Evento reuniu especialistas para discutir diagnósticos a respeito da desinformação, além de iniciativas não-estatais e estratégias regulatórias para enfrentar esse problema
No dia 14 de fevereiro, o Centro de Regulação e Democracia do Insper promoveu o evento Desinformação e as Eleições de 2020. O encontro promoveu debates a respeito de diagnósticos sobre manipulação de fatos e narrativas para fins políticos, bem como sobre as estratégias não-estatais, regulatórias e judiciais para lidar com a desinformação.
Na abertura, Diego Werneck Arguelhes, professor do Insper, inseriu os debates do dia no contexto maior da pesquisa e ensino em Direito no Insper. Ressaltando a variedade de expertises e perspectivas dos palestrantes reunidos nos painéis, observou que o evento “representa o que pensamos para nossos cursos: refletir sobre o direito no contexto das ciências sociais aplicadas, em busca de soluções para problemas concretos da realidade brasileira”.
Painel 1: Diagnósticos
No primeiro painel, moderado por Lucas Novaes, professor do Insper, Bárbara Marchiori de Assis, integrante do Grupo de Estudos em Direito da Concorrência e Regulação em Plataformas Digitais da FGV-SP, apresentou impressões preliminares de estudo conduzido com 155 processos, 282 decisões e 280 URLs específicas relacionadas à desinformação. “Percebemos, nessa amostra, uma inclinação para a solicitação de remoção de conteúdo; que o sistema carece de consistência e necessita de melhores proteções contra a captura política; e a necessidade de se trabalhar com as plataformas digitais e outros atores para resolver o problema”.
Felipe Nunes, da UFMG, ressaltou o caráter global da desinformação, citando os casos das eleições nos Estados Unidos e na Índia, e abordou pesquisas realizadas com 4,5 mil pessoas em maio de 2018 e 2,2 mil pessoas em setembro do mesmo ano, nas quais foram apresentadas, aos entrevistados, uma notícia falsa e perguntas sobre a crença na veracidade da informação. “Os resultados indicam que as pessoas analisam uma notícia em busca de confirmar e justificar suas opiniões, em vez de objetividade”.
A massiva utilização do termo fake news e o seu significado foram analisados por Pablo Ortellado, da USP. De acordo com Ortellado, o termo representou, nas últimas eleições norte-americanas, uma série de blogs que publicavam simulacros de notícias e se transformou, nos discursos do atual presidente, em conotação pejorativa para todos os veículos que produzissem materiais que atacassem a sua administração. “A essência do fenômeno não está associada à mentira, e sim à promoção de ‘notícias’ com o objetivo de promover discursos direcionados a campos políticos”.
Painel 2: Estratégias não-estatais e o papel do mercado
Moderado por Pedro Burgos, coordenador do Programa Avançado de Comunicação e Jornalismo do Insper, o segundo painel do encontro debateu práticas adotadas por plataformas online, sociedade civil e veículos de imprensa para lidar com os dilemas da desinformação, em especial para o período de eleições deste ano.
Daniel Bramatti explicou o funcionamento do Estadão Verifica, núcleo de checagem de dados que trabalha a partir de recebimento de pedidos de leitores para análise de conteúdos suspeitos. “Procuramos mostrar, quando é o caso, que a notícia circula para atingir determinado objetivo”, explicou Daniel, que também abordou a atuação do Projeto Comprova, iniciativa coordenada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraki) e que promove uma coalização de veículos brasileiros para a realização de fact-checking.
O papel dos avaliadores de busca para adequar os algoritmos e trazer melhores resultados, o destaque a conteúdo de fontes oficiais e parcerias para educação midiática foram algumas das iniciativas ressaltadas por Juliana Nolasco, do Google. “Combinamos pessoas, que trazem o contexto, e a tecnologia, para ganhar escala, no combate às desinformações na rede.”
Rebecca Garcia, do Facebook, elencou as ações desenvolvidas pela plataforma no combate às informações falsas. “Contamos, desde 2019, com um time dedicado às eleições, envolvendo profissionais de diversas áreas e promovendo o combate à desinformação com uma abordagem multifacetada”.
Para Thomas Kadri, da Yale University e pesquisador visitante do Insper, as plataformas estão, hoje, fazendo um melhor trabalho na luta contra à desinformação. “Não sou otimista quanto à colaboração efetiva de normas jurídicas nesse sentido”.
Painel 3 – Estratégias regulatórias e judiciais
“Devemos enfrentar o problema da desinformação sem a ilusão de que a solução está na judicialização. Não podemos criar expectativas de que a justiça eleitoral terá resposta pronta para isso. É necessário procurar caminhos possíveis, com diálogo com outras instituições, principalmente a academia, que pode ajudar a subsidiar a questão”, disse Silvana Batini, do MPF-RJ.
Autora de pesquisa sobre as políticas públicas mais aptas para regular o fenômeno da desinformação de forma eficiente, Clara Iglesias Keller, da Leibniz Institute for Media Research | Hans-Bredow-Institut, aponta que, de 2018 para cá, não houve avanço regulatório que abarque a complexidade desse problema. “Ainda temos muitos desafios para analisarmos aspectos do debate público na esfera digital em nosso país”.
De acordo com Francisco Brito Cruz, do Internet Lab, a dieta de mídia no Brasil mudou e se tornou mais híbrida e aberta a novas autores, o que reformula o papel da audiência. “Isso, aliado à crise no fazer jornalístico, a instabilidade política e jurídica, e o tensionamento dos discursos, cria um cenário favorável para a circulação de desinformação”.
Ao mesmo tempo em que é possível disseminar discursos de ódio, a internet também permite que muitos discursos ligados à defesa de direitos humanos, antes silenciados, se amplifiquem. Para Veridiana Alimonti, da Eletronic Frontier Foundation (EFF), é necessária uma análise cuidadosa do conteúdo por parte das plataformas. “Mecanismos de denúncia podem ser usados por grupos ou setores que se mobilizam com o objetivo de silenciar outros”.
Os debates deste painel foram mediados por Mariana Valente, do InternetLab.
Acompanhe os painéis na íntegra: