Grupo de alunos de Engenharia de Computação desenvolve um editor que pode ser operado em conjunto com celulares para realizar o leiaute de objetos virtuais a distância em ambientes reais
Leandro Steiw
Os avanços em realidade aumentada (RA) podem ser surpresa só para quem acompanhou o lançamento da nova marca do Facebook, focada no metaverso. Para os alunos Gustavo Beltrão Braga, Henry Furquim Rocha, Pedro Luiz da Costa Braga e Vitor Grando Eller, do 8º semestre de Engenharia de Computação do Insper, no entanto, essa tecnologia já é uma possibilidade real de aprendizado — que se estenderá aos futuros estudantes do novo curso de Ciência da Computação. Eles estão finalizando um projeto de computação espacial que gerou duas ferramentas para uso em RA. A computação espacial integra a tecnologia com o meio físico, por meio da inserção de objetos virtuais em ambientes reais, gerando experiências imersivas e interativas. Além disso, oferece ao criador dessa experiência a capacidade de alterá-la em tempo real. Um exemplo clássico é o Pokémon Go, jogo para smartphones que virou febre em 2016.
No desafio proposto pela empresa parceira, a NTT Data, do setor de tecnologia da informação, o grupo deveria desenvolver, começando do zero, duas novas ferramentas para a criação e a visualização de experiências em RA. Além disso, foi solicitado um plano de negócios para esse novo editor de ambientes e sua aplicação mobile. “Precisávamos juntar essas duas ferramentas e pensar num modelo de startup que vendesse o serviço ou alguma licença. Agora, estamos no momento de entender quem é o público dessa aplicação”, diz o aluno Vitor Eller. A solução produzida permite a edição remota de ambientes em RA, por meio dos dados coletados por celular ou tablet, inserindo objetos virtuais sem o operador estar presente no local físico interferido — atualmente, uma das dificuldades para quem trabalha na área. Basta ter uma conexão com a internet, pois os arquivos ficam armazenados na nuvem.
Para captar o ambiente e transformá-lo em uma imagem, adota-se um sensor LiDAR — abreviatura para Light Detection and Ranging —, uma tecnologia óptica de detecção remota que utiliza feixes de luz para mapear ambientes. Através da emissão de ondas de luz, os sensores medem a distância e outras propriedades de objetos e ambientes pela reflexão dos feixes. No trabalho, o grupo usou o sensor do iPhone 12. Os dados gerados pelo escaneamento são armazenados em um formato de point cloud (nuvem de pontos que formam a imagem digitalizada de uma superfície).
Esses conjuntos de pontos são organizados então para representar os objetos ou os ambientes reais em imagens de três dimensões. “A ideia é conseguir ver esses objetos virtuais, que você pode baixar da internet, na imagem mostrada na tela do celular”, explica o aluno Gustavo Braga. A inclusão dos objetos virtuais no ambiente escaneado se dá por meio do editor desenvolvido pelo grupo. Em uma interface descomplicada, pode-se alterar a posição e o tamanho desses objetos e fazer movimentos de translação e rotação.
Uma aplicação imediata pensada pela equipe é a área de arquitetura e decoração de interiores. “Você pode escanear qualquer ambiente da sua casa e, simultaneamente, o arquiteto altera os objetos de lugar, ou inclui outros, com ambos visualizando ao mesmo tempo”, diz Braga. “O arquiteto tem um trabalho gigantesco de criação do ambiente nas ferramentas usuais. Precisa ir ao local, tirar as medidas, pegar as plantas, desenhar todos os objetos e ambientes e modelar tudo, para então conseguir projetar”, complementa Eller. Outro uso potencial do editor são as ações de marketing. As marcas instalariam banners virtuais em supermercados. Eventuais alterações de conteúdos seriam feitas pelo agenciador da campanha, remotamente, e atualizadas em todos os pontos de venda com apenas um clique.
Realidade aumentada e realidade virtual (RV) são duas apostas das empresas de tecnologia para formar o metaverso. O Facebook, por exemplo, anunciou recentemente um investimento de 50 milhões dólares para a difusão, nos próximos 10 a 15 anos, desse universo digital, capaz de reunir pessoas que não estão no mesmo ambiente físico. A Epic Games, conhecida pelo game Fortnite, é ainda mais ambiciosa e vai liderar investimentos no total de 1 bilhão de dólares para alavancar a sua visão de metaverso. A Unity, plataforma usada em aplicativos 2D e 3D, e a Nvidia, de processadores gráficos e inteligência artificial, trabalham em suas próprias versões da chamada internet do futuro. A interface do editor remoto dos alunos foi desenvolvida em Unity — dedicada à elaboração de jogos, mas com ferramentas para design gráfico e renderização de imagem —, acelerando a concepção da nova ferramenta. “Mas a parte visual é toda nossa”, diz Eller.
Este foi o primeiro trabalho de fôlego dos quatro graduandos do Insper. Tudo precisava estar pronto em um semestre. Como cada um tinha certas habilidades, as tarefas foram distribuídas por conhecimentos. “O Gustavo conhece bastante sobre Unity, então focou no editor. O Vitor e eu estudamos os point clouds. O Henry ajudou o Gustavo a desenvolver o leiaute do editor e a fazer alguns ajustes finos de usabilidade”, diz o aluno Pedro Costa. “Buscamos nos aproximar ao máximo das formas como as empresas trabalham”, conta Vitor Eller. O desenvolvimento foi pautado em sprints, uma metodologia ágil de gerenciamento de projetos comum em companhias de software, com revisão permanente de três mentores da NTT Data e do orientador, o professor Luciano Pereira Soares, coordenador do Laboratório de Realidade Virtual e Jogos Digitais do Insper.
A complexidade da tecnologia deixou muitas dúvidas sobre o sucesso da tarefa no prazo disponível. “O Insper sempre procurou trabalhar isso na gente, com outros projetos que parecia que não haveria tempo de terminar, mas que no final conseguíamos. Então, aprendemos a ter calma”, conta Braga. “A receita é confiar tanto na gente como nos colegas com quem temos que trabalhar, conhecer a capacidade de cada um, perceber que dá para aprender e que, no final, as coisas costumam dar certo quando se trabalha bastante.” O êxito dessa fórmula pode estimular uma parceria futura. “Entre nós, é unânime que todos gostariam de continuar trabalhando nesse projeto”, diz Rocha.
Quando assumem o projeto final de engenharia, muitos alunos não fizeram estágios nem têm experiência profissional. “Uma das coisas interessantes é isso: criar uma vivência profissional para os alunos com eles ainda aqui dentro”, afirma o professor Soares. Segundo ele, não é um compromisso de contrato de trabalho, mas de fazer um projeto para uma empresa parceira. No estágio, o aluno pode não estar envolvido num projeto tão amplo como esse, dedicando-se a tarefas mais pontuais, sem conseguir uma visão muito global do negócio.