Os alumni Fernando Sartori e Michel Torteli se conheceram no Insper e criaram a FinPec, uma fintech voltada à pecuária
Fernando Sartori e Michel Torteli são formados em Administração pelo Insper. Eles se conheceram durante a graduação e mantiveram contato depois de concluir o curso em 2006. Desde que saíram da escola, os dois trabalham no setor agropecuário. Torteli, que passou a infância no interior paulista, começou a vida profissional com um estágio no setor financeiro da Louis Dreyfus Commodities (empresa francesa de comércio e alimentos). Ele destaca que a pecuária ainda está muito atrás da agricultura em termos de profissionalização: “como os frigoríficos são empresas de arbitragem, começaram a buscar profissionais nas tradings. Um dos diretores da Louis Dreyfus Commodities foi convidado para estruturar a mesa de operações da Minerva Foods. Como sabia da minha vontade de trabalhar com pecuária, ele me convidou para esse desafio. Participar desde o início da estruturação de uma mesa de operações, em um mercado que estava se profissionalizando foi uma experiência fantástica. Foi a partir daí que tive uma percepção mais clara do quão era ‘desarbitrado’ o mercado pecuário em relação ao mercado agrícola”.
Sartori, que por sua vez atuou profissionalmente em várias etapas da cadeia produtiva do agronegócio, aponta que houve aspectos importantes aos quais ele poderia agregar na criação de um novo investimento, contribuindo com sua experiência em trading e empresas, principalmente nos temas de estratégia, gestão, governança corporativa e comercial.
A FinPec
Percebendo a oportunidade de união de experiências e talento, a amizade acabou se tornando também uma parceria profissional, que resultou na criação da FinPec, em sociedade com o empresário Celso Fugolin. Trata-se de uma fintech no segmento da pecuária que atua captando investimentos com pessoas físicas ou jurídicas e, com esses recursos, compra bovinos que serão o lastro das suas operações. O negócio começou em 2018, com uma ideia de Tortelli. “O Michel identificou a oportunidade com sua experiência em frigoríficos, e eu, na verdade, não tinha nenhum conhecimento de pecuária. Apesar da minha família atuar no agronegócio, sempre foi na parte de lavoura, e nunca na pecuária”, diz Sartori.
Ele explica ainda o modelo de negócio da FinPec, que é bem diferente do que se vê tradicionalmente no mercado pecuário nacional: “a FinPec, após a originação dos animais, faz o hedge de venda futura para garantir o preço e aloca esses animais em uma de suas filiais (atualmente, são 14, em sete estados), majoritariamente localizadas em confinamentos de parceiros. Os animais passam, em média, 110 dias ganhando peso, e após isso são abatidos pelos frigoríficos. Os frigoríficos pagam a FinPec, e com esses recursos, remuneramos o investidor e o nosso parceiro operador, dono do confinamento”. Vale destacar que se trata de uma empresa totalmente asset light, ou seja, com todas as operações concentradas em estruturas de terceiros. “Apesar de termos uma filial constituída nessas operações, as estruturas de ativos imobilizados sempre são dos parceiros”, afirma Sartori. “Dessa forma, a FinPec encontrou um modelo que traz diversos benefícios, como a altíssima escalabilidade, a diversificação geográfica, a pulverização e a diluição de risco.”
Como o agro chega à Faria Lima
“O mercado financeiro ainda é muito distante da pecuária, grande parte por não entender o setor. Com a implementação de tecnologias e um modelo de negócio comprovadamente eficaz, conseguimos demonstrar à Faria Lima (a avenida que é o centro financeiro paulistano) como o investimento em pecuária é economicamente viável e seguro”, diz Torteli. Apesar do sucesso, o desafio é grande em um setor predominantemente conservador, como o agropecuário. Mas a dupla vem inovando em parcerias com startups e empresas de tecnologia, que “entram com a parte de desenvolvimento técnico, enquanto a FinPec contribui com o desenho e aplicabilidade das soluções para pecuária, além de prover os testes em campo e atuar como cliente- âncora para contribuir com o crescimento dessas companhias”, nas palavras de Sartori.
Apesar das parcerias com o setor tecnológico, Torteli e Sartori concordam que é um desafio conseguir a confiança da “Faria Lima”. Em geral, investidores têm pouco ou nenhum conhecimento sobre pecuária, o que dificulta especialmente a compreensão dos riscos reais da operação – que muitas vezes é enviesada por escândalos anteriores de fraudes, como o das fazendas Reunidas Boi Gordo, nos anos 2000, que até hoje geram desconfiança em potenciais stakeholders. “Toda essa fama gera um grande desafio para a FinPec: conseguir que o investidor entenda o quão segura é nossa operação. Por outro lado, isso permitiu, ao mesmo tempo, que a FinPec nadasse em um ‘oceano azul’, uma vez que este segmento é ainda muito pouco explorado”, diz Sartori. “É um mercado gigantesco, lucrativo, seguro e cheio de potencial e oportunidades para o setor financeiro.”
Os sócios apostam que gradativamente as instituições financeiras começam a perceber o potencial de investimentos na pecuária brasileira, especialmente levando em conta o porte desta indústria, e que é inevitável que o setor esteja cada vez mais presente na Faria Lima.
Tecnologia e pecuária
Na visão de Torteli, a implantação de tecnologia nos processos pecuários segue acelerada. “Estamos vivendo uma rodada de adoção de tecnologia na gestão e captação. Os modelos tradicionais de financiamento na cadeia estão perdendo espaço para novos instrumentos. No caso da pecuária, temos um rebanho de aproximadamente 200 milhões de cabeças, o que gera um lastro de quase R$ 1 trilhão. Esse recurso não é usado como garantia de financiamento, sendo que a liquidez de um boi é imediata (ocorre em qualquer fase do seu ciclo, diferentemente da agricultura, que só gera valor monetário após a produção – enquanto está na forma de uma planta, não gera valor).”
Sartori concorda com o grande potencial de avanço da tecnologia no setor. “Apesar de já haver muita eficiência operacional com apoio tecnológico em áreas como genética e ‘engorda’ do gado, há espaços sólidos de transformação na pecuária, tanto em novas tecnologias de controle e operacionais, como principalmente na parte de funding e até de criptomoedas”. Para ele o crédito privado será cada vez mais o grande financiador do agronegócio, o que é incompatível com a dificuldade de acesso que os pecuaristas, em geral, ainda têm ao mercado financeiro. Assim, modelos de negócio como as fintech (e particularmente a FinPec) serão uma solução eficiente para o financiamento desses negócios e o crescimento do setor.
A responsabilidade com o ESG
O tema da responsabilidade ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês) é cada vez mais sensível no agronegócio. A FinPec lançou em julho de 2021 sua política ESG, na qual demonstra as ações realizadas pela companhia, além das metas para o futuro. “Hoje, a FinPec já adota ações como a verificação de 100% dos animais originados, garantindo que não são oriundos de fazendas que possuem desmatamento ilegal ou trabalho escravo, por exemplo“, afirma Sartori. “Investimos muito em governança corporativa. Temos consolidada uma política anticorrupção, além de um código de conduta e de um canal de ouvidoria. Temos ainda diversos comitês de gestão, como os de ética, de ESG, comercial, de riscos, entre outros.” A FinPec também está investindo em um projeto, junto a uma startup, de medição de sequestro de carbono em pastagens.
Torteli complementa destacando a responsabilidade que as empresas têm na adoção de boas práticas. “Os temas ligados ao ESG são fundamentais para a agropecuária. Atualmente, não é possível acessar capital e nem consumidores se os pré-requisitos de ESG não estiverem bem estabelecidos.” As indústrias frigoríficas foram as pioneiras a adotar políticas que afetassem seus fornecedores (para fornecer boi às grandes indústrias de alimentos, é necessário cumprir todas as normas sociais e ambientais) na cadeia pecuária. Agora, os produtores estão montando suas políticas. “Como a FinPec acessa diretamente o mercado de capitais, foi uma demanda dos investidores a adoção dessas políticas e conseguimos montar um plano ousado (envolvendo os temas amplos de ESG e bem-estar animal)”, diz Torteli. Hoje, todos os fornecedores são monitorados com as mesmas exigências que as indústrias aplicam à FinPec.
A pandemia de covid-19
O período de março a junho de 2020 foi de dificuldades, especialmente em termos de captação, devido à incerteza dos investidores. Apesar disso, a empresa registrou algum crescimento. “Durante esses meses, aproveitamos a oportunidade para investir mais em casa. Melhoramos nossos controles, buscamos dar mais transparência para nossos stakeholders, investimos em comunicação e isso trouxe resultados. Conseguimos, entre março de 2020 e julho de 2021, obter um crescimento de quase 500% em volumes captados”, afirma Sartori. Para ele, a pecuária, como setor, mostrou resiliência ao longo da crise da covid-19.
Torteli destaca o “susto” que ele e o sócio tiveram em março de 2020: “os investidores se retraíram e tivemos que preservar mais caixa. Mas com o desenrolar da crise, o mercado passou a perceber como o setor de alimentos é resiliente. Focamos em relacionamento institucional, em mostrar nossos controles, em aumentar a equipe e na solidez da empresa”.
O papel no Insper no desenvolvimento profissional
A dupla concorda que o Insper teve um papel importante em sua formação acadêmica, mas trouxe outros benefícios. “Hoje, procuro avaliar as coisas por um ângulo muito mais voltado aos incentivos, e aqui não quero dizer somente incentivos financeiros, mas os incentivos em geral, ou seja, o que leva uma determinada pessoa a tomar determinadas decisões”. Sartori credita a isso o desenvolvimento de uma perspectiva menos “emocional” do mundo, que leva em conta aspectos mais racionais, tanto no âmbito profissional quanto pessoal.
Torteli menciona o rigor do Insper à época e acredita que ele se devia ao fato de ser uma instituição de ensino nova e que precisava se posicionar no mercado como uma escola de excelência. “Por isso, não tinha muito choro”, diz ele. “Para ficar no Insper, era preciso muita disciplina e dedicação. Além de todo conhecimento, de me mostrar que o administrador tem que ter um pé em exatas, também trouxe grandes amizades e um vasto networking. Hoje tenho um sócio que também é um grande amigo do tempo do Insper, além de vários colegas em meu círculo de relacionamentos profissionais.”