A honestidade vai além do simples cumprimento de regras; ela reflete uma escolha moral que exige integridade e constância, mesmo na ausência de vigilância. Entretanto, o que ocorre quando pessoas que se consideram moralmente corretas são apresentadas a situações em que pequenos delitos parecem inofensivos ou até mesmo necessários? Esse é um ambiente promissor onde a desonestidade muitas vezes aparece, especialmente em crimes de colarinho branco. Esses delitos, cometidos por indivíduos de alta posição social e poder, costumam ser justificados pela percepção de que suas ações não causam danos significativos e, em alguns casos, são vistas como um caminho para manter o status ou garantir o sucesso.
No escândalo Varsity Blues, Rick Singer, o idealizador do esquema de fraudes nas admissões universitárias, se destacou por oferecer uma “porta lateral” para ingressar nas faculdades mais prestigiadas dos Estados Unidos, por meio de subornos a treinadores e manipulação de exames. Singer prometia a certeza da admissão por um preço muito mais acessível do que as tradicionais doações milionárias feitas diretamente às universidades, o que tornava seu esquema ainda mais atraente para famílias que buscavam prestígio, criando a ilusão para os pais de que eles estavam apenas explorando um sistema falho de forma vantajosa, a fim de “ajudar” seus filhos a alcançarem seus objetivos.
Esse escândalo pode ser analisado sob a ótica da Teoria da janela quebrada, que sugere que pequenas infrações e desordens, se não corrigidas, podem levar a comportamentos mais graves e à normalização da ilegalidade. Um exemplo clássico dessa teoria é a experiência no metrô de Nova York nos anos 1980, onde tolerar pequenos delitos, como pular catracas, contribuiu para a escalada de crimes mais sérios. Nesse caso, as universidades de elite criaram um sistema que favorece a exclusividade e os privilégios, em que o sistema de admissão desigual nas faculdades envia a mensagem de que o prestígio e a riqueza estão acima da ética. Como no caso do aluno Jered Corey, que era um aluno mediano, mas entrou em Harvard após seu pai realizar uma doação de 2 milhões de dólares para a instituição, utilizando da “porta dos fundos” para ingressar na faculdade. Assim, através desses sistemas de ingresso alternativos, há uma brecha para pequenos desvios éticos, como preferências e doações, que podem evoluir para fraudes sistêmicas, como a “porta lateral” oferecida por Rick Singer.
A normalização da transgressão, alimentada pela percepção de que todos estavam “apenas jogando o jogo”, contribuiu para um ciclo vicioso de desonestidade, onde os limites éticos se tornaram cada vez mais tênues. No livro “Predictably Irrational: The Hidden Forces that Shape our Decisions”, Dan Ariely explora porque crimes de colarinho branco, como os do escândalo Varsity Blues, muitas vezes são julgados com menos rigor do que delitos maiores, apesar de causarem danos financeiros significativos. Ariely sugere que a honestidade é influenciada por fatores contextuais e que o “monitor interno de honestidade” das pessoas é ativado apenas em relação a grandes transgressões, enquanto pequenas infrações, como subornos e manipulações, são frequentemente vistas como aceitáveis. Essa percepção distorcida da moralidade permite que indivíduos justifiquem suas ações desonestas em um ambiente onde a busca por prestígio e sucesso pode ofuscar os valores éticos, conectado ao fato de muitos saírem impunes, reforçando a ideia de que essas infrações são aceitáveis, perpetuando um ciclo de impunidade e desonestidade institucionalizada.
Portanto, é importante destacar que a crítica não deve se concentrar apenas nas famílias ou nos pais envolvidos, mas sim nas universidades que perpetuaram um sistema de admissão desigual, criando atalhos e preferências para famílias privilegiadas. Se essas brechas não existissem, a tentação de recorrer a atos desonestos para garantir o acesso a instituições de prestígio poderia ser significativamente reduzida. Esse caso, ao invés de provocar uma mudança nas práticas dessas universidades, pode acabar reforçando ainda mais a percepção de exclusividade e valor dessas instituições, já que indivíduos ricos estão dispostos a correr o risco de enfrentar a prisão para garantir a admissão de seus filhos.
Bibliografia:
Publishers, 2008. Chap. 11 – The Context of our Character, Part I. (Blackboard);
Documentário: Operação Varsity Blues: O Escândalo no Acesso à Universidade nos EUA. (Netflix)