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Como lidar com o medo e a ansiedade na nova fase da pandemia?

Em entrevista, Maria Aparecida Rhein Schirato analisa as causas e como lidar com esses sentimentos no momento em que as atividades são retomadas nas cidades

Em entrevista, Maria Aparecida Rhein Schirato analisa as causas e como lidar com esses sentimentos no momento em que as atividades são retomadas nas cidades

Seguindo os esforços conjuntos de toda a Comunidade Insper para mitigar o impacto da Covid-19, estamos publicando uma série de entrevistas com professores, gestores e diretores para abordar ações realizadas pela nossa escola, além de dicas e orientações nas mais diversas áreas para promover o debate público de maneira fundamentada e ajudar a sociedade a superar os desafios deste momento.

ENTREVISTA| CONTEÚDO SOBRE A PANDEMIA DE COVID-19 |ACESSE A PÁGINA ESPECIAL

Neste período em que autoridades governamentais anunciam a flexibilização do isolamento social, muitas pessoas estão enfrentando medo e ansiedade no retorno gradual às atividades presenciais.

Para entender melhor as causas desse cenário, como lidar com esses sentimentos e ajudar quem está sofrendo, conversamos com Maria Aparecida Rhein Schirato, professora do Insper. Confira:

1) Com a flexibilização do isolamento, muitas pessoas estão enfrentando medo de sair de casa e sofrendo com sentimentos como ansiedade.  Quais são as causas desse cenário?

Em primeiro lugar, devemos pensar que, a princípio, tivemos uma entrada na pandemia absolutamente traumática. Apesar de que sabíamos que o vírus chegaria aqui, tudo aconteceu da noite para o dia. Apareceram os casos e passamos a ficar isolados em casa.

A primeira sensação de estarmos em casa foi de prisão: estou prisioneiro, não posso sair, ver pessoas, distante da família e amigos.

Essa sensação de prisão foi traumática e, aos poucos, pelo tempo e por toda a campanha feita informando que a casa era o único lugar seguro, a casa, de prisão, passou a ser uma trincheira nessa guerra, promovendo a sensação de proteção.

Essa permanência em casa traz um sofrimento: do isolamento, da limitação de gestos, impedimento do ir e vir, sofrimento de não saber exatamente se o emprego será mantido, da possibilidade de ser esquecido.

Esse sofrimento, entretanto, está absolutamente dominado. A proposta de sair para o mundo externo traz um sofrimento novo, de encarar o ambiente fora da minha proteção. E esse é um sofrimento ainda desconhecido.

Nossa tendência é sempre permanecer no lugar onde, embora haja sofrimento, ele esteja controlado, seja conhecido e que saibamos, de alguma forma, como lidar com ele.

Mudar dessa situação para ingressar em um novo normal faz com que tenhamos que enfrentar, com dificuldades, essas adaptações. Percebemos a expectativa de ter um sofrimento novo, que ainda não dominamos.

Na dúvida, preferimos ficar com o sofrimento antigo, que já está dominado, com o qual já nos adaptamos e que, de alguma forma, nos garante a sobrevivência.

É muito semelhante à Síndrome de Estocolmo: já que não tenho saída, vou entender que essa pessoa – no caso que estamos tratando, a casa – está me protegendo. Sair significa me arriscar para uma nova sensação de sofrimento, de medo, de ansiedade. São sentimentos que não controlo.

Podemos dizer que sempre que alguém é muito resistente a mudanças, não é porque é conservador, e sim, porque está sofrendo. A pessoa intui que se mudar, vai passar por um sofrimento que não conhece.

Caso o convite à saída fosse depois de 10, 15 dias, a partir do início do isolamento, certamente teria aderência total. Porque ainda não se estava gostando da prisão. Mas, agora, a prisão é um refúgio. Então, a saída é a dolorosa. É um pouco a saudade que o sequestrado acaba tendo do sequestrador. Há uma identificação tão grande com alguém que me domina, que acredito que a minha segurança está neste domínio.

2) Quais são as melhores maneiras para lidar com esse sentimento e tentar superá-lo?

A saída não deve ser tão traumática quanto foi a entrada. Embora não tenhamos autoridades na rua tomando atitudes de intimidação, o vírus se encarregou de nos intimidar.

Portanto, devemos tentar fazer a saída ser menos traumática. E, para que seja assimilável e não provoque uma situação de desespero, de desamparo, tem que ser muito lenta.

É necessário sair aos poucos, ver que é possível ir à rua equipado e com segurança, e notar que as empresas também estão se preocupando com isso.

Nesse sentido, as autoridades estão trabalhando bem, com flexibilizações parciais, uma certa parcimônia em relação aos setores. O problema que estamos vendo é que não estamos só na dependência da questão sanitária. Existe a urgência da economia. As pessoas não estão conseguindo sair aos poucos. Existe urgência no sentido de vender o que tinha parado, abrir a porta para receber clientes. E mesmo sem condições de consumo, a população também sente urgência de sair.

Já as empresas devem se manifestar e se posicionar claramente, porque elas é que têm poder de decisão. Precisam mostrar com transparência quais são seus planos de retorno, com garantia de que as pessoas de risco serão reservadas, que aqueles que virão terão espaço e equipamentos necessários para o trabalho seguro.

Uma coisa que podemos fazer para amenizar esse sofrimento, é pensar: não é por minha causa. Não sou eu que estou sem dinheiro, a humanidade empobreceu. Não sou eu que estou sem emprego, as empresas quebraram e não tem o que oferecer. É um momento em que toda a humanidade está passando por grandes desafios.

Devemos, ainda, pensar que isso vai passar. Vamos encontrar meios para superar esse período e não devemos nos desesperar, pois como foi dito, não é um problema pontual dirigido a um indivíduo. É uma onda enorme, que está desestabilizando todo o mundo. E essa onda vai passar.

Também é possível olhar para o que a pandemia está trazendo de bom. Ela está gerando mais solidariedade, mais humildade, mais afeto entre as pessoas, pois começamos a perceber que elas são efêmeras. Além disso, nos traz lições interessantes: não precisamos de tantos sapatos, de tantos restaurantes, de tantas fotos nas mídias sociais. Estamos vivendo de uma forma bastante austera e consumindo de forma mais racional.

3) Caso identifique que uma pessoa próxima está sofrendo com esse medo, essa ansiedade, qual a melhor maneira de ajudá-la?

Vale dizer, nesse contexto, que o brasileiro tem algo muito peculiar. Faz piada fácil. E vale a pena voltar a brincar. Freud diz que rir dos próprios vexames, das próprias gafes, é sinal de inteligência. Ele é o autor de uma frase que eu adoro: tentar fazer da miséria neurótica uma infelicidade banal.

Ou seja, pensar que aquilo que tortura você, que o consome, já passou ou vai passar. Foi uma infelicidade momentânea. E você sobreviveu.

Devemos usar o lado mais descontraído ao nosso favor. Vamos comemorar o retorno, achar engraçado o cumprimento com o cotovelo, tentar tornar mais leve o ambiente.

Reforçando, é bom pensar que isso é uma miséria neurótica, mas vai ser uma infelicidade banal. Vamos ter história para contar a outras gerações.

E, ao ver uma pessoa para baixo, mande uma mensagem, diga que ela não está sozinha, que passou por tudo isso e está viva. Quem passa por tudo isso, é um sobrevivente. Está enfrentando uma pandemia, sem vacina e é um vencedor. E que não devemos desistir agora. Somos vencedores e, se der tudo certo, vamos sim tomar uma vacina e superar esse período.

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