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Oito vezes por ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central define a taxa básica de juros da economia brasileira, uma decisão que tem impacto direto nos rendimentos das aplicações financeiras. Diante das incertezas, os investidores buscam constantemente formas de identificar com maior precisão os movimentos de alta e queda dos juros.

 

O estatístico Hedibert Freitas Lopes, professor e coordenador do Núcleo de Ciências de Dados e Decisão do Insper, e o economista Igor Ferreira Batista Martins, ex-aluno do Doutorado em Economia dos Negócios do Insper, apresentam um modelo de previsão no artigo “Stochastic Volatility Models with Skewness Selection” — modelos de volatilidade estocástica com seleção de assimetria, em tradução livre. O trabalho é resultado da tese de doutorado de Martins, orientada por Lopes, e foi publicado no periódico internacional e interdisciplinar “Entropy”, da editora MDPI, que pode ser lido neste link.

 

O artigo oferece contribuições nas áreas econômica e de estatística e econometria. Na parte estatística, os autores tentam observar a assimetria da variação da taxa de juros para alguns títulos de dívida emitidos por empresas e governos — os “bonds”. Martins afirma que a maior parte dos modelos usados no mercado assume essa variação como simétrica, ou seja, a mesma probabilidade de alta e queda da taxa em cada momento. Isso afeta a estimativa de risco de um investimento. “Propomos que talvez haja maior probabilidade de subidas em alguns momentos e de descidas em outros e capturamos essa tendência usando métodos estatísticos”, diz Martins.

 

Na parte econômica, o artigo conecta o ajuste da taxa à política monetária do país. Os grandes cortes ou elevações dos juros não ocorrem de forma instantânea, mas gradual, segundo Martins. Duas das principais variáveis associadas à decisão dos bancos centrais, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, são o desemprego e a inflação. O estudo analisa a conexão macroeconômica entre essas duas variáveis e os momentos de maior probabilidade de alta ou queda dos juros. “Verificamos, o que é bem razoável, que essas variáveis estão afetando a dinâmica da assimetria”, afirma Martins. “Para o Brasil, ambas. Para os Estados Unidos, no período analisado houve uma inflação muito bem controlada, então o desemprego é um preditor mais forte dessas assimetrias.”

 

De acordo com Lopes, ao flexibilizar a modelagem desses agentes se consegue dar peso diferente para os choques na economia. Independentemente de o choque ser na direção positiva ou negativa, os modelos assimétricos captam essa reação de maneira mais acurada, direcionando a uma melhor projeção dessas variáveis. Na literatura especializada, encontra-se uma ideia similar no conceito de caudas pesadas: movimentos extremos de quebras de mercado são mais frequentes do que se esperaria sob a perspectiva de modelos com distribuição gaussiana, tradicionais em estatística. “A assimetria permite que o investidor reaja na proporção do tamanho do choque”, diz Lopes.

 

Os autores explicam que o estudo dessa simetria ajuda a entender melhor o problema das previsões macroeconômicas, portanto pode ser útil para os gestores dos bancos centrais e os investidores. Mesmo que não adotem o modelo estatístico proposto pelo artigo, os analistas costumam reconhecer a importância de outros enfoques e tentam incorporar a questão da assimetria ao seu modo. “Nas últimas décadas, os trabalhos mais técnicos são produzidos juntamente com um pacote de linguagem estatística, para que aqueles que usarem esse pacote refaçam os modelos sem ter que reprogramar nada”, afirma Lopes.

 

Martins complementa: “Sinto que, principalmente nessa parte econômica e financeira, tem havido uma adoção muito grande de métodos computacionais estatísticos de ponta. Seja pelos policy makers, os tomadores de decisão dos bancos centrais, seja pela indústria de investimentos. No caso dos policy makers, existem grandes consequências atribuídas às decisões, então há incentivo suficiente para usar o que existir de mais novo, ou pelo menos deveria haver. Para a indústria de investimento, conta também o interesse financeiro. Se houver uma forma mais precisa e mais intuitiva de capturar algum tipo de movimento, as pessoas tentarão explorá-la. Esse é um dos aspectos interessantes da Econometria Bayesiana, porque ela permite comparar os diversos modelos e, inclusive, fazer uso conjunto de vários desses modelos, baseados na capacidade preditiva ou na importância de reconhecer os riscos da sua tomada de decisão”.

 

O estudo faz parte de uma área da econometria financeira que lida com modelos que variam no tempo. Em suas linhas de pesquisa, os dois autores utilizam os “hidden Markov models” (modelos ocultos de Markov), que exigem amplo conhecimento de inferência estatística, e a análise bayesiana, ramo da estatística proposto pelo matemático inglês Thomas Bayes (1701-1761). No atual pós-doutorado na Universidade de Örebro, na Suécia, Martins está ligado ao grupo de econometria bayesiana computacional, no qual segue investigando a questão da assimetria, ainda dispersa no mundo acadêmico brasileiro.

 

Lopes foi o primeiro brasileiro eleito fellow da International Society of Bayesian Analysis (Isba). No Doutorado em Economia dos Negócios, ele leciona a disciplina eletiva Advanced Bayesian Econometrics, ou Econometria Bayesiana Avançada, ministrada em inglês, para alunos do Insper e pós-graduandos de outras universidades do país. “No curso, surgem possibilidades de projetos mais aplicados em áreas específicas, como o estudo do Igor Martins”, diz Lopes. “O Igor tem um problema econômico relevante em taxa de juros, as variáveis que ajudam a explicar o problema, o conhecimento da área específica e, agora, um aparato computacional mais sofisticado para fazer essas análises.”

 

Os dados dos Estados Unidos vieram tratados da fonte, mas Martins precisou depurar os números do mercado brasileiro, exigindo um grande esforço de curadoria. Ele ressalta que o tema da simetria já foi estudado para outros ativos financeiros, principalmente na abordagem estatística. No entanto, são poucas as referências à questão econômica, o que motivou a pesquisa do doutorado. As primeiras influências em econometria vieram do professor Márcio Laurini, que orientou o mestrado de Martins na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.

 

Em 2018, Martins assistiu a uma sessão sobre econometria e métodos numéricos conduzida por Hedibert Lopes no 18º Encontro Brasileiro de Finanças, da Sociedade Brasileira de Finanças (SBFin). Dois anos depois, os dois se reencontraram no Insper. “Geralmente, os pós-graduandos encontram iluminação nos eventos de divulgação científica, quando são expostos a uma bateria de técnicas e métodos de pesquisa, umas mais interessantes e desafiadoras do que as outras”, afirma Lopes. “O aluno volta do evento, conversa com o seu orientador e, não raramente, começa a fazer a pesquisa naquela área.”

 

A metodologia empregada no estudo reforça a tendência de as pesquisas em economia, finanças e econometria cada vez mais basearem as suas afirmações em dados e evidências. “A cultura mais recente do uso de evidências traz a necessidade de fazer a curadoria dos dados, algo que os estatísticos, em geral, já faziam”, diz Lopes. “Agora, a estrutura de ciência de dados abre caminho para fazer tanto a depuração dos dados como as análises e os ajustes dos modelos. Esse ciclo que está se expandindo nas diversas áreas da ciência também já aparece em economia e em finanças.”

 

Lopes conclui com o exemplo do Centro de Dados e IA do Insper, que oferece apoio técnico no acesso, tratamento e governança de dados e infraestrutura computacional avançada para processamento de dados. “A percepção da necessidade de dados tem feito mais e mais gente doar os dados ou tratá-los para deixar num repositório acessível a pesquisadores. Então, tudo isso é uma revolução de dados e modelos estatísticos computacionalmente avançados”, afirma o professor.

Hedibert Lopes e Igor MartinsHedibert Lopes e Igor Martins


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