O domínio da programação das poderosas máquinas quânticas abre excelentes oportunidades na área de finanças para os cientistas da computação
Leandro Steiw
O computador é uma ferramenta indispensável no mercado financeiro para estimar o risco e o retorno de um investimento, realizando cálculos que o cérebro humano levaria tempo demais para resolver sozinho. Mas a capacidade de processamento dessas máquinas está chegando ao limite, enquanto a economia se torna cada vez mais complexa à medida que novas atividades influenciam o sobe e desce das bolsas de valores. Alguns problemas são tão complicados que mesmo um supercomputador moderno poderia levar horas ou dias para obter a resposta. Os alunos do novo curso de Ciência da Computação do Insper serão preparados, então, para a tecnologia que dará as próximas respostas ao mercado financeiro: a computação quântica.
Diferentemente da computação convencional ou clássica — baseada no modelo do cientista britânico Alan Turing e que sustenta o equipamento no qual você está lendo este texto —, a nova tecnologia aplica conhecimentos da física quântica para aumentar exponencialmente o espaço de armazenamento. Atualmente, um bit clássico pode representar uma única informação de cada vez. É o código binário, representado pelos valores 0 e 1. Na computação quântica, um quantum bit (qbit ou qubit) representa duas informações, podendo ser 0 e 1 simultaneamente. Portanto, duas posições do bit clássico viram quatro, três posições viram oito, quatro posições viram 16 e assim sucessivamente. Transformando esse potencial de transmissão em velocidade de processamento das informações, obtém-se uma solução poderosa no mundo dos negócios.
“Há uma teoria bem conhecida na área de finanças chamada Teoria de Markowitz, que transforma o problema de construção de um portfólio de ações em um problema de otimização”, diz Luciano Silva, professor da disciplina de Computação Quântica do Insper. Otimização é uma aplicação típica de máquinas quânticas, para encontrar rotas ótimas de transporte de mercadorias, estruturas químicas em medicamentos e vacinas e diagnósticos em exames laboratoriais. Da mesma forma, para analisar carteiras de investimentos que oferecem os maiores retornos financeiros com os menores riscos. Imagine o universo de empresas listadas nas bolsas de valores e as combinações possíveis de opções para aplicar certas quantias em várias delas. Num mesmo período, algumas se valorizam ou se desvalorizam mais, outras menos. Os riscos crescem e decrescem entre elas. “A quantidade de possibilidades que podemos ter é extremamente grande para uma máquina convencional verificar em pouco tempo. A máquina quântica consegue lidar com esse volume de informação simultânea mais rapidamente”, explica Silva.
Esse cenário de soluções instantâneas não faz parte de um futuro distante. Empresas como IBM, Google e Microsoft têm projetos de pesquisa em computação quântica que já oferecem plataformas abertas, rodando na nuvem, acessíveis por qualquer navegador da internet. Há contas gratuitas (com recursos limitados) e pagas que liberam essas máquinas virtuais a qualquer interessado. Entretanto, é preciso saber alguma coisa de programação. Os alunos do Insper aprendem a trabalhar com esses recursos, normalmente ensinados em programas de mestrado ou doutorado. “O nosso curso de Ciência da Computação tem disciplinas nesse nível já para a graduação, porque queremos preparar o aluno o mais cedo possível para esse mercado, seja usando a máquina da IBM, seja a do Google”, diz Silva.
A disciplina Álgebra Linear para Computação, do terceiro semestre, dará a base para trabalhar com a tecnologia: as matrizes, aquelas tabelas de linhas e colunas ensinadas em matemática no ensino médio. “Todas essas coisas que vemos na ferramenta gráfica de programação quântica da IBM, o IBM Quantum Composer, são matrizes. O qubit é um vetor, que pode ter a dimensão que você quiser, e as caixinhas de comandos são matrizes. Então o aluno precisa saber muita coisa de álgebra linear”, diz Silva, que há dois anos ministra a disciplina Introduction to Quantum Computing (assim mesmo, pois a aula é dada em inglês). “Depois de aprender Álgebra Linear, o aluno pode cursar a eletiva de Introduction to Quantum Computing, toda apresentada em inglês, porque temos recebido estudantes tanto do Brasil quanto do exterior.”
Não será preciso esperar para trabalhar com esses comandos. A IBM, por exemplo, tem um pacote em código aberto específico para a área de finanças, o Quantum Finance, na linguagem Qiskit — baseada na difundida Python de softwares de computação gráfica e segurança da informação, entre outros. “A construção desse programa é um dos conteúdos que ensinamos para os nossos alunos”, afirma Silva. “Os grandes players que trabalham com negócios de alto nível, como finanças, indústria farmacêutica, petrolífera e logística, são um mercado enorme para você aplicar essas soluções. E quanto mais qubits as empresas disponibilizarem de forma comercial, maior a chance de esse mercado absorver esse tipo de tecnologia.”
Sabe-se que grupos internacionais, como JP Morgan, Goldman Sachs, Citigroup e Barclays, acompanham os impulsos da computação quântica. Entre as empresas brasileiras, o Itaú mantém um escritório em Nova York, encarregado de avaliar a integração da nova tecnologia com a infraestrutura da instituição, que já mantém boa parte dos seus dados armazenados na nuvem. Conforme o professor Silva, os bancos percebem reforços significativos na segurança do tráfego de informações, um ponto delicado do mercado financeiro. Os hackers são incapazes de quebrar o emaranhamento da informação quântica — enquanto medem uma informação do qubit, eles perdem a outra que segue junto. Simplificadamente, o emaranhamento significa que o estado combinado dos qubits contém mais informação do que os qubits independentemente. Ao tentar romper a cadeia quântica, os ciberpiratas recebem códigos incompletos.
A segurança das transações bancárias — que já nos exigiram senhas alfanuméricas, chaves digitais e tokens — consumiu 2,5 bilhões de reais do setor em 2020, segundo uma pesquisa da Febraban, entidade que representa os bancos brasileiros. O valor investido em segurança digital corresponde a 10% do que as empresas gastaram com tecnologia no mesmo ano, marcado pela pandemia da covid-19 e pelo lançamento do Pix, meio de pagamento eletrônico instantâneo criado pelo Banco Central. A preparação para o open banking, sistema de compartilhamento de dados bancários pessoais, também gerou novas demandas para a segurança cibernética.
O impacto da nova tecnologia na criptografia convencional já é discutido pelos profissionais de TI. Por enquanto, as chaves de segurança usadas na comunicação pela internet, no padrão chamado RSA, têm 128 ou 256 bits, normalmente — em alguns casos, até 512 ou 1.024 bits. As máquinas quânticas ainda estão chegando a 65 qubits, por isso o RSA continua seguro. Porém, a IBM prevê o lançamento de um processador com 1.121 qubits em 2023. “Com essa capacidade, o esquema RSA que temos rodando no mercado fica totalmente inseguro, porque uma máquina quântica vai conseguir quebrar a chave pública num tempo muito curto”, observa Silva. As implicações comerciais são gigantescas.
A pressa do setor de finanças em aderir a novos protocolos de segurança pode depender da evolução dessa ameaça. Um relatório de 2020 do Global Risk Institute (organização criada no Canadá e mantida pelos setores financeiro e governamental) mostra que, para os especialistas em ciência e tecnologia quântica, o risco é menor que 1% no intervalo de cinco anos, sugerindo uma chance pequena de surpresa a curto prazo, mas que pode se tornar concreta em dez anos e, mais provavelmente, em 20 anos. O documento conclui que a urgência da empresa depende da relação entre a quantidade de dados a serem protegidos, o tempo necessário para migrar para um novo sistema e o número de anos em que as ameaças se tornarão efetivamente reais. Em 2021, o Banco Central fez uma parceria com a Brazil Quantum, que reúne pesquisadores de instituições brasileiras e francesas com o apoio da Microsoft, para examinar a viabilidade da adoção de criptografia quântica para o Pix.
Uma aposta no desenvolvimento das máquinas quânticas é a limitação na redução dos transistores, que medem 14 nanômetros e são o material dos chips instalados nos computadores convencionais. Um nanômetro equivale a um milionésimo de milímetro. Considerando-se o tamanho pequeno dos transistores atuais, a produção dos chips estaria se tornando economicamente inviável sem correr o risco de afetar o desempenho e a eficiência energética. Uma das respostas seria reduzir a escala dos transistores — experimentam-se produtos com 10 e 7 nanômetros. A outra, acelerar o próximo salto tecnológico, fora dos semicondutores de silício que garantiram a evolução dos microcomputadores. Os investimentos em alto desempenho voltam-se, portanto, para a computação quântica.
Embora haja muita especulação sobre as pesquisas em andamento, os resultados podem ser surpreendentes. Deu no diário inglês Financial Times: a máquina quântica do Google teria sido capaz de realizar, em 200 segundos, operações que levariam 10 mil anos no supercomputador mais potente do mundo. Polêmicas à parte, o fato serve, pelo menos, para confirmar a capacidade da nova tecnologia na resolução de problemas difíceis. O mercado financeiro é sensível a decisões políticas, econômicas e empresariais, além de fatores sociais e ambientais. Dispor dessa velocidade de processamento da informação facilitaria a análise dos diversos cenários aos operadores, gerentes e investidores, ajudando a indicar investimentos mais adequados aos clientes e facilitando a liberação de empréstimos e financiamentos. As perspectivas da computação quântica abrem uma oportunidade profissional que os programadores mais competentes não podem deixar de dominar e aproveitar.