um efeito muito positivo que é, de certo modo, uma intimidade republicana, ou seja: você começar a entender os dissensos, a entender os pontos de luta, a  entender os pontos de conflito e aprender a ir avançando com eles. Isso aconteceu com o Reviver Centro, que é algo realmente como eu penso, com o meu perfil. Pensei: “Vamos convidar, vamos participar, vamos dialogar”. E no contexto da pandemia, utilizamos muito os recursos digitais; fizemos audiências públicas territoriais e populares. Há sempre a crítica de que deveria ter sido feito mais, e eu entendo que tem que se fazer mais mesmo. Agora, é importante estabelecer um limite. Então eu fiz aquilo que eu disse que ia fazer – quero deixar bem claro isso. Eu apresentei a regra do Plano Diretor. O Plano Diretor vai funcionar assim, a gente vai ter tais audiências. Ninguém pôde se colocar como “o enganado” do processo. Houve críticas e a gente refez, a gente mudou; não tínhamos e não temos nenhum compromisso com o erro. “Opa, aqui tem um problema!”, e a gente ia lá e fazia a revisão. Ocorre que  eu comecei a reparar o seguinte: “Opa!”, “Opa!”, “Opa!”. Não, espera aí; essa já é uma estratégia para parar o processo. Isso, a gente não deixou acontecer. Entreguei tudo o que foi planejado e, mesmo recebendo críticas da oposição, o que é do jogo político, acho que acabou no mínimo, no mínimo acontecendo de uma forma bastante transparente. Quando a gente fala de audiência pública e de processo participativo, acho que precisa haver  um controle para não se acreditar que isso seja sinônimo de tête-à-tête , quero dizer: que só exista participação quando se tem uma pessoa conversando com outra presencialmente. Conseguimos números expressivos usando recursos digitais: foram mais de 460 contribuições diretas para o Plano Diretor; 13 mil pessoas discutindo, um recorde histórico. No Reviver Centro nós tivemos mais de 8300 pessoas. Então, às vezes, também fica claro que existe um certo controle do debate público – e a tecnologia quebra um pouco esse controle de alguns grupos. Esses grupos, então, se sentem muito ameaçados, o que é natural, e aí, de fato, entramos na discussão política. Mas, de novo: acredito que seja fundamental que se reconheça a legitimidade dos vereadores. Dizer que um vereador não possa ter uma discussão de Plano Diretor, que ele não possa tentar fazer uma alteração, me parece que é tentar evitar a discussão democrática. O Plano Diretor, a reconversão de edifícios e o Reviver Centro são os três pilares da sua gestão. O Plano Diretor já se encontra na Câmara. E os outros dois, em que estágio estão? O plano Reviver Centro foi aprovado há quatro meses. Temos 523 unidades residenciais, duzentas e setenta e poucas já licenciadas na região central. Esse número é expressivo e histórico. As 523, pela lei, já pagarão contrapartidas. Não consigo trazer um número exato, porque depende da hora em que elas forem aplicadas, mas calcula-se um ganho de cerca de 10 milhões de reais com o total das 523 unidades. E já temos garantias de começar a produzir unidades de habitação de interesse social para faixas mais vulneráveis, de até três salários mínimos. Sobre a outra legislação, a do retrofit ou reconversão de imóveis: no Rio de Janeiro existem muitas áreas preservadas e era fundamental ter uma medida voltada para isso. Na verdade, fiz a primeira versão dessa lei em 2012. Passou um tempo e eu pude concluí-la. Esse tripé, devo ressaltar, é algo muito simples. Como é que se faz uma cidade compacta? Primeiro, você tem que combater a ociosidade da área central, porque é a mais estruturada e com maior concentração de empregos. Não faz sentido eu ficar querendo defender cidade compacta e o centro ser vazio. Segundo ponto: eu preciso ter um regramento para o retrofit, porque se alguém quiser reaproveitar imóveis, como é que poderá fazer isso? Por fim, o Plano Diretor revisado – no caso, induzindo uma oferta de adensamento em áreas que estão ociosas na Zona Norte, também associada a transporte público e empregos. Em relação à reconversão, ao retrofit, é frequente haver uma resistência em certos setores, sob a invocação, por exemplo, da preservação do patrimônio cultural, que teria de ser protegido da “ganância” do mercado imobiliário. Um imóvel histórico não poderia ter outra destinação a não ser voltada para a cultura em si: transformar-se em museu, em centro cultural. Como o senhor vê a questão e como enfrenta tal dificuldade? Essa visão é muito comum tanto nos órgãos de tutela do patrimônio como também na sociedade civil, que têm expectativa de que um prédio histórico só possa abrigar  um conteúdo cultural. Acontece que aí você põe juntos dois aspectos – o fomento à cultura no Brasil depende muito do Estado, e, por isso, acaba ficando muito vinculado às condições econômicas do país. Notem que temos hoje um certo ocaso da área cultural. Claro que existem alguns outros componentes, o governo federal é ignorante, mas o que ocorre é que a expectativa de que o edifício tem de virar, necessariamente, um museu, por exemplo, esbarra, muitas vezes, no fato de que você não consegue dar sustentabilidade a isso. Além de recuperar, é preciso ainda ter um conteúdo que consiga sobreviver durante um tempo razoável. Então eu sempre defendi que o edifício sirva para qualquer coisa que ele tenha a capacidade de suportar. O uso comercial – virar um magazine, um varejo – não é um demérito, de maneira nenhuma. Quando trabalhamos  aqui na legislação da reconversão, o que surgiu muito foram movimentos do tipo NIMBY  ( Not in My Backyard , “Não no meu quintal”) . A gente vê no Brasil uma curiosa união do pensamento conservador de bairro com vereadores de esquerda; mandatos progressistas abraçando causas de manutenção do status quo . Uma coisa muito interessante que eu observei é que você vai no Google Maps e flagra uma enormidade de atividades econômicas quando dá um zoom num bairro “unifamiliar”. A gente tem que entender que zoneamento unifamiliar é algo danoso. Assim, a luta que tivemos foi contra movimentos de bairros mais fortes. Eu dizia: “Ok, o bairro de vocês vai ficar de fora, tudo bem”. Até porque não representavam muito do ponto de vista quantitativo, portanto, não travavam o grande objetivo da legislação. Falo de bairros como a Urca, por exemplo. Já Santa Teresa é o contrário: todo mundo ansioso para poder pegar aquelas casas enormes e dividir em apartamentos menores, o que hoje vai ser possível por causa da nova lei. Os pilares de sua estratégia passam,  naturalmente, pelo diálogo com outras secretarias. Algumas gestões bem-sucedidas de diversas cidades mundo afora – citemos aqui um exemplo radical, Medellín, na Colômbia – devem muito do êxito ao diálogo entre as várias pastas municipais. Existe uma que centraliza, que conduz o processo, mas a integração entre secretarias é constante e intensa. Como tem sido, no caso da sua Pasta, essa interação? Acho interessante a menção a Medellín, porque eu reflito muito sobre essa cidade. Considero uma experiência fantástica, que, entretanto, não se converteu num modelo. Nenhuma outra cidade conseguiu reproduzir o que Medellín fez. A gente tira lições de partes, mas nenhuma outra cidade conseguiu reproduzir o que foi feito lá. Quando você olha o programa Favela-Bairro, ele foi copiado em vários lugares; as entidades multilaterais, o Banco Mundial, o Banco Interamericano etc., entenderam o projeto e o divulgaram. Com Medellín foi diferente. Por quê? A cidade tem um modelo único, em que você conta com uma grande companhia pública, a EPM, Empresas Públicas de Medellín, concessionária de vários serviços aglutinados. Essa empresa acaba tendo uma função garantidora do ponto de vista econômico – e, até certo ponto, de interferência na manutenção da governança. Eu acho que isso é pouco falado. Costuma-se ressaltar o pacto social. Não, não é só o pacto social; é fundamental o papel da EPM. Houve também, claro, uma articulação com a mídia e a academia no sentido de alertar quando as coisas começassem a sair dos trilhos. Tem como ir lá e aprender? Tem. Experiências como a do Compaz, de Recife, mostram isso. Agora, respondendo especificamente sobre a articulação entre secretarias. Sim, é fundamental – e comum. Na revisão do Plano Diretor, por exemplo, teve algo muito importante: a parte de licenciamento saiu da minha Secretaria, até por um pedido meu ao prefeito, para que a gente pudesse ter um trabalho concentrado em planejamento e regulação. Então, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação contribui naquela frente. Também tivemos outras contribuições, claro, como as da Secretaria de Meio Ambiente e da Secretaria de Habitação. No caso do Plano Diretor, quando a gente fala de outorga onerosa, por exemplo, é um assunto que preocupa a Secretaria de Fazenda. Tudo isso é diálogo. Não são flores o tempo todo, mas é como a gente consegue produzir consenso. Uma cidade não é um conglomerado isolado. Muitas questões – de mobilidade, para citar uma só área —  se referem à dimensão metropolitana. Como é a relação da sua Secretaria com os municípios contíguos? O Plano Diretor, para citar um exemplo, levou em consideração o Plano Metropolitano ao oferecer um adensamento junto à malha de transporte. Portanto, existe uma consciência em relação a isso. No entanto, é preciso ter em conta que só para agendar uma reunião voltada para temas metropolitanos é preciso acertar a agenda com 19 secretários. Então, de fato, não é possível criar muitas prioridades para a Região Metropolitana. De novo, pesa aqui o meu lado prático. O senhor recentemente escreveu isto: “Nitidamente, a anemia urbana pós-redemocratização do Brasil pariu uma geração disfuncional de políticos, que circulam em espaços privados com desenvoltura, mas ignoram a realidade comum do povo no espaço público. Por que não melhoraram as cidades brasileiras depois de boas leis urbanas? Porque fazer leis perfeitas é manifestação de uma democracia abstrata, enquanto melhorar a realidade urbana é a marca de sociedades concretas”. Poderia comentar essa posição? Nós precisamos de autoridades que funcionem na vida normal das pessoas. Por que elas não pegam transporte público? Por que o secretário não usa metrô? Precisamos refletir sobre isso. Ter uma realidade mais próxima. Quando eu digo “realidade próxima”, não é converter os lugares em arena política, mas simplesmente procurar conviver com os ambientes mais comuns. Eu não quero soar escandinavo, “Ah, o deputado na Suécia…”. Não é isso. Porém, a gente precisa entender que se você acaba se afastando da “realidade próxima”, isso tem impacto na sua capacidade de formular a política. Fazemos formulações que são muito bonitas em tese, e quando você vai ver na máquina pública… A sociedade adora inovação, e a economia digital é inclusive propensa a isso. O setor privado quer inovação, mas no setor público isso é muito difícil, porque eu só posso fazer o que tem previsão legal. Se inovar é fazer algo que nunca ninguém fez, significa fazer algo muito próximo do ilegal. Então, é muito desafiador. Eu estou ainda formulando, tentando achar um caminho. Uma pergunta final: arquitetura é arte, profissão ou ofício? (pensando, nesse caso, no atendimento a uma espécie de “chamado”). Começo abordando o plano pessoal. Optei pelo setor público, que não é uma área exatamente favorável para a formação de um patrimônio econômico, muito pelo contrário. Mas eu me sinto realizado com o que faço. Bem, tenho convicção de que arquitetura é, em primeiro lugar, um modo de pensar. Acho que existe um certo tipo de mente, que eu vou chamar de “arquitetônica”, entendendo que a cidade está dentro dela, que é uma capacidade de pensar de maneira sistêmica e com grande facilidade para fazer conjugações abstratas e concretas em diferentes escalas. Esse é o primeiro ponto. Acredito também que o arquiteto tenha uma grande capacidade de atrair pessoas, de colocar pessoas dentro daquele tipo de mente que mencionei. A partir daí, vêm as variações. O caminho que tomei, como eu disse, procura fazer isso com uma oferta de serviço público; outros colegas se colocam mais na oferta do objeto arquitetônico; outros ainda no campo da reflexão. Assim, resumindo, eu diria que arquitetura é um modo de pensar e de se expressar. Quase sempre com dificuldade para a concisão – pelo menos, esse é o meu caso, como vocês puderam testemunhar nesta entrevista."}]