Cruzamento das avenidas Ipiranga e São João, no centro paulistano, durante a pandemia de Covid-19, em abril deste ano
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Enquanto o governo paulista autoriza relaxamentos na quarentena estadual a partir deste mês, pesquisadores debatem o efeito do distanciamento social na propagação do novo coronavírus no estado de São Paulo. Simulações de Bruno Komatsu e Naercio Menezes Filho, do Insper, mostram que a maior circulação de pessoas agora pode elevar o total de mortes pela doença. O risco existe uma vez que mais indivíduos podem ser infectados ao mesmo tempo, provocando a falta de leitos de UTI para casos graves.
A infecção é favorecida pela falta de imunidade da população humana ao Sars-Cov-2 e pela velocidade relativamente alta em que o vírus se propaga. Até a tarde de 2 de junho, contavam-se mais de 6,3 milhões de infectados no planeta, e o número de óbitos ultrapassava 377 mil. No estado de São Paulo, as somas eram de 111 mil casos e 7.667 mortes.
Para estimar o comportamento da infecção, bem como o impacto de medidas de restrição à circulação, é preciso estipular parâmetros como o total de pessoas em média contaminadas por um portador, o período durante o qual um indivíduo infectado transmite o vírus, a população ainda suscetível ao patógeno e a frequência de contatos pessoais na sociedade.
Seguindo essa linha, Komatsu e Menezes Filho recorreram a uma modelagem usual na epidemiologia, chamada de SEIR, acrônimo para suscetíveis, expostos, infectados e removidos. Por meio de um modelo desse gênero, desenvolvido por um grupo de pesquisadores para o novo coronavírus, a dupla simulou a trajetória da infecção no estado de São Paulo.
O exercício para o caso paulista formulou um cenário básico em que não haveria nenhuma medida de isolamento para conter a infecção, além de outros quatro: quarentena até 30 de junho; quarentena até 31 de agosto; quarentena até 31 de maio e lockdown de 1º de junho a 31 de julho; quarentena até 31 de maio e lockdown de 1º de junho a 31 de agosto.
Quarentena é o mecanismo que veda o funcionamento de serviços não essenciais –no estado de São Paulo, entrou em vigor em 24 de março. Lockdown é um regime mais duro, implantado em algumas nações como Itália e Espanha, que obriga as pessoas a permanecerem em suas casas, ressalvadas situações excepcionais.
Do ponto de vista do número total de infectados ao final do ciclo epidemiológico, há pouca diferença detectada. Em qualquer um dos cenários, o modelo prevê que em torno de 80% da população paulista de 45,5 milhões de habitantes será contaminada pelo coronavírus até dezembro deste ano. O que as opções testadas de distanciamento social fazem é espalhar de modo diverso a incidência ao longo desses meses.


Como a capacidade de tratar os pacientes mais graves é limitada pela infraestrutura de leitos de UTI disponíveis, as políticas de distanciamento evitam a concentração de casos em poucas semanas, poupando mais vidas. No exercício dos pesquisadores do Insper, as alternativas que estendem ou apertam o regime de restrição até agosto são as que mais mortes evitam, sendo o lockdown a mais efetiva nesse período. De 18 mil a 40 mil paulistas deixariam de morrer nesses cenários, na comparação com o de encerramento das restrições à circulação em 30 de junho.


Komatsu e Menezes Filho fazem alertas para limitações do estudo. Em primeiro lugar, não se sabe ao certo qual é a taxa de contágio básica da Covid-19. Eles adotam uma taxa de reprodução básica do vírus igual a três, com base em estimativas do Imperial College, de Londres. Variações pequenas nessa taxa, da ordem de cinco décimos, significam milhões de pessoas infectadas a mais ou a menos num estado populoso como São Paulo ao fim do ciclo do vírus.
Um segundo limitador é o efeito de outras medidas de proteção, como o uso disseminado de máscaras e a adoção de protocolos de higiene e distanciamento na circulação urbana, que não foram dimensionados no estudo dos pesquisadores do Insper.