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A jornada acadêmica e profissional nem sempre segue um caminho linear, e muitos jovens enfrentam dúvidas e desafios ao escolher suas carreiras. Este foi o caso da carioca Juliana Costa de Carvalho, que, desde cedo, se viu dividida entre diferentes áreas de interesse. 

 

Ela iniciou sua vida universitária aos 16 anos, cursando simultaneamente História, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Relações Públicas, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Embora seu sonho inicial fosse estudar História, seu pai a incentivou a explorar outras possibilidades. 

 

Mesmo após concluir ambas as graduações, Juliana ainda não tinha muita certeza sobre seu futuro profissional. Foi apenas durante um MBA na Fundação Getulio Vargas que sua trajetória começou a ganhar forma. Ela se apaixonou pelo ambiente acadêmico e decidiu seguir esse caminho, iniciando o mestrado em Administração e, na sequência, fazendo o doutorado, ambos na FGV.

 

Juliana tem agora um novo desafio: deixou o Rio de Janeiro, cidade à qual é apegada, e se instalou em São Paulo para trabalhar no Insper, onde assumiu recentemente a função de coordenadora executiva do Núcleo de Pessoas no Setor Público, ligado ao Centro de Gestão e Políticas Públicas. Ela vê essa oportunidade como uma chance rara no Brasil de se dedicar integralmente à pesquisa. “O que mais me motiva é a possibilidade de produzir conhecimento e compartilhá-lo com outras pessoas”, diz Juliana.

 

A seguir, conheça mais sobre sua trajetória profissional.

 

Dupla jornada acadêmica

 

Nasci e cresci no Rio de Janeiro. Meu pai é professor de inglês na educação básica há muitos anos e minha mãe é enfermeira. Tenho uma irmã mais nova que está terminando uma faculdade de pedagogia. Desde cedo, meu sonho era estudar História, mas meu pai me dizia: “Juliana, você não vai dar conta de ser professora e dar aulas para crianças. Acho que você deveria fazer outra coisa”.

 

Como eu gostava também de Comunicação, me inscrevi para o vestibular de Relações Públicas e também para o de História. Acabei sendo aprovada em ambos os cursos. Eu era muito nova, tinha apenas 16 anos, e fiquei em dúvida, mas meu pai me incentivou a fazer os dois cursos simultaneamente. Assim, embarquei na aventura de cursar História durante o dia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e Relações Públicas à noite na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi um período intenso. Concluí ambos os cursos e meu plano era continuar trabalhando em marketing, que era algo de que eu gostava. 

 

Primeiras experiências profissionais

 

Nos dois últimos anos da graduação, consegui um estágio em marketing em uma administradora de shopping centers. Cheguei a iniciar um mestrado em História, mas logo percebi que não era o que eu queria naquele momento.

 

Fui professora de inglês por muitos anos e sempre adorei estar em sala de aula. Mas, como meu pai me dizia, eu não me via dando aulas na educação básica, com turmas grandes e a rotina intensa que é comum, especialmente no ensino público no Brasil. Apesar disso, gostava muito de ensinar e, no trabalho, também dava treinamentos para grupos, o que me agradava bastante. Um dia, uma chefe me disse que eu tinha perfil para ser professora universitária, e isso ficou na minha cabeça.

 

Quando terminei os cursos de graduação, fiz um MBA na Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio. Logo na primeira aula, me identifiquei tanto com o trabalho do professor que decidi que era isso que eu queria fazer na minha vida. Lembro-me de ter abordado o professor após a aula, perguntando: “O que eu faço para fazer o que você faz, para conseguir dar aula?”. Ele me aconselhou a fazer um mestrado.

 

Decidi, então, me preparar para um mestrado em Administração. Foi um grande desafio, já que a prova exigia conhecimentos em exatas e minha formação era basicamente em humanas. Mas consegui ser aprovada para o mestrado em Administração na FGV.

 

Do marketing à liderança 

 

Durante o mestrado, meu objetivo inicial era a área de marketing, mas, ao longo do curso, percebi que não me identificava com os temas abordados, o que me levou a explorar outras áreas. Foi então que me apaixonei pela temática da liderança. Acabei me juntando a um grupo de pesquisa sobre o assunto, do qual faço parte até hoje. Foi interessante notar que grande parte dos estudos desse grupo se concentrava em organizações públicas, o que despertou ainda mais meu interesse.

 

Nossa pesquisa focou na liderança compartilhada, um conceito que se acreditava existir apenas em determinados tipos de organizações, como hospitais, escolas e universidades. Decidimos estudar o sistema de educação pública da cidade do Rio de Janeiro, o que me permitiu mergulhar mais a fundo na área de administração pública.

 

O foco principal do nosso estudo eram os diretores de escolas, explorando os desafios complexos que enfrentam. Embora muitos se vejam primariamente como professores, eles precisam assumir um papel de liderança para o qual frequentemente não estão preparados. Um aspecto importante que analisamos foi o impacto dos transtornos mentais nos professores. Nossa descoberta mais significativa foi que, quando a liderança do diretor é bem exercida, esses efeitos negativos são atenuados: os professores permanecem mais tempo nas escolas, ficam mais motivados, e isso se reflete diretamente no desempenho dos alunos.

 

Breve experiência internacional

 

Durante o mestrado, realizei um período sanduíche na Escola de Administração Pública da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. Permaneci lá por cinco meses, com o intuito de avaliar se faria sentido continuar o doutorado no exterior, uma vez que essa possibilidade estava em aberto. Embora a Universidade de Indiana seja excelente, com professores e alunos de alto nível, minha adaptação foi bastante difícil. O clima rigoroso e a pouca interação entre os alunos me fizeram sentir isolada. Sentia falta das trocas e do calor humano com os quais estava acostumada no Brasil. Apesar desses obstáculos, a experiência foi muito valiosa, pois tive a oportunidade de conhecer e aprender com grandes pesquisadores na área de administração pública. Após essa vivência, cheguei à conclusão de que preferia continuar o doutorado no Brasil, na FGV.

 

Raça e liderança

 

No meu doutorado, aprofundei-me no tema da administração pública, com foco na questão racial e na liderança. A pesquisa se estruturou em quatro artigos interligados por essa temática. O primeiro desenvolveu uma abordagem teórica sobre as barreiras que pessoas negras enfrentam para ascender a cargos de liderança, analisando como mecanismos inconscientes e vieses psicológicos dificultam esse processo.

 

O segundo artigo testou essas hipóteses por meio de um experimento psicológico. Foi um trabalho desafiador, pois é difícil que as pessoas admitam preconceitos como racismo ou misoginia, o que resultou em dados inconclusivos até o momento. 

 

O terceiro artigo examinou como o colorismo afeta a eleição de candidatos negros no Brasil, com base em dados das eleições de 2020. O resultado foi evidente: quanto mais escura a pele do candidato, menor a probabilidade de eleição, um problema que afeta particularmente as mulheres negras.

 

O último artigo deu continuidade ao trabalho iniciado no mestrado, analisando a liderança inclusiva nas escolas públicas. Focamos em como diretores que adotam uma postura inclusiva, especialmente no que diz respeito à questão racial, podem melhorar a sensação de pertencimento dos professores. Ainda aguardo dados complementares para finalizar essa pesquisa, mas os resultados preliminares indicam que uma liderança inclusiva tem um impacto positivo relevante no ambiente escolar.

 

A transição para o Insper

 

Minha história com o Insper começou durante meu mestrado, quando conheci o professor Gustavo Tavares. Estudamos juntos na FGV, onde eu fazia mestrado e ele, doutorado. Tivemos a oportunidade de colaborar em algumas pesquisas, o que fortaleceu nossa conexão acadêmica.

 

Um dia, Gustavo me falou sobre uma vaga no Núcleo de Pessoas no Setor Público do Insper, sugerindo que eu me candidatasse. Inicialmente, fiquei receosa — sempre fui muito apegada ao Rio de Janeiro e nunca imaginei mudar de cidade. No entanto, após ponderar, decidi me candidatar, e foi assim que vim parar no Insper.

 

O que mais me atraiu no Insper foi a oportunidade de trabalhar com pesquisa, algo bastante raro no Brasil. Muitas vezes, você se forma e acaba não conseguindo trabalhar na área desejada, sem ter a chance de desenvolver sua carreira e aprimorar suas habilidades. A possibilidade de produzir conhecimento e compartilhá-lo com outras pessoas é o que mais me motiva. Além disso, o renome da instituição e a qualidade dos trabalhos realizados aqui foram outros pontos decisivos que me motivaram a me candidatar a trabalhar no Insper.

 

O Núcleo de Pessoas

 

O Núcleo de Pessoas no Setor Público do Insper é relativamente novo, tendo surgido no ano passado a partir de uma demanda da Fundação Lemann. Inicialmente, o objetivo era realizar uma pesquisa sobre alta direção, o que levou à criação de um Mapa de Gestão de Lideranças (MGL). Esse mapa foi desenvolvido a partir de entrevistas com profissionais das secretarias de governo nas áreas de educação e saúde, avaliando boas práticas de gestão de pessoas em cargos de alta liderança em todos os estados do Brasil. 

 

No Núcleo de Pessoas no Setor Público, meu papel é lidar com tarefas administrativas, além de conduzir pesquisas em colaboração com o professor Gustavo. Atualmente, estamos desenvolvendo dois projetos de pesquisa. O primeiro é focado no Mapa de Gestão de Lideranças, com o objetivo de compreender as barreiras para a implementação de sistemas de alta direção no setor público brasileiro. O segundo projeto de pesquisa busca identificar as melhores práticas para o desenvolvimento de habilidades de liderança.

 

Áreas de interesse

 

Minhas linhas de pesquisa atuais abrangem uma variedade de temas interconectados, todos sob o grande guarda-chuva da liderança e administração pública. Um dos meus principais focos é diversidade, inclusão e equidade, com ênfase especial nas questões de gênero e raça. Acredito que esses temas são fundamentais para entendermos e melhorarmos nossas organizações e instituições públicas.

 

Além disso, tenho um interesse particular pela “burocracia em nível de rua” — os servidores públicos que interagem diretamente com os cidadãos, como médicos, professores e policiais. Recentemente, publiquei um artigo na revista Policing: An International Journal sobre o impacto do estresse no comprometimento afetivo dos policiais. Neste estudo, comparamos a polícia do Rio de Janeiro com a de Minneapolis, Minnesota, nos Estados Unidos. Descobrimos que, apesar de os níveis de estresse serem mais altos no Brasil, os policiais brasileiros demonstram um forte comprometimento com sua corporação quando têm segurança psicológica — ou seja, quando se sentem à vontade para serem eles mesmos e expressarem suas ideias no trabalho.

 

Paralelamente, tenho trabalhado com o conceito de liderança inclusiva, sobretudo no contexto escolar. Neste ano, publiquei uma revisão de literatura sobre esse tema, explorando como diretores de escolas podem criar ambientes mais inclusivos para seus professores. 

 

Visão sobre diversidade e inclusão

 

Ao longo dos anos em que venho estudando a questão da diversidade no Brasil, tenho observado avanços, mas ainda há muito a ser feito. Desde 2020, percebo que o tema ganhou mais destaque na pauta das empresas e organizações, com a criação de comitês de diversidade e programas específicos. No entanto, muitas dessas iniciativas ainda parecem ser superficiais, feitas apenas “para inglês ver”. Além disso, nota-se uma grande disparidade entre as grandes cidades e o resto do país. Em São Paulo, por exemplo, muitas empresas têm programas de diversidade, mas, quando olhamos para o Brasil como um todo, a realidade ainda é bem diferente.

 

Para avançarmos nessa questão, vejo que são necessárias ações tanto do governo quanto das empresas. O governo tem um papel crucial na educação, pois a falta de escolaridade adequada é um dos principais fatores que impedem pessoas negras de chegarem a cargos de liderança. Já as empresas precisam trabalhar na mudança de cultura e no combate aos vieses. É essencial que a alta liderança esteja genuinamente comprometida com a diversidade, pois, sem esse apoio do topo, as políticas de RH encontram barreiras intransponíveis. 

 

Perspectivas futuras

 

Olhando para o futuro, meu objetivo é continuar na carreira acadêmica, conseguir uma boa posição como professora e pesquisadora, estabelecer colaborações produtivas e dar continuidade ao meu trabalho. Uma coisa que considero fundamental, independentemente do caminho que eu siga, é realizar pesquisas que tenham um impacto real na vida das pessoas. Observo que, muitas vezes, há pesquisadores nas universidades fazendo trabalhos excelentes, mas que não alcançam ou afetam ninguém fora da academia. Isso acontece porque, às vezes, eles estudam temas que, embora importantes, perdem relevância quando traduzidos para o mundo real e para as pessoas comuns.

 

O que me motiva é olhar para questões que realmente façam diferença. Quero que meu trabalho seja útil para alguém que trabalha em uma empresa ou no serviço público, por exemplo. Imagino uma pessoa lendo minha pesquisa e encontrando algo que possa aplicar em seu dia a dia. Ou então que, ao ler meu trabalho, as pessoas pensem: “Ah, entendi! Isso faz sentido para a minha organização, vou implementar isso”. Para mim, esse tipo de impacto prático é extremamente importante e é o que busco em minha carreira acadêmica.

 

Os artigos de Juliana Costa de Carvalho estão disponíveis neste link.



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