CONHECIMENTO| CONTEÚDO SOBRE A PANDEMIA DE COVID-19 |ACESSE A PÁGINA ESPECIAL
A rotina de policiais sofreu um choque com a pandemia. Com menos pessoas em circulação, risco de contágio e novas normas de restrição de atividades a fazer cumprir, agentes no estado de São Paulo passaram a atuar em meio a uma desarticulação político-federativa, foram expostos a situações que desafiam seus valores corporativos e tiveram de lidar com a escassez de material de proteção contra a Covid-19.
Esses são os principais eixos de análise do estudo “Street-level bureaucrats under Covid-19: Police officers’ responses in constrained settings” (Burocratas que atuam nas ruas sob a Covid-19: respostas de agentes policiais em situações de restrição), publicado no periódico “Administrative Theory & Praxis”. Nele, os pesquisadores Sandro Cabral, coordenador do mestrado profissional em políticas públicas do Insper, e Rafael Alcadipani, Alan Fernandes e Gabriela Lotta, da EAESP-FGV, recorreram a uma abordagem próxima à etnográfica, incluindo consulta sistemática a fontes da própria corporação policial.
As identidades dos informantes foram mantidas em sigilo, seguindo protocolos técnicos para assegurar a confiabilidade da apuração e não colocá-los em risco.
O primeiro terreno de conflito elencado na investigação foi o político. O governador do estado de São Paulo, João Doria, e o presidente da República, Jair Bolsonaro, inicialmente adotaram linhas divergentes de atuação na pandemia. Enquanto o primeiro, chefe hierárquico das forças policiais, decretou o fechamento de atividades não essenciais no estado, o segundo criticou essa abordagem, em nome da preservação de empregos.
Como policiais se mostram mais alinhados ao presidente, essa desarmonia política, segundo os relatos obtidos pelos pesquisadores, enfraqueceria o efetivo cumprimento das ordens do governador pelos agentes de segurança no cotidiano das ruas.
O segundo eixo de atritos trazido pela pandemia foi com o sistema de valores cultivados na polícia.
A cultura da masculinidade, documentada em corporações policiais em todo o mundo, choca-se com a série de cuidados adicionais necessários para evitar a infecção por parte de profissionais que interagem com outras pessoas com frequência. O uso de máscaras e os cuidados no contato físico eram vistos, no início da pandemia, com desprezo nesse tipo de ambiente viril.
Por fim, dificuldades materiais para que artigos de proteção individual, como luvas, máscaras e álcool em gel, cheguem na quantidade suficiente aos agentes da linha de frente também foram relatadas na pesquisa. Em conjunto com as dimensões culturais e políticas, elas minam a efetividade das respostas dos agentes de segurança.
Além da redução da dissonância entre os níveis federal e estadual e a agilização na aquisição e distribuição de itens de proteção, um modo de diminuir a resistência dos policiais aos novos protocolos, segundo os pesquisadores, seria identificar na tropa líderes informais que reforçariam, pelo exemplo, a importância desses cuidados para os demais integrantes.