


“A equidade de gênero se faz fundamental para pensarmos em políticas públicas que sejam, de fato, efetivas. Afinal, quando uma parcela da população não ocupa esses espaços de formulação das políticas, suas visões e percepções são excluídas”, diz Gabriela Rossatto Cáceres, formada no Mestrado Profissional em Políticas Públicas (MPP) do Insper e que recebeu o prêmio de melhor dissertação do curso durante a formatura da última turma, em agosto.
Aos 30 anos, a engenheira química atua como coordenadora de monitoramento e avaliação do Instituto Ayrton Senna e começou sua experiência profissional como trainee na Secretaria Estadual de Trabalho e Assistência Social do Espírito Santo. “Nessa época, descobri minha paixão por políticas públicas e comecei a traçar minha trajetória na área. Senti a necessidade de ter uma capacitação formal na área e comecei o mestrado no Insper em 2021”, conta.
Para realizar seu trabalho de conclusão do mestrado, intitulado “A participação das mulheres nas instituições participativas: os efeitos da Lei de Paridade de Gênero na atuação das mulheres nos Conselhos de Políticas Públicas no Município de São Paulo”, Gabriela fez um ano e meio de pesquisas.
A escolha do tema foi motivada pelo fato de que ela fez parte do Observatório do Plano Diretor da capital paulista e pôde entender melhor o papel da participação social nas políticas públicas. “Durante a experiência, me deparei com a Lei de Paridade de Gênero, criada em 2013. Ao buscar mais informações sobre ela, percebi que era difícil achar dados e que não era de conhecimento público”, diz. Por isso, ela resolveu compreender, em profundidade, como essa lei de fato estava sendo aplicada e se estava contribuindo para as políticas públicas.
Para Marcelo Marchesini, gerente do Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP) do Insper e orientador de Gabriela, o trabalho traz contribuições originais para o campo da gestão pública e é de grande importância. “O estudo aplica uma lente teórica usualmente utilizada para o serviço público: a teoria da burocracia representativa. O trabalho analisa esses importantes espaços de participação social, que são os conselhos setoriais. Neles, há participação de representantes do governo, mas também representantes da sociedade civil”, diz.
De acordo com Carla Ramos, professora do Insper que coorientou o trabalho, a pesquisa sobre a representação e a representatividade das mulheres na tomada de decisão pública decorrente de uma política de paridade de gênero, no contexto específico de conselhos de políticas públicas de São Paulo, faz importantes contribuições para a teoria e para a prática.
“Em termos teóricos, o trabalho contribui para a expansão da teoria da burocracia representativa e para a literatura de instituições participativas. Para a prática, essa pesquisa auxilia formuladores de políticas públicas a entenderem quais medidas são necessárias para que as mulheres participem efetivamente das instituições e atuem nesses espaços em função de suas demandas”, afirma.
Para fazer a pesquisa, Gabriela optou por realizar um estudo de caso único e integrado, utilizando três conselhos de políticas públicas do município de São Paulo como subunidades de análise: o Conselho Municipal de Saúde, o Conselho Municipal de Habitação e o Conselho Municipal de Política Urbana. “Essa divisão ajudou a entender em profundidade cada um dos conselhos e como a lei era implementada nas diversas áreas. Isso possibilitou uma análise comparativa entre eles.”
Professora da disciplina de Métodos Qualitativos e Mistos no programa de MPP do Insper, Carla afirma que o método qualitativo foi identificado como o mais adequado para responder às questões de pesquisa colocadas. “Ao incluir três conselhos com características distintas, Gabriela trouxe uma maior riqueza e profundidade para o estudo, assim como uma análise de contingência resultante das características específicas de cada conselho”, afirma.
A docente explica que as informações foram coletadas via múltiplas técnicas e integrando dados de natureza distinta, nomeadamente dados primários com entrevistas conduzidas com 17 participantes dos conselhos estudados, assim como dados secundários via legislação, deliberações dos conselhos, minutas e vídeos das sessões plenárias dos conselhos. “O uso de múltiplas fontes de dados trouxe uma robustez ainda maior para a pesquisa, com a triangulação dos achados e o desenvolvimento de uma visão mais rica do fenômeno estudado”, diz Carla.
Segundo ela, como já é frequente em pesquisa qualitativa, o estudo não visou testar hipóteses derivadas teoricamente, mas descobrir insights e apresentar proposições com base nos dados empíricos e na investigação do fenômeno em seu contexto natural.

A partir da análise dos dados coletados, Gabriela diz que é possível afirmar que apenas a criação da lei não é suficiente para aumentar a representação e a representatividade das mulheres nos conselhos de políticas públicas. “Pelo estudo, conclui-se que, para garantir a representação, são necessárias orientações específicas sobre como a lei deverá ser implementada e estabelecer mecanismos de controle para verificar o seu cumprimento”, diz Gabriela.
Os dados coletados indicam que apenas garantir que as mulheres façam parte dos conselhos não torna, necessariamente, os resultados gerados por essas instituições participativas mais representativos dos interesses desse grupo. “Fatores como a institucionalização do processo participativo, oferta de capacitação, histórico de participação e capital social e político, influenciam na forma como as mulheres participam desses espaços e levam suas pautas adiante”, afirma a aluna.
Além disso, apesar de representarem pelo menos 50% dos membros desses órgãos colegiados, as mulheres continuam enfrentando barreiras para assumir posições de liderança dentro desses espaços. “Por mais que a criação dessa lei represente um avanço em termos de garantir a representação das mulheres no âmbito da discussão das políticas públicas, não foi encontrado nenhum tipo de estudo sobre os seus resultados, ou sobre a forma como ela pode contribuir, não só para que mais mulheres participem desses espaços, mas também para que as necessidades desse grupo sejam levadas em consideração na discussão sobre as políticas públicas discutidas dentro dos conselhos.”
Gabriela destaca que para ter representatividade dentro desses espaços são necessários fatores como o histórico de atuação e o conhecimento das demandas das mulheres que pertencem ao grupo que representam. “Além disso, é essencial a existência de um processo participativo estruturado e legítimo, que forneça as condições para que as mulheres consigam transformar suas pautas em propostas concretas”, diz.
Para ela, um bom exemplo disso é a Comissão de Políticas de Saúde da Mulher, do Conselho Municipal de Saúde, onde as discussões geradas nesse espaço tiveram contribuições concretas para a Política de Saúde da Mulher, como o protocolo de tratamento para endometriose.
Apesar dos desafios na questão da equidade de gênero no Brasil, Gabriela acredita que o tema avançou nos últimos anos. “Se pensarmos de forma ampla, o Brasil tem notado uma melhora no que diz respeito a leis que buscam promover a reparação ou prevenção de desigualdades e violências que foram enfrentadas pelas mulheres ao longo dos anos”, afirma. Ela cita exemplos como a Lei Maria da Penha, um marco fundamental para o combate à violência contra a mulher, e a Lei de Cotas Eleitorais, que busca uma maior participação das mulheres na política.
No entanto, ela avalia que ainda existem problemas sistêmicos que muitas vezes impedem que esses instrumentos legais cumpram com seus objetivos. “Por exemplo, apesar de haver uma lei para ampliação da representação eleitoral em termos de gênero, quando olhamos para as pessoas eleitas, percebemos que apenas uma minoria conseguiu de fato romper as barreiras e chegar a posições no Legislativo ou no Executivo”, afirma.
Ela reconhece a importância das leis. Afinal, quando existe uma legislação que garante a participação dessas mulheres, cria-se legitimidade para que elas e a própria sociedade cobrem a inserção nesses espaços. “No entanto, isso precisa ir além da lei. Uma vez presentes, as mulheres poderão levar pautas que muitas vezes não eram endereçadas e sua voz irá ecoar para que outras também as apoiem”, finaliza.