No fim de 2020, a revista New England Journal of Medicine publicou o estudo que explicava a eficácia de 95% atingida pela vacina desenvolvida pelas empresas Pfizer e BioNTech contra a Covid-19.
Por trás do cálculo da porcentagem está um teste que reuniu 43.548 pessoas com mais de 16 anos. Elas foram selecionadas e divididas em dois grupos, um tratado com doses da droga verdadeira e outro com uma versão sabidamente neutra. Da análise dos dados resultantes desse processo, estimou-se a efetividade da vacina no combate à doença.
A breve descrição sintetiza um experimento aleatório controlado –em inglês, “randomized controlled trial”, o que explica a sigla RCT. Também foram submetidas ao procedimento vacinas como a da Moderna e a da Oxford/AstraZeneca, com 94,1% e 76% de eficiência, respectivamente.
Recorrente na comunidade científica, o método oferece a vantagem de assegurar a comparabilidade entre quem recebe e quem não recebe determinada intervenção –um medicamento ou uma política pública, por exemplo. Com isso, é possível inferir corretamente os efeitos do objeto do estudo, desconsiderando (ou isolando, como pesquisadores costumam citar) fatores que poderiam influir no seu resultado.
Confira, abaixo, os principais pontos que envolvem esse tipo de procedimento.
Voluntários são recrutados e divididos em grupos

Comparação da taxa de contaminação entre grupos semelhantes
Acompanha-se o quadro clínico dos voluntários, que desconhecem de qual grupo fazem parte e, portanto, que dose recebem. O objetivo é comparar o que ocorre, em um certo período, em grupos semelhantes, com a diferença que em um deles há acesso à vacina e no outro, não.
A quantidade de infectados no grupo controle reflete o que aconteceria na ausência da vacina. E a diferença da quantidade de infectados entre os dois grupos reflete quantas pessoas deixaram de ter a doença por causa da vacina.
A eficácia é obtida dividindo-se diferença da quantidade de infectados pela quantidade de infectados no grupo controle

Por que é importante recorrer ao RCT?
O que aconteceria, por exemplo, se todas as pessoas que se voluntariassem fossem tratadas com a vacina e um grupo da população, que não se voluntariou para o experimento é usando como grupo de comparação?
Neste caso, o grupo de voluntários e a parcela da população usada para comparação podem ter características diferentes em relação à exposição ao vírus. Não seriam, portanto, comparáveis.
Eficácia não será calculada corretamente se os grupos tiverem comportamentos diferentes
O laboratório convoca para o teste apenas voluntários que atuam em serviços essenciais. No dia a dia, saem de casa para ir ao trabalho e estão mais expostos ao vírus em relação à parcela da população que compõe o grupo comparação.
A taxa de contaminação no grupo de comparação reflete o que teria acontecido num grupo sem o imunizante e que adota medidas preventivas mais rígidas em relação ao grupo que participou do teste. Não é um bom contrafactual para a taxa de contaminação no grupo dos trabalhadores do serviços essenciais.
Espera-se que a quantidade de infectados no grupo comparação seja menor do que seria quantidade de contaminados entre os trabalhadores essenciais. A eficácia da vacina será subestimada.

O RCT garante que os grupos tratamento e controle sejam semelhantes
Num cenário inverso, o laboratório convida apenas voluntários do grupo de risco, pessoas que estão cumprindo outras medidas protetivas, como uso de máscara e isolamento social rígido, e portanto estão menos expostas ao vírus. O grupo comparação será composto por uma parcela da população que cumpre parcialmente o isolamento social.
A taxa de contaminação no grupo de comparação não reflete bem o que teria sido a taxa de contaminação no grupo que adota outras medidas protetivas mais severas. O efeito da vacina se mistura ao efeito das demais medidas protetivas adotadas pelo grupo que recebeu o imunizante. A eficácia da vacina será superestimada.
Neste dois exemplos simples, a eficácia foi estimada incorretamente porque o grupo de comparação não era um bom contrafactual para a taxa de contaminação no grupo tratamento. Mesmo se o grupo de voluntários tiver características diferentes do restante da população – por exemplo, serem trabalhadores da saúde – se o grupo comparação tiver características semelhantes ao grupo que recebe o imunizante, a eficácia da vacina será corretamente estimada para o grupo de voluntários. O sorteio realizado no RCT garante que os grupos sejam corretamente comparáveis.
Saiba mais:
Safety and Efficacy of the BNT162b2 mRNA Covid-19 Vaccine
Efficacy and Safety of the mRNA-1273 SARS-CoV-2 Vaccine